Thursday, March 07, 2013


Um mito da cultura

Pedro J. Bondaczuk

Acabo de reler um livro em que, quando da leitura original, já havia colhido preciosos ensinamentos e no qual, com a meticulosa releitura, detectei nuances, sutilezas e filigranas que me haviam escapado quando o li pela primeira vez. Trata-se do volume de memórias “Renembranças”, do saudoso professor Francisco Ribeiro Sampaio – mito da cultura de Campinas – ao qual me sinto compelido a render sinceros e comovidos tributos, e por uma série de razões, notadamente por sua importância no magistério e no cenário cultural da cidade.

Adianto-me em dizer que (infelizmente) não o conheci pessoalmente. Todavia, por vários e bem fundamentados motivos, colhi tantas e meticulosas informações a seu respeito, que é como se o tivesse não apenas conhecido a vida toda, mas convivido com ele, ininterruptamente, por anos a fio, privilégio esse, insisto, que as circunstâncias não me permitiram.

Entre tantos dos seus notáveis feitos – quer como professor de Português do Colégio Estadual Culto à Ciência, do qual foi diretor substituto em várias ocasiões e da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, quer como destacado filólogo, ensaísta e polemista, quer como secretário de Educação e Cultura do Município de Campinas – foi o idealizador e um dos fundadores da Academia Campinense de Letras, a que tenho o orgulho de integrar há já por vinte anos.

Mas a razão principal do meu interesse por essa personalidade ímpar extrapola o terreno intelectual e artístico e descamba para o lado sentimental. Francisco Ribeiro Sampaio foi irmão do meu caríssimo, talentoso e inesquecível amigo Mauro Sampaio, de cuja amizade tanto me orgulho e me envaideço. Foi ele que me presenteou com o precioso livro “Renembranças”, de circulação restrita, o que, infelizmente, fez com que poucas pessoas tivessem acesso a essa preciosidade literária. Explico, a obra em questão integrou a coleção “Publicações da Academia Campinense de Letras”. Foi o volume de número 30, publicado em 1975 (17 anos antes de eu tornar-me acadêmico) e não esteve, pois, disponível nas livrarias. Uma pena!      

Há tanta coisa a ser dita sobre este ilustre mestre e sobre seu precioso livro que, por maior que fosse meu poder de síntese (e este é extremamente reduzido, pois, até por temperamento e estilo, sou redator prolixo), não conseguiria esgotar o assunto apenas neste modesto, se não tosco, texto. Voltarei, certamente, a tratar do tema, embora sem esgotá-lo, pelo tanto que se há a dizer. Fico na dúvida, no entanto, se devo centralizar minhas considerações iniciais na obra que me suscitou a oportunidade para esta extemporânea homenagem ou se no seu talentoso autor. Bem, vamos ao primeiro caso.

Francisco Ribeiro Sampaio nasceu na cidade paulista de Santa Rita do Passa Quatro, em 17 de maio de 1909. Em 2009, centenário do seu nascimento – que não chegou a comemorar, pois nos deixou antes, em 6 de maio de 1988, onze dias antes de completar 70 anos – os meios culturais de Campinas e a Academia que idealizou e concretizou renderam-lhe justíssimas homenagens, às quais, claro, associei-me e com emoção e convicção, por estar ciente da sua memorável trajetória.

O mestre iniciou estudos na cidade paulista de Ribeirão Preto, onde a família residiu por muitos anos e onde o pai, Benedito Sampaio – “lenda” intelectual naquela cidade e notadamente nesta metrópole campineira – era proprietário de uma escola. Seu currículo – quer acadêmico, quer literário – é tão extenso e valioso que, sem exagero, preencheria um livro inteiro e com algumas centenas de páginas. Destaco, todavia, os dois estágios que fez no Exterior, ambos como bolsista. A primeira bolsa recebeu da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa, para estagiar na tradicionalíssima Faculdade de Letras de Coimbra, onde pôde aperfeiçoar o que já era excelente. A segunda foi da Universidade de Houston, tendo estagiado na instituição texana de ensino superior com grande destaque e proveito.

Sua bibliografia também é das mais consideráveis, sendo que a maioria dos livros que escreveu e publicou foi constituída de obras didáticas e de estudos filológicos. Destaco: “Leituras fáceis” e “Seleta da Língua Portuguesa” (ambos em parceria com o pai Benedito Sampaio); “Ortografia” e “Nemigalhas Filológicas” (os dois de polêmica sobre temas filológicos); “Um poeta campineiro: B. Sampaio” (biografia do ilustre pai); “Santa Teresa de Jesus e outros escritos” (ensaios); “Palavra, pátria minha” (ensaios) e “Renembranças” (memórias), cuja releitura, como destaquei, suscitou estas minhas toscas reflexões e sobre o qual tratarei na sequência.

Destaco os elucidativos prefácios que o mestre escreveu para os livros “Na ilha das Flores”, de autoria de Agenor Lopes de Oliveira e “Monografia Histórica do Município de Campinas” (Edição IBGE, Rio de Janeiro, 1952). Sua obra mais concreta, todavia, é a Academia Campinense de Letras, instituição que idealizou, da qual foi seu primeiro e dinâmico presidente e onde ocupou a cadeira de número 1 até 1988, ocasião em que se tornou “encantado”. Afinal, como sugeriu o escritor Guimarães Rosa, “um poeta não morre, encanta-se”. E Francisco Ribeiro Sampaio o foi, e dos melhores, posto que nunca tenha publicado nenhum livro de poesias. Nem precisava. Sua vida foi memorável epopéia, magnífico poema de dedicação e de amor à arte, à cultura e à valorização do idioma pátrio.

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