Citações que induzem à
reflexão
Pedro
J. Bondaczuk
“Um escritor nunca
esquece a primeira vez em que aceita algumas moedas ou um elogio em troca de
uma história. Nunca esquece a primeira vez em que sente o doce veneno da
vaidade no sangue e começa a acreditar que, se conseguir disfarçar essa falta
de talento, o sonho da literatura será capaz de garantir um teto sobre sua
cabeça, um prato quente no final do dia e aquilo que mais deseja: seu nome
impresso num miserável pedaço de papel que certamente vai viver mais do que
ele. Um escritor está condenado a recordar esse momento, porque, a partir daí,
ele está perdido e sua alma já tem um preço”.
É exatamente com este
expressivo e polêmico parágrafo – que dá muito o que pensar, principalmente a
nós, contaminados por este vírus não letal, mas incurável, que é a Literatura
– que Carlos Ruiz Zafón inicia seu
instigante romance “O jogo do anjo”, best-seller mundial, com mais de dez
milhões de exemplares vendidos apenas na Espanha, lançado no Brasil pela
Editora Objetiva, com primorosa tradução de Eliana Aguiar.
Vários escritores que
consultei, a propósito dessa afirmação, negam que sentiram essa empolgação
quando, pela primeira vez, aceitaram “algumas moedas”, em troca de uma
história. Não sei se foram sinceros, mas... Mas admitiram a segunda proposição.
Ou seja, que se empolgaram com elogios ao seu talento e que essa “primeira vez”
se tornou inesquecível para eles. Ou seja, sentiram “o doce veneno da vaidade”
a circular no sangue. Também, óbvio, senti-me assim. E desde quando tive esse
sentimento, o “vírus” da Literatura contaminou-me de forma irremediável e minha
alma já passou a ter preço. Penhorei-a não a Mefistófeles, conforme Fausto, o
personagem de Johann Wolfgang Göethe, fez. Mas o fiz a uma entidade tão implacável
quanto a urdida pelo escritor alemão, que sequer sei como nominar.
O livro de Zafón
atraiu-me tanto e me causou tamanho fascínio por tratar, basicamente, das
peripécias, angústias, anseios, alegrias (poucas) e decepções (incontáveis) de
um escritor, no caso o personagem central do enredo, David Martin. A história,
que tão habilmente teceu, teria algo de autobiográfico? Não sei. Apenas o
próprio autor poderia dizer. Mas sem dúvida, “O jogo do anjo” tem muito da sua
experiência pessoal, da sua vivência e dos resultados positivos ou negativos
provenientes dos livros que escreveu e que publicou. Certamente seguiu o
caminho mais seguro para o potencial sucesso literário. Ou seja, escrever sobre
o que se conhece, o que se domina, o que não exige demoradas pesquisas que
garantam ao enredo a desejável verossimilhança. E se deu bem.
Para conhecer um pouco
mais sobre o que Zafón pensa sobre Literatura, sobre a vida e sobre sucesso ou
fracasso, resolvi empreender demorada pesquisa. Como li apenas um dos seus livros,
tive que recorrer a resenhas sobre os
demais, escritas por vários escritores e jornalistas, a maioria redigida em
espanhol, o que me exigiu maior esforço ainda e suscitou-me natural
insegurança. Não consegui muita coisa. Não que Zafón não seja claro ao
expressar o que pensa, mas em decorrência da escassez de tempo para pesquisar a
fundo algo tão complexo.
De qualquer forma,
pincei algumas de suas opiniões (não muitas) que partilho com você, atento e
fiel leitor. A primeira citação que me chamou a atenção, por motivo óbvio, é a
que se refere a esse objeto de desejo de qualquer escritor, tanto para sua
produção e (claro) publicação, quanto para seu deleite e, sem dúvida,
principalmente para sua instrução. Zafón declarou: “Os livros são espelhos: neles
só se vê o que possuímos dentro”. Engraçado, nunca pensei neles nesse aspecto.
Refletindo, todavia, a propósito, não tenho como não lhe dar razão.
