Conflito entre Egito e Líbia
Pedro J. Bondaczuk
O
clima de tensão reinante no Oriente Médio e Norte da África está atingindo o
seu clímax, com ameaças e contra-ameaças envolvendo os Estados Unidos, Israel,
Líbia, Síria e até mesmo o Irã, país que está fora desse perímetro. E esse
estado de coisas não vem de agora. Agravou-se desde 25 de setembro, quando três
terroristas palestinos apossaram-se de um iate israelense, ancorado no porto
cipriota de Lanarca, no Dia do Yom Kippur, e mataram seus três ocupantes
judeus.
Desde
então, os observadores passaram a prever um novo "round" desse
conflito, que alcança, em 1986, 39 anos de duração. E com batalhas e revanches,
uma área, que até a Segunda Guerra Mundial mal era mencionada na imprensa, já
gerou, nessas quase quatro décadas, milhares de quilômetros de textos, cujas
folhas que os receberam dariam para perfazer várias vezes a distância de ida e
volta à Lua, se enfileiradas lado a lado.
Nessa
área disputa-se, hoje, muito mais do que alguns quilômetros de terra para
abrigar alguns milhões de palestinos espalhados por acampamentos do Líbano, da
Síria, da Jordânia, do Iraque, da Tunísia, do Marrocos, da Líbia e do próprio
Israel. Estão em confronto, aí, como em qualquer conflito já registrado no
pós-guerra, as duas ideologias que polarizam a humanidade neste século,
previsto para ser o "das luzes" e que no seu término vai se revelando
ser o "da discórdia universal".
De
um lado encontram-se Israel e Egito, fiéis aliados norte-americanos, que desde
o Acordo de Camp David, de 1978, protagonizaram uma estranha aliança. De outro,
Síria e Líbia, braços armados de Moscou na região do Sul do Mediterrâneo,
grandes clientes dos russos na aquisição de armamentos e seus prepostos na
execução da estratégia de manter os Estados Unidos (e os países que o
acompanham) sob contínuo alerta.
Os
egípcios, desde quando Anwar el-Sadat expulsou de seu território os soviéticos,
atraídos para lá pelo falecido líder da sua independência nacional, o coronel
Gamal Abdel Nasser, pretendem assumir ares de hegemonia na região. Isso
tornou-se mais fácil a partir da queda do falecido xá do Irã. A atual República
Islâmica enveredou por caminhos imprevistos desde então, perdendo, dessa forma,
a condição de "xerife" da zona não apenas do Golfo Pérsico, mas até
do Oriente Médio, que fica um pouco além.
Hosni
Mubarak não possui, evidentemente, a mesma capacidade de liderança e idêntico
oportunismo do seu mentor político, assassinado em 1981. Em compensação, não é
dotado, também, da prudência de Sadat. Isso pode perfeitamente conduzi-lo a uma
aventura temerária contra a Líbia.
É
evidente que num confronto direto o Egito tem condições de vencer os líbios em
poucos dias, ou talvez até horas, de combates. Mas se eventualmente vier a
empreender alguma aventura desse tipo, o país terá encrencas para muitos anos.
Tornar-se-á, quase que fatalmente, alvos de constantes ataques do terror e a
sociedade egípcia, carente de tantas coisas, terá que viver num permanente
sobressalto, sem saber quando será atacada por algum eventual carro-bomba e nem
de onde poderá partir o ataque.
Seu
prestígio no mundo árabe (que tem veleidades de liderar), ficará reduzido a
nada e se não se acautelar, ficará ainda mais isolado na região do que está
atualmente. Hosni Mubarak bem que sabe disso. A prova de que está ciente foi a
preocupação que demonstrou em se eximir de qualquer eventual responsabilidade
quando os caças norte-americanos desviaram de sua rota o avião da Egyptair, que
transportava para Túnis os seqüestradores do transatlântico italiano Achille
Lauro, no dia 10 de outubro. Na ocasião, as relações do Cairo com a Casa Branca
chegaram a ficar estremecidas. Imaginem o que não poderia ocorrer se o Egito
viesse a atacar, por um motivo que não fosse considerado legítimo, algum país
da comunidade árabe!
(Artigo publicado na página 11,
Internacional, do Correio Popular, em 4 de janeiro de 1986)
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