Tuesday, March 26, 2013


O que causa assombro

Pedro J. Bondaczuk

O universo, com sua monstruosa dimensão, que intuo infinita – embora os cientistas, volta e meia, “determinem” aleatoriamente seus limites, que a todo o momento estendem mais e mais face novas descobertas – sempre foi tema de minhas reflexões. Aliás, não se trata (longe disso) de exclusividade minha. Provavelmente, foi a primeira questão que brotou na consciência do homem primitivo, tão logo se conscientizou que “existia”.

Esse nosso remoto ancestral deve ter querido, antes de tudo, saber em que lugar estava. Tentava entender o que era o sol, o que era a lua e o que eram aqueles incontáveis pontos luminosos que via em noites claras e sem nuvens no céu, que denominou, genericamente, de estrelas. Para ele, o universo era a Terra. Todos os demais elementos seriam meros adereços existentes em função dela. Hoje, nem o mais bronco dos broncos ou o mais ingênuo dos ingênuos acredita nisso. Um dia, porém, isso já foi tido como o suprassumo da sabedoria.

Foram necessários muitos milênios (sabe-se lá quantos) e incontáveis gerações para que se formassem naquelas mentes “virgens” conceitos mais sólidos a esse propósito. Dessa inquietação intelectual primitiva, contudo, dessa tentativa original de se situar no universo, é que surgiu, primeiro, a filosofia e dela derivou a ciência, como a conhecemos, até chegar ao nosso tempo, mediante sucessivos processos empíricos, de tentativa e erro.

E o que sabemos hoje, a propósito, é o que é ou o que pensamos ser? Quem o sabe? Provavelmente não é! O mais provável é que tenhamos, somente, levantado ligeiramente, alguns meros mícrons, alguma fração infinitesimal de milímetro, o manto que encobre esse grande e ainda insondável mistério. Talvez jamais o homem venha a desvendá-lo. É o que sugere, pelo menos, a mais comezinha lógica.

A propósito, escrevi, recentemente, no Facebook, esta reflexão em forma de mensagem: “Assombro é o que sinto quando à noite contemplo as estrelas e lembro que elas estão tão distantes que a maioria das que vejo já está extinta há milhões, quiçá bilhões de anos. E não é para se assombrar quando se sabe que a luz viaja à velocidade de 300 mil quilômetros por segundo e que, ainda assim, leva essa absurda quantidade de tempo para chegar até mim?! Imagino a distância em que esses sóis de tamanhos variáveis, alguns, bilhões de vezes maiores do que o nosso,  se encontram, neste universo que não se sabe onde começa (se começa) e onde termina (se termina) e nem quando começou (se começou) e quando vai terminar, caso termine. Só um tolo ou alguém sumamente alienado não se assombra face esse mistério que jamais homem algum conseguirá desvendar, embora tantos especulem com arrogância  a propósito”.

Alguém, todavia, dizendo-se meu amigo, alertou-me para os riscos de veicular “tolices” dessa espécie nas redes sociais. Será tolo, mesmo, repetir o exercício do homem primitivo, em sua ânsia de se situar em um contexto tão amplo? Tudo bem, não se trata de reflexão, diria, “prática”, restrita a esse nosso mundinho do dia a dia, tão frágil e sujeito a forças cósmicas descomunais, que podem, num piscar de olhos pulverizá-lo, sem que faça a menor falta no contexto geral. Para alguns, é mesmo uma grande bobagem. Para outros tantos, não. Ademais, não fiz essa reflexão – para muitos irrelevante (e provavelmente seja mesmo) – em tom solene.

Li, há alguns anos, em um dos ensaios de Michel de Montaigne, a seguinte declaração, que fiz questão de anotar e que possivelmente caiba neste caso: “Ninguém está livre de dizer tolices: o imperdoável é dizê-las solenemente”. Aliás, em nosso círculo de amigos, costumávamos brincar com essa citação (sem que em nossas brincadeiras houvesse o menor demérito ao autor). Toda a vez que alguém dizia algum disparate, invariavelmente qualquer pessoa do grupo questionava se a bobagem em questão fora ou não dita “solenemente”. Os de fora do nosso círculo não entendiam essa patuscada. Nem poderiam.

Pena que hoje em dia sejam raros os escritores que reflitam sobre uma questão tão antiga e filosoficamente tão instigante. Onde estamos? Qual a extensão real do universo? Onde seu limite? Existe limite? Intuo que seja o infinito, conceito que, junto com o da eternidade, não cabe em nosso pequenino cérebro por razões óbvias: posto que tenha tremendo potencial, não explorado sequer em 5%, ele é finito. Quanto ao tempo, o nosso é tão fugaz e curto, tomando por parâmetro o universo, que nele jamais caberia, ou jamais caberá, o conceito da eternidade.   

O poeta português Almeida Garrett, na introdução de um dos seus livros de poesia, explica, de maneira singela, posto que sumamente lógica e até didática, a razão de não podermos delimitar o que supostamente não tem fim. Afirmou: “Ao infinito não se chega, porque deixava de o ser em se chegando a ele”. Óbvio, não é mesmo?

Assim é o conceito da extensão do universo. Quando eu era estudante do antigo ginásio, os astrônomos haviam estabelecido que o limite universal era de dez bilhões de anos-luz. Com o desenvolvimento de mais potentes e modernos telescópios fixos, ele foi estendido para 14 bilhões. Com o advento de instrumentos ainda mais poderosos, livres da interferência da atmosfera terrestre, como o Hubble, o Chandra e outros similares, foi ampliado para 16 bilhões. Ou seja, quase dobrou em menos de cinqüenta anos.

De tudo o que escrevi, no entanto, o mais assombroso para mim é o fato dessa pulga cósmica, desse piolho, desse vírus ou coisa ainda menor caso exista, que é o homem comparado ao universo, entender (posto que rudimentarmente) esses conceitos e de continuar especulando a respeito em busca da verdade que, com certeza, lhe é e sempre será interdita em toda sua extensão. Pensem nisso. Claro, não “solenemente”...

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