Ao escrevermos um
livro, e não importa se de ficção ou não, expressamos, exclusivamente, por
palavras o fruto exclusivo das nossas observações, conhecimentos e opiniões,
com o nosso estilo característico de escrever. Ou seja, relatamos somente o que
já temos dentro de nós, há muito tempo, talvez escondido em algum substrato da
memória, não raro no inconsciente que, em determinado momento emerge para o
consciente. Na leitura, ocorre a mesma coisa. Nossa apreciação (ou depreciação)
de determinada obra é reflexo do nosso entendimento (ou desentendimento) e da
nossa concordância (ou discordância) com o que o autor expressa. O livro é,
pois, metaforicamente, de fato um espelho.
Outra citação que me
deu o que pensar é esta: “Há poucas razões para se dizer a verdade, mas para
mentir, o número é infinito”. “Exagero!”, dirão, certamente furiosos, alguns, jurando
por todas as juras que não mentem jamais. Todavia, apenas essa enfática
afirmação já é enorme mentira. Mentimos, sim, e muito, e o tempo todo. Nem
sempre nos damos conta disso e muitas vezes o fazemos inconscientemente, certos
de estarmos dizendo verdades. Mas não estamos. Boa parte dos relacionamentos
– quer afetivos, quer sociais – é
baseada na mentira. Ou, o que é mais grave, na meia verdade, que é muito pior,
porquanto se torna verossímil, mesmo sendo rigorosamente falsa.
Pertinente e verdadeira
é esta recomendação que Zafón faz: “Jamais desconsidere a maravilha das suas
lágrimas. Elas podem ser águas curativas e uma fonte de alegria. Algumas vezes
são as melhores palavras que o coração pode falar”. Li observações com o mesmo
teor, a propósito, no romance “Eurico, o presbítero”, de Alexandre Herculano e
em um memorável sermão do padre Antônio Vieira, a propósito de lágrimas.
Ademais, não choramos, apenas, de tristeza. O choro de alegria é muito mais
intenso, enfático e, sobretudo, benéfico.
Muitas vezes (diria
quase sempre), ficamos impressionados com as distorções e aberrações que o
noticiário dos meios de comunicação nos traz, diariamente, ao recesso do nosso
lar. E somos tentados a generalizar, a achar que o mundo é um valhacouto de
canalhas, habitado “só” por tarados, por violentos, por corruptos, por
assassinos em potencial, por exploradores etc.etc.etc. e que não tem mais
conserto. Cometemos, com isso, terrível injustiça para com os que constroem,
com os que socorrem, com os que aliviam sofrimentos, com o médico competente e aplicado, com o gari esforçado, com o professor, o caminhoneiro, o comerciante, o
jardineiro, o pesquisador, o feirante, o ator, o operário, o engenheiro, o
músico, o jornalista, a enfermeira, o físico, o pedreiro etc. Não
reconhecemos a atuação desses
profissionais (não importa o status de que gozem), cuja presença quase nunca é
notada, tamanha a assiduidade da sua ação, mas sem os quais a vida se tornaria
difícil, senão impossível.
A esse propósito,
porém, Zafón constata: “Não há dúvida que há gente no mundo que existe para que
haja de tudo”. Há milhões, possivelmente bilhões de pessoas Planeta afora que
não apenas facilitam a vida e a tornam agradável e boa, mas asseguram, até, a
própria sobrevivência da espécie, com suas ações positivas, competentes e
construtivas. Estas, porém, infelizmente, merecem pouquíssima atenção dos meios
de comunicação, de nós, escritores, supostamente cronistas da realidade do
nosso tempo e, principalmente, do público em geral.
Poderia comentar, ainda,
muitas das opiniões de Zafón, mas para não maçá-lo ainda mais, paciente leitor,
não o farei. Creio, todavia, que as parcas citações que trouxe à baila são
suficientes para comprovar que se trata de um escritor que não apenas nos
proporciona algumas agradáveis horas de sadio lazer, com seus excelentes
enredos, porém, sobretudo, nos induz à sempre saudável e indispensável
reflexão, pelo fato de seus livros terem conteúdo (nem todos romances têm).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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