Um mito da cultura
Pedro J. Bondaczuk
Acabo de reler um livro em que, quando da leitura original,
já havia colhido preciosos ensinamentos e no qual, com a meticulosa releitura,
detectei nuances, sutilezas e filigranas que me haviam escapado quando o li pela
primeira vez. Trata-se do volume de memórias “Renembranças”, do saudoso
professor Francisco Ribeiro Sampaio – mito da cultura de Campinas – ao qual me
sinto compelido a render sinceros e comovidos tributos, e por uma série de
razões, notadamente por sua importância no magistério e no cenário cultural da
cidade.
Adianto-me em dizer que (infelizmente) não o conheci
pessoalmente. Todavia, por vários e bem fundamentados motivos, colhi tantas e
meticulosas informações a seu respeito, que é como se o tivesse não apenas
conhecido a vida toda, mas convivido com ele, ininterruptamente, por anos a
fio, privilégio esse, insisto, que as circunstâncias não me permitiram.
Entre tantos dos seus notáveis feitos – quer como professor
de Português do Colégio Estadual Culto à Ciência, do qual foi diretor
substituto em várias ocasiões e da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, quer como destacado filólogo,
ensaísta e polemista, quer como secretário de Educação e Cultura do Município
de Campinas – foi o idealizador e um dos fundadores da Academia Campinense de
Letras, a que tenho o orgulho de integrar há já por vinte anos.
Mas a razão principal do meu interesse por essa
personalidade ímpar extrapola o terreno intelectual e artístico e descamba para
o lado sentimental. Francisco Ribeiro Sampaio foi irmão do meu caríssimo,
talentoso e inesquecível amigo Mauro Sampaio, de cuja amizade tanto me orgulho
e me envaideço. Foi ele que me presenteou com o precioso livro “Renembranças”,
de circulação restrita, o que, infelizmente, fez com que poucas pessoas
tivessem acesso a essa preciosidade literária. Explico, a obra em questão
integrou a coleção “Publicações da Academia Campinense de Letras”. Foi o volume
de número 30, publicado em 1975 (17 anos antes de eu tornar-me acadêmico) e não
esteve, pois, disponível nas livrarias. Uma pena!
Há tanta coisa a ser dita sobre este ilustre mestre e sobre
seu precioso livro que, por maior que fosse meu poder de síntese (e este é
extremamente reduzido, pois, até por temperamento e estilo, sou redator
prolixo), não conseguiria esgotar o assunto apenas neste modesto, se não tosco,
texto. Voltarei, certamente, a tratar do tema, embora sem esgotá-lo, pelo tanto
que se há a dizer. Fico na dúvida, no entanto, se devo centralizar minhas
considerações iniciais na obra que me suscitou a oportunidade para esta
extemporânea homenagem ou se no seu talentoso autor. Bem, vamos ao primeiro
caso.
Francisco Ribeiro Sampaio nasceu na cidade paulista de
Santa Rita do Passa Quatro, em 17 de maio de 1909. Em 2009, centenário do seu
nascimento – que não chegou a comemorar, pois nos deixou antes, em 6 de maio de
1988, onze dias antes de completar 70 anos – os meios culturais de Campinas e a
Academia que idealizou e concretizou renderam-lhe justíssimas homenagens, às
quais, claro, associei-me e com emoção e convicção, por estar ciente da sua
memorável trajetória.
O mestre iniciou estudos na cidade paulista de Ribeirão
Preto, onde a família residiu por muitos anos e onde o pai, Benedito Sampaio –
“lenda” intelectual naquela cidade e notadamente nesta metrópole campineira –
era proprietário de uma escola. Seu currículo – quer acadêmico, quer literário
– é tão extenso e valioso que, sem exagero, preencheria um livro inteiro e com
algumas centenas de páginas. Destaco, todavia, os dois estágios que fez no
Exterior, ambos como bolsista. A primeira bolsa recebeu da Fundação Calouste
Gulbenkian, de Lisboa, para estagiar na tradicionalíssima Faculdade de Letras
de Coimbra, onde pôde aperfeiçoar o que já era excelente. A segunda foi da
Universidade de Houston, tendo estagiado na instituição texana de ensino
superior com grande destaque e proveito.
Sua bibliografia também é das mais consideráveis, sendo que
a maioria dos livros que escreveu e publicou foi constituída de obras didáticas
e de estudos filológicos. Destaco: “Leituras fáceis” e “Seleta da Língua
Portuguesa” (ambos em parceria com o pai Benedito Sampaio); “Ortografia” e
“Nemigalhas Filológicas” (os dois de polêmica sobre temas filológicos); “Um
poeta campineiro: B. Sampaio” (biografia do ilustre pai); “Santa Teresa de
Jesus e outros escritos” (ensaios); “Palavra, pátria minha” (ensaios) e
“Renembranças” (memórias), cuja releitura, como destaquei, suscitou estas
minhas toscas reflexões e sobre o qual tratarei na sequência.
Destaco os elucidativos prefácios que o mestre escreveu
para os livros “Na ilha das Flores”, de autoria de Agenor Lopes de Oliveira e
“Monografia Histórica do Município de Campinas” (Edição IBGE, Rio de Janeiro,
1952). Sua obra mais concreta, todavia, é a Academia Campinense de Letras,
instituição que idealizou, da qual foi seu primeiro e dinâmico presidente e
onde ocupou a cadeira de número 1 até 1988, ocasião em que se tornou
“encantado”. Afinal, como sugeriu o escritor Guimarães Rosa, “um poeta não
morre, encanta-se”. E Francisco Ribeiro Sampaio o foi, e dos melhores, posto
que nunca tenha publicado nenhum livro de poesias. Nem precisava. Sua vida foi
memorável epopéia, magnífico poema de dedicação e de amor à arte, à cultura e à
valorização do idioma pátrio.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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