Saturday, March 30, 2013


Esquecidos do Nobel

Pedro J. Bondaczuk

O Nobel é, dos prêmios outorgados a personalidades de todo o mundo, que se destacam em suas respectivas áreas de atividade, o de maior reputação e credibilidade, posto que, também, dos mais criticados.  As críticas multiplicam-se, sobretudo, quando se trata de reconhecer o talento e a importância de escritores. São tantos os que o merecem e que ainda não o receberam que chego a duvidar dos critérios adotados para a escolha do ganhador do Nobel de Literatura de cada ano. Foram tantos os que o mundo cultural tinha certeza que seriam premiados, mas que jamais o foram, que essa dúvida chega a beirar a certeza.

Minha decepção chega a raiar à irritação quando penso que nenhum escritor brasileiro chegou pelo menos perto desse reconhecimento internacional a que fizeram jus. Neste ano, por exemplo, Ariano Suassuna foi candidato e... não ganhou. Seria, a nossa Literatura, pior, menos criativa e de menor conteúdo humanístico do que a dos demais países? Só pode pensar uma coisa dessas quem não a conheça ou não tenha o indispensável hábito de leitura. Posso enumerar, com a maior facilidade,  relação extensíssima de escritores nacionais – sobretudo poetas – que já deveriam ter em seus currículos um Nobel, mas não têm. São nomes para lá de óbvios, como Manuel Bandeira, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Moraes, Cora Coralina e a relação estende-se por páginas e mais páginas.

Cheguei, em certa ocasião, a achar que o júri responsável pela atribuição do Nobel de Literatura nutria grande preconceito contra escritores latino-americanos. Refletindo, porém, com mais calma e analisando a relação dos premiados ao longo dos anos, concluí que não é este o caso. Se fosse, Gabriela Mistral (chilena, em 1945), Miguel Angel Asturias (guatemalteco, em 1967), Pablo Neruda (chileno, em 1971), Gabriel Garcia Marquez (colombiano, em 1982), Octávio Paz (mexicano, em 1990) e Mário Vargas Llosa (peruano, em 2010), jamais seriam ganhadores do Nobel de Literatura.

Então como explicar (já nem mesmo puxando a brasa para a sardinha dos escritores brasileiros) o fato do argentino Jorge Francisco Isidoro Luís Borges Acevedo nunca ter sido sequer candidato com chances de conquista do prêmio? Não posso crer que os responsáveis pela atribuição dessa honraria desconhecessem a obra desse criativíssimo homem de letras. Mais inconcebível, ainda, é que não gostassem do que escreveu. Ou, pior, que não considerassem de qualidade superior os seus vários livros!

É certo que Borges chegou a criticar esse tipo de premiação e a insinuar que ela não lhe fazia nenhuma falta. Será que pensava, mesmo, isso? Não creio. Afirmo isso com base na entrevista que ele deu em 24 de agosto de 1984, por ocasião do seu 85º aniversário. Na ocasião, expressou, com todas as letras, “profundo desejo de conquistar um Prêmio Nobel de Literatura”. É verdade que, como era de seu feitio, deu outra declaração, na sequência, que me pareceu incoerente, por contradizer a primeira. Afirmou que gostaria de ser esquecido após sua morte. Mas como?! Se desejava que ninguém mais se lembrasse dele, então para quê desejava ganhar o Nobel? Mas ele era, mesmo, assim, o que no meu entender o tornava ainda mais fascinante, como se fosse necessário qualquer artifício para ser tão admirado e amado pelos seus admiradores (entre os quais, claro, sempre me incluí) como sempre foi e é.

Na entrevista citada, ainda tentou justificar o fato de não ter sido lembrado, dizendo: “A academia sueca, antigamente, premiava escritores que eram mundialmente conhecidos. Agora mudou de modus operandi: dedica-se a descobrir valores. Não os reprovo. Também eu gostaria de ser descoberto”. Todavia... não o foi.  

A propósito de Borges, abro um parêntese para comentar uma de suas tantas e polêmicas declarações. Foi a que chamou em especial a atenção do escritor (e amigo) Edir Araujo, que me questiona, por e-mail, a respeito. Certa feita, o genial argentino afirmou: “Que outros se gabem dos livros que escreveram; eu me orgulho dos que li.” O autor de “A passagem dos cometas” pergunta se também penso dessa maneira. Respondo: sim! O que já escrevi – e olhem que não foi pouco – para mim não tem a menor relevância diante da infinidade de excelentes obras que li e que contribuíram decisivamente para a minha formação, não apenas como praticante de Literatura, mas, sobretudo, como ser humano.

Fico imaginando a tremenda ironia que foi o fato de um homem tão apegado a livros, que tinha tamanha paixão pela leitura, como Borges, ter sido acometido pela cegueira nos derradeiros anos de vida. A esse propósito, ele disse, na citada entrevista que deu no dia do 85º aniversário: “Atualmente só consigo distinguir o amarelo e, do meu gato branco, o Bepo, aprendi a sentir sua proximidade”;

Uma das declarações mais polêmicas que fez, na oportunidade, foi quando disse que desconfiava que, se existia um Paraíso, este era uma biblioteca. Sustentou que “o homem embala entre seus parietais uma maravilha que lhe é dado chamar de Deus”. Um Deus que o protagonista de um dos seus contos busca na mítica biblioteca da Babilônia, com a certeza de que só poderá achá-lo em um capítulo, um parágrafo, uma das palavras escritas em um dos milhões de livros ali concentrados. E que sua cegueira (a dele, Borges, e não do personagem) o impedia de ler.

Prisioneiro dos espectros que alimentou ao longo da vida e da obra, o genial escritor – há vários anos, e com menos idade, mas com o mesmo senso crítico e a mesma ironia que o caracterizaram – reconheceu, num verso de um breve e comovedor poema: “Cometi um dos maiores pecados que um homem pode cometer: o de não ter sido feliz”. Quantos de nós não cometemos, inconsciente ou deliberadamente, esse mesmo equívoco?!


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