Saturday, March 23, 2013


Prós e contras da precocidade artística

Pedro J. Bondaczuk

A questão do talento precoce, do que se manifesta aos cinco, seis ou sete anos de idade, é tema para intermináveis discussões, sem que se chegue jamais a conclusões definitivas. Nunca se chegou. Uns são a favor e citam, aqui ou ali, artistas fenomenais, atletas e até escritores (será?), verdadeiras raridades, que começaram a atuar muito cedo, causando assombro em parentes, amigos e conhecidos e que, ao longo da vida, confirmaram a genialidade prematura e legaram obras valiosas à humanidade. A imensa maioria jamais confirma.

Outros tantos (entre os quais me incluo), principalmente educadores, psicólogos e pedagogos, opõem-se ao incentivo, quando não à coação (o que é mais comum) às crianças, para fazerem ou tentarem fazer, antes do tempo, ou seja, antes de adquirirem um mínimo de maturidade física, mental e psicológica (dependendo da atividade) aquilo que os adultos acham que têm propensão natural e talvez nem tenham (na maioria das vezes, não têm).

Raras são as famílias, notadamente as de melhor poder aquisitivo, que em algum momento não achem (e não propalem) que têm um gênio mirim em casa. Conheço muitos casos desses. Na esmagadora maioria das vezes, quando seus pimpolhos crescem e mostram que não passavam meramente de crianças espertas, todavia normais (pelos critérios usuais de normalidade e, quando de fato o são), esse entusiasmo original é esquecido e essas pessoas seguem seu caminho comum, sem nada de excepcional, nem para o bem e nem para o mal.

Há casos, todavia, em que os supostos virtuoses precoces crescem com profundo complexo de culpa, por acharem que decepcionaram os adultos que confiavam neles e, em muitos casos, isso arruína ou contribui para arruinar suas vidas. Tornam-se amargos, derrotistas, azedos e não raro recorrem ao álcool e/ou às drogas como catastróficas muletas, afundando de vez.

Há que se ter, pois, cuidado extremo com as crianças nesse aspecto. Se forem, de fato, talentosas, o tempo e as circunstâncias se encarregarão de demonstrar naturalmente. Se não forem, também. Mas pelo menos não crescerão com esse peso nos ombros e evitarão, assim, decepções, frustrações e coisas bem piores, caso não sejam, claro, pressionadas, ou, mais grave, coagidas pelos adultos.

Ademais, apenas o que se chama de “vocação”, mesmo que manifestada precocemente, não garante a ninguém sucesso certo, sem que precise fazer mais nada. Wolfgang Amadeus Mozart mostrou incomum talento para a música, e aos quatro anos de idade. Todavia, se não tivesse os professores que teve ou se não contasse sequer com a oportunidade de tê-los, não seria o gênio que foi. Disso não tenham dúvidas. É suprema ingenuidade, se não burrice, pensar o contrário.

À sua vocação natural, o genial músico acrescentou ingredientes indispensáveis para obter êxito em qualquer atividade (embora sem garanti-lo, já que esse tipo de garantia não existe) como disciplina, estudo, informação, treinamento, observação etc.etc.etc., tudo isso temperado pela paixão. O mesmo raciocínio vale para Franz Liszt que, aos onze anos de idade, prestes a completar doze, já se tornara músico profissional, de talento incomum, reconhecido tanto por especialistas quanto por leigos.

Para chegar a esse ponto, porém, teve que queimar etapas, sacrificar a infância, abrir mão de uma porção de prazeres, estudando como poucos já haviam estudado, exercitando-se exaustivamente, errando, corrigindo erros, tornando a errar e a corrigir um sem número de vezes. A despeito de haver comovido o sisudo Ludwig van Beethoven, com sua empolgante interpretação ao piano, levando-o, literalmente, às lágrimas, durante anos não foi unanimidade.

Ao contrário, foi vítima, em muitas oportunidades, de mesquinharias incompreensíveis, ditadas, provavelmente (eu diria certamente) pelo preconceito em relação à sua pouca idade. Uma delas, Liszt sentiu na carne pouco depois do bem sucedido concerto no palácio Aumgarten, de Viena. Deslumbrado com o sucesso, o garoto chegou a Paris, sempre na companhia amiga e protetora do pai, com um grande sonho na cabeça. Queria freqüentar célebre conservatório musical que havia na “Cidade Luz” para aprimorar sua técnica de execução.

Todavia, foi, estranhamente, barrado em sua pretensão por alguém que um dia também galgaria o “Olimpo dos Imortais”, Luigi Cherubini. O maestro, então diretor da tal instituição, resolveu apegar-se a um regulamento há tempos caído em desuso, que impedia o ingresso de estrangeiros naquela casa. O que ele se esquecia é que também não era francês, mas italiano. Além de descortesia, o veto para a matrícula de Liszt não passou de imensa mesquinharia, provavelmente ditada pelo preconceito, que a história não deixou de registrar.

Outra decepção do jovem talento húngaro na França foi a má acolhida, por parte da crítica, da ópera “Dom Sanchez”. Liszt foi encarregado de musicar esse libreto de Rancé e Theaulon e o fez de forma magnífica. A estréia da peça deu-se, em Paris, em 17 de outubro de 1825. Ocorreu na sequência de uma histórica e bem sucedida turnê pela Itália. A apresentação aconteceu apenas quatro dias depois de Liszt haver completado catorze anos de idade. O público até que recebeu bem a ópera. Aplaudiu, pediu bis, entusiasmou-se. Todavia, as opiniões da crítica foram não apenas severas, mas contundentes e devastadoras.

Castil Blaze, por exemplo, que na época era considerado o maioral do ramo, chegou a escrever, sem tirar e nem pôr, que o jovem virtuose não tinha nenhum talento para a música, o que contrariava as opiniões de consagrados compositores como, por exemplo, o insuspeito Ludwig van Beethoven. Isso está escrito, com todas as letras, na coluna que o tal crítico assinava no prestigioso jornal “Debats”, na edição de 18 de outubro de 1825. Seria muito interessante saber (se isso fosse possível) o que Castil Blaze diria hoje, se estivesse vivo, dessa mesma ópera e, principalmente do seu autor. Duvido que teria a coragem de repetir o que escreveu na ocasião. Há pessoas que só entram, mesmo, na história pela porta dos fundos, pelas gafes que cometem. O hoje ilustre desconhecido crítico francês é uma delas.

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