O duplo significado de
gênio
Pedro
J. Bondaczuk
A pedido de vários
leitores – aos quais agradeço pela assiduidade e pela valiosa atenção que
dedicam a estas despretensiosas reflexões diárias – volto a recorrer ao meu
bloco de anotações. Trata-se daquele em que registro os episódios mais
chamativos (quando não bizarros), não necessariamente os mais marcantes, posto
que mais interessantes, das biografias de personalidades dos diversos campos de
atividade que li e que continuo lendo, e que já mencionei em “n” ocasiões.
Embora tenha tratado de
aspectos da vida e da obra de, no mínimo, três centenas de personagens –
algumas em um único texto, outras tantas em vários deles – ainda há muito que
comentar. Confesso que fiquei surpreso com o interesse que as biografias
despertam nas pessoas dos mais variados níveis de informação e graus culturais.
Isso comprova a tese de que “nada é mais interessante ao homem do que o próprio
homem”.
O personagem para o
qual volto agora o meu foco é dos mais fascinantes, e por boa quantidade de
razões. Foi, por exemplo, alguém que amou demais, todavia, jamais se casou.
Voltou a maior parte da sua obra para a religião, embora fosse emérito e
renitente “pecador”. Era húngaro de nascimento, mas jamais aprendeu uma única
palavra do idioma pátrio. Quem foi esse sujeito tão contraditório e peculiar,
com perfil ideal para ser personagem de ficção? Foi magistral compositor da
música classificada de “erudita”, aquela intemporal, que nunca deixa de ser
moderna a despeito do tempo e que considero como uma espécie de linguagem
universal.
O artista que me
desperta tamanho fascínio é Franz Liszt. Antes de entrar em detalhes sobre sua
vida e, notadamente, sobre sua obra, peço licença para fazer algumas
digressões, que podem não parecer que tenham relação com o tema em questão, mas
que, mesmo que indiretamente, têm. Trago à baila, pela enésima vez, um assunto
que tenho abordado reiteradamente, por me fascinar como poucos: o da
genialidade.
A palavra “gênio” (e
seu respectivo significado, óbvio), é mal compreendida em toda sua extensão.
Essa expressão, por exemplo, pode ter (e tem) a conotação de uma característica
relativamente rara, de alguém que tenha um conjunto de dotes incomum,
superiores à média das pessoas ditas “normais” (embora o conceito de
normalidade seja ambíguo, vago e excessivamente elástico). Todas as artes e
ofícios já tiveram, em alguma ocasião, os chamados “tops de linha”. Ou seja, os
mais aptos do que os demais para exercer tais atividades.
Por exemplo, já
existiram (e provavelmente ainda existem) gênios da música (Bach, Beethoven,
Mozart, Antonio Carlos Jobin, Cole Porter, Irvin Berlin e vai por aí afora);
dos esportes (Pelé, Maradona, Messi, Usain Bolt etc.); da Literatura (Octávio
Paz, Borges, Dostoievski, Poe etc.); da ciência (Einstein, Marie Curie, Pasteur
etc.) entre tantos e tantos outros. Foram (ou são) insuperáveis em suas
atividades.
Contudo a expressão
“gênio” também define temperamento. Nesse contexto, é utilizada, usualmente, em
sentido pejorativo. É muito comum dizer-se, referindo-se a alguém que tenha
comportamento insólito (quando não extravagante, ou de difícil convivência):
“Fulano tem um gênio muito difícil e insuportável”. É a forma com que se
classifica pessoas temperamentais, instáveis, quando não apenas mal educadas.
Não é, óbvio, esse tipo de “genialidade” que me fascina.
Todavia, por estranha
coincidência (embora haja exceções), as duas conotações “andam juntas” em
determinados gênios. São, simultaneamente, pessoas sumamente aptas no que se
propõem a fazer e de temperamento instável, complicado, não raro com atitudes
incompreensíveis e/ou bizarras. Essa dualidade, de tanto ser observada, já foi
alçada à categoria de estereótipo.
Indivíduos
extraordinariamente competentes no que fazem, os famosos “tops de linha”, têm,
também, vidas marcadas por ações e reações exóticas, por extravagâncias, por
incoerências que os tornam vítimas da incompreensão e muitas vezes da repulsa
alheias. Não são raras as tragédias que os acometem ou que eles protagonizam.
Seria o preço pago pela genialidade? Talvez. Nem sei se uma coisa tem, de fato,
relação com a outra ou se tudo não passa de enorme coincidência.
Seria até desnecessário
citar casos de gênios que se deram mal e que só foram reconhecidos depois de
mortos. O pintor Vincent Van Gogh, por exemplo, foi um deles. O Prêmio Nobel de
Literatura, Ernest Hemmingway, foi outro. Beethoven, Gauguin, Edgar Allan Poe e
algumas centenas de outros nomes poderiam engrossar essa lista. Presumo que
seja por essa dualidade entre talento ímpar e comportamento bizarro e anormal,
que a vida de boa parte dos gênios desperte tanto interesse e atraia tantos e
tão variados biógrafos a estudá-las e registrá-las em livros.
As obras desses gênios
enriquecem, sem dúvida, o patrimônio artístico, científico, filosófico,
cultural etc. da humanidade. Todavia, os lances mais pitorescos e insólitos de
sua conduta cotidiana despertam curiosidade ainda maior do que a existente em
torno “do que” e de “como” fizeram. Em muitos casos, até, essas circunstâncias
de vida sobrepõem-se, no interesse popular, às criações que legaram. É outra
coisa que me causa pasmo, quando não indignação.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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