O que causa assombro
Pedro
J. Bondaczuk
O universo, com sua
monstruosa dimensão, que intuo infinita – embora os cientistas, volta e meia,
“determinem” aleatoriamente seus limites, que a todo o momento estendem mais e
mais face novas descobertas – sempre foi tema de minhas reflexões. Aliás, não
se trata (longe disso) de exclusividade minha. Provavelmente, foi a primeira
questão que brotou na consciência do homem primitivo, tão logo se conscientizou
que “existia”.
Esse nosso remoto
ancestral deve ter querido, antes de tudo, saber em que lugar estava. Tentava
entender o que era o sol, o que era a lua e o que eram aqueles incontáveis pontos
luminosos que via em noites claras e sem nuvens no céu, que denominou,
genericamente, de estrelas. Para ele, o universo era a Terra. Todos os demais
elementos seriam meros adereços existentes em função dela. Hoje, nem o mais
bronco dos broncos ou o mais ingênuo dos ingênuos acredita nisso. Um dia,
porém, isso já foi tido como o suprassumo da sabedoria.
Foram necessários
muitos milênios (sabe-se lá quantos) e incontáveis gerações para que se
formassem naquelas mentes “virgens” conceitos mais sólidos a esse propósito.
Dessa inquietação intelectual primitiva, contudo, dessa tentativa original de
se situar no universo, é que surgiu, primeiro, a filosofia e dela derivou a
ciência, como a conhecemos, até chegar ao nosso tempo, mediante sucessivos
processos empíricos, de tentativa e erro.
E o que sabemos hoje, a
propósito, é o que é ou o que pensamos ser? Quem o sabe? Provavelmente não é! O
mais provável é que tenhamos, somente, levantado ligeiramente, alguns meros
mícrons, alguma fração infinitesimal de milímetro, o manto que encobre esse
grande e ainda insondável mistério. Talvez jamais o homem venha a desvendá-lo.
É o que sugere, pelo menos, a mais comezinha lógica.
A propósito, escrevi,
recentemente, no Facebook, esta reflexão em forma de mensagem: “Assombro é o
que sinto quando à noite contemplo as estrelas e lembro que elas estão tão
distantes que a maioria das que vejo já está extinta há milhões, quiçá bilhões
de anos. E não é para se assombrar quando se sabe que a luz viaja à velocidade
de 300 mil quilômetros por segundo e que, ainda assim, leva essa absurda
quantidade de tempo para chegar até mim?! Imagino a distância em que esses sóis
de tamanhos variáveis, alguns, bilhões de vezes maiores do que o nosso, se encontram, neste universo que não se sabe
onde começa (se começa) e onde termina (se termina) e nem quando começou (se
começou) e quando vai terminar, caso termine. Só um tolo ou alguém sumamente
alienado não se assombra face esse mistério que jamais homem algum conseguirá
desvendar, embora tantos especulem com arrogância a propósito”.
Alguém, todavia,
dizendo-se meu amigo, alertou-me para os riscos de veicular “tolices” dessa
espécie nas redes sociais. Será tolo, mesmo, repetir o exercício do homem
primitivo, em sua ânsia de se situar em um contexto tão amplo? Tudo bem, não se
trata de reflexão, diria, “prática”, restrita a esse nosso mundinho do dia a
dia, tão frágil e sujeito a forças cósmicas descomunais, que podem, num piscar
de olhos pulverizá-lo, sem que faça a menor falta no contexto geral. Para
alguns, é mesmo uma grande bobagem. Para outros tantos, não. Ademais, não fiz
essa reflexão – para muitos irrelevante (e provavelmente seja mesmo) – em tom
solene.
Li, há alguns anos, em
um dos ensaios de Michel de Montaigne, a seguinte declaração, que fiz questão
de anotar e que possivelmente caiba neste caso: “Ninguém está livre de dizer
tolices: o imperdoável é dizê-las solenemente”. Aliás, em nosso círculo de
amigos, costumávamos brincar com essa citação (sem que em nossas brincadeiras
houvesse o menor demérito ao autor). Toda a vez que alguém dizia algum
disparate, invariavelmente qualquer pessoa do grupo questionava se a bobagem em
questão fora ou não dita “solenemente”. Os de fora do nosso círculo não
entendiam essa patuscada. Nem poderiam.
Pena que hoje em dia
sejam raros os escritores que reflitam sobre uma questão tão antiga e
filosoficamente tão instigante. Onde estamos? Qual a extensão real do universo?
Onde seu limite? Existe limite? Intuo que seja o infinito, conceito que, junto
com o da eternidade, não cabe em nosso pequenino cérebro por razões óbvias:
posto que tenha tremendo potencial, não explorado sequer em 5%, ele é finito.
Quanto ao tempo, o nosso é tão fugaz e curto, tomando por parâmetro o universo,
que nele jamais caberia, ou jamais caberá, o conceito da eternidade.
O poeta português Almeida Garrett, na introdução de um dos seus livros
de poesia, explica, de maneira singela, posto que sumamente lógica e até
didática, a razão de não podermos delimitar o que supostamente não tem fim.
Afirmou: “Ao infinito não se chega, porque deixava de o ser em se chegando a
ele”. Óbvio, não é mesmo?
Assim é o conceito da extensão do universo. Quando eu era estudante do
antigo ginásio, os astrônomos haviam estabelecido que o limite universal era de
dez bilhões de anos-luz. Com o desenvolvimento de mais potentes e modernos
telescópios fixos, ele foi estendido para 14 bilhões. Com o advento de
instrumentos ainda mais poderosos, livres da interferência da atmosfera
terrestre, como o Hubble, o Chandra e outros similares, foi ampliado para 16
bilhões. Ou seja, quase dobrou em menos de cinqüenta anos.
De tudo o que escrevi, no entanto, o mais assombroso para mim é o fato
dessa pulga cósmica, desse piolho, desse vírus ou coisa ainda menor caso
exista, que é o homem comparado ao universo, entender (posto que
rudimentarmente) esses conceitos e de continuar especulando a respeito em busca
da verdade que, com certeza, lhe é e sempre será interdita em toda sua
extensão. Pensem nisso. Claro, não “solenemente”...
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