Sunday, March 10, 2013


Acima de tudo poeta

Pedro J. Bondaczuk

O escritor mexicano Octávio Paz destacou-se não somente na poesia, gênero em que é tido e havido como um dos maiores poetas hispânicos de todos os tempos. Foi, também, brilhante ensaísta, abordando em seus ensaios praticamente todos os temas da atualidade, quer políticos, quer econômicos, quer sociais e comportamentais. Além de ser intelectual sumamente observador, adquiriu vasta experiência de vida, convivendo com outros povos, em sua atividade diplomática, em que fez carreira.

Sua vivência no exterior começou muito cedo, ainda na infância, que passou nos Estados Unidos, onde seus pais foram morar. De regresso ao México, cursou Direito e, posteriormente, fez curso de especialização em literatura. Em 1945, ingressou no serviço diplomático mexicano, o que lhe possibilitou viajar muito, entrar em contato com outros povos e conhecer outras culturas. Viveu na Espanha, na França (mais especificamente em Paris), no Japão e na Índia. As observações que fez, em cada lugar em que passou, forneceram-lhe subsídios para memoráveis ensaios, não somente sobre literatura, mas de cunho filosófico, político, social e comportamental.

Todavia, quem lê sua produção ensaística, e de “antena ligada”, vislumbra, sempre, o poeta que nunca deixou de ser, mesmo quando tratou de áridos temas políticos que soube, por causa dessa característica, tornar atrativos e compreensíveis até para “não iniciados”. Alguns assuntos são recorrentes em sua obra em prosa (tanto em ensaios, quanto em artigos para jornais e revistas e nas várias entrevistas que deu) como a vida nas grandes cidades mundiais, como a tão propalada (e nem sempre bem entendida) modernidade e como a necessidade premente da busca pelo autoconhecimento, que considerava apenas remotamente possível, posto que desejável.

Javier Gonzalez caracteriza da seguinte maneira o cerne da temática de Octávio Paz: “O que mostra a leitura do poeta mexicano é que o pensamento, de maneira análoga ao Universo, não tem um centro verdadeiro; que todo centro é móvel e relativo. O grande esforço de Paz se orienta em reafirmar a verdade conhecida desde sempre por poetas e homens de sabedoria; que o centro do mundo se encontra no coração de cada homem”.

E como o próprio escritor caracteriza a motivação do ato de escrever, não apenas a sua, mas de todos os demais? Declarou, neste trecho de um dos seus ensaios: “Escrevemos para ser o que somos ou para ser aquilo que não somos. Em um ou em outro caso, nos buscamos a nós mesmos. E se tivermos a sorte de nos encontrarmos – sinal de criação – descobriremos que somos um desconhecido. Sempre o outro, sempre ele, inseparável, alheio, com o seu rosto, e o meu, você sempre comigo e sempre só”.

Para Octávio Paz, as cidades contemporâneas são tanto um bem, quanto um mal, dependendo do aspecto em que a vida nessas selvas de asfalto e cimento seja encarada. A possibilidade de fácil acesso aos bens indispensáveis à sobrevivência (e mesmo os supérfluos) é o lado positivo, no seu entender. Quanto ao negativo, declarou o seguinte, em entrevista publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, em 1988: “É certo que a vida em comum ameaça sempre nossa identidade, mas a cidade, com suas multidões anônimas, também provoca o encontro com nós mesmos e, em certas ocasiões provoca, até mesmo, a revelação do que está mais além de nós. Os antigos tinham visões nos desertos e nos páramos, nós nos corredores de um edifício ou numa esquina qualquer. A poesia da cidade é simultaneamente a poesia da perda do ser e a poesia da plenitude”.

Afirmei que Octávio Paz, mesmo quando escreve prosa, é sempre o poeta, quer na linguagem empregada, quer na visão peculiar do que o rodeia. A propósito da vida nas grandes cidades, encontrei dois poemas que, indiretamente, expressam a mesma coisa que ele declarou na entrevista citada, publicada pelo “Estadão”. O primeiro leva o título de “Certeza”, e diz:

“Se é real a luz branca
desta lâmpada, real
a mão que escreve? São reais
os olhos que vêem o escrito?

De uma palavra a outra
a que digo se desvanece.
Eu sei que estou vivo
entre dois parêntesis”.

O segundo poema intitula-se “Povo”. Nele, Octávio Paz declara:

“As pedras são tempo
o vento séculos de vento
as árvores são tempo
as pessoas são pedras
o vento volta sobre si mesmo e se enterra
no dia de pedra.
Não há água mas brilham os olhos”.

Em outra entrevista, esta concedida a Enrico Mario Santi, Octávio Paz afirmou: “Há aquilo que dizia aquele historiador inglês Toynbee, que há um ritmo de saída e de regresso. É o ritmo de todos os homens, é um ritmo humano. Saímos da matriz e voltamos à tumba. Essa é a vida do homem e nossa vida pessoal. Como na vida das sociedades, esse duplo ritmo de saída e de retorno se reproduz não uma, mas muitas vezes. Esse ritmo de regresso e saída é fundamental”. Pense nisso!

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