Sunday, March 17, 2013


O duplo significado de gênio

Pedro J. Bondaczuk

A pedido de vários leitores – aos quais agradeço pela assiduidade e pela valiosa atenção que dedicam a estas despretensiosas reflexões diárias – volto a recorrer ao meu bloco de anotações. Trata-se daquele em que registro os episódios mais chamativos (quando não bizarros), não necessariamente os mais marcantes, posto que mais interessantes, das biografias de personalidades dos diversos campos de atividade que li e que continuo lendo, e que já mencionei em “n” ocasiões.

Embora tenha tratado de aspectos da vida e da obra de, no mínimo, três centenas de personagens – algumas em um único texto, outras tantas em vários deles – ainda há muito que comentar. Confesso que fiquei surpreso com o interesse que as biografias despertam nas pessoas dos mais variados níveis de informação e graus culturais. Isso comprova a tese de que “nada é mais interessante ao homem do que o próprio homem”. 

O personagem para o qual volto agora o meu foco é dos mais fascinantes, e por boa quantidade de razões. Foi, por exemplo, alguém que amou demais, todavia, jamais se casou. Voltou a maior parte da sua obra para a religião, embora fosse emérito e renitente “pecador”. Era húngaro de nascimento, mas jamais aprendeu uma única palavra do idioma pátrio. Quem foi esse sujeito tão contraditório e peculiar, com perfil ideal para ser personagem de ficção? Foi magistral compositor da música classificada de “erudita”, aquela intemporal, que nunca deixa de ser moderna a despeito do tempo e que considero como uma espécie de linguagem universal.

O artista que me desperta tamanho fascínio é Franz Liszt. Antes de entrar em detalhes sobre sua vida e, notadamente, sobre sua obra, peço licença para fazer algumas digressões, que podem não parecer que tenham relação com o tema em questão, mas que, mesmo que indiretamente, têm. Trago à baila, pela enésima vez, um assunto que tenho abordado reiteradamente, por me fascinar como poucos: o da genialidade.

A palavra “gênio” (e seu respectivo significado, óbvio), é mal compreendida em toda sua extensão. Essa expressão, por exemplo, pode ter (e tem) a conotação de uma característica relativamente rara, de alguém que tenha um conjunto de dotes incomum, superiores à média das pessoas ditas “normais” (embora o conceito de normalidade seja ambíguo, vago e excessivamente elástico). Todas as artes e ofícios já tiveram, em alguma ocasião, os chamados “tops de linha”. Ou seja, os mais aptos do que os demais para exercer tais atividades.

Por exemplo, já existiram (e provavelmente ainda existem) gênios da música (Bach, Beethoven, Mozart, Antonio Carlos Jobin, Cole Porter, Irvin Berlin e vai por aí afora); dos esportes (Pelé, Maradona, Messi, Usain Bolt etc.); da Literatura (Octávio Paz, Borges, Dostoievski, Poe etc.); da ciência (Einstein, Marie Curie, Pasteur etc.) entre tantos e tantos outros. Foram (ou são) insuperáveis em suas atividades.

Contudo a expressão “gênio” também define temperamento. Nesse contexto, é utilizada, usualmente, em sentido pejorativo. É muito comum dizer-se, referindo-se a alguém que tenha comportamento insólito (quando não extravagante, ou de difícil convivência): “Fulano tem um gênio muito difícil e insuportável”. É a forma com que se classifica pessoas temperamentais, instáveis, quando não apenas mal educadas. Não é, óbvio, esse tipo de “genialidade” que me fascina.

Todavia, por estranha coincidência (embora haja exceções), as duas conotações “andam juntas” em determinados gênios. São, simultaneamente, pessoas sumamente aptas no que se propõem a fazer e de temperamento instável, complicado, não raro com atitudes incompreensíveis e/ou bizarras. Essa dualidade, de tanto ser observada, já foi alçada à categoria de estereótipo.

Indivíduos extraordinariamente competentes no que fazem, os famosos “tops de linha”, têm, também, vidas marcadas por ações e reações exóticas, por extravagâncias, por incoerências que os tornam vítimas da incompreensão e muitas vezes da repulsa alheias. Não são raras as tragédias que os acometem ou que eles protagonizam. Seria o preço pago pela genialidade? Talvez. Nem sei se uma coisa tem, de fato, relação com a outra ou se tudo não passa de enorme coincidência.

Seria até desnecessário citar casos de gênios que se deram mal e que só foram reconhecidos depois de mortos. O pintor Vincent Van Gogh, por exemplo, foi um deles. O Prêmio Nobel de Literatura, Ernest Hemmingway, foi outro. Beethoven, Gauguin, Edgar Allan Poe e algumas centenas de outros nomes poderiam engrossar essa lista. Presumo que seja por essa dualidade entre talento ímpar e comportamento bizarro e anormal, que a vida de boa parte dos gênios desperte tanto interesse e atraia tantos e tão variados biógrafos a estudá-las e registrá-las em livros.

As obras desses gênios enriquecem, sem dúvida, o patrimônio artístico, científico, filosófico, cultural etc. da humanidade. Todavia, os lances mais pitorescos e insólitos de sua conduta cotidiana despertam curiosidade ainda maior do que a existente em torno “do que” e de “como” fizeram. Em muitos casos, até, essas circunstâncias de vida sobrepõem-se, no interesse popular, às criações que legaram. É outra coisa que me causa pasmo, quando não indignação.

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