Esquecidos do Nobel
Pedro
J. Bondaczuk
O Nobel é, dos prêmios
outorgados a personalidades de todo o mundo, que se destacam em suas
respectivas áreas de atividade, o de maior reputação e credibilidade, posto
que, também, dos mais criticados. As
críticas multiplicam-se, sobretudo, quando se trata de reconhecer o talento e a
importância de escritores. São tantos os que o merecem e que ainda não o
receberam que chego a duvidar dos critérios adotados para a escolha do ganhador
do Nobel de Literatura de cada ano. Foram tantos os que o mundo cultural tinha
certeza que seriam premiados, mas que jamais o foram, que essa dúvida chega a
beirar a certeza.
Minha decepção chega a
raiar à irritação quando penso que nenhum escritor brasileiro chegou pelo menos
perto desse reconhecimento internacional a que fizeram jus. Neste ano, por
exemplo, Ariano Suassuna foi candidato e... não ganhou. Seria, a nossa
Literatura, pior, menos criativa e de menor conteúdo humanístico do que a dos
demais países? Só pode pensar uma coisa dessas quem não a conheça ou não tenha
o indispensável hábito de leitura. Posso enumerar, com a maior facilidade, relação extensíssima de escritores nacionais
– sobretudo poetas – que já deveriam ter em seus currículos um Nobel, mas não
têm. São nomes para lá de óbvios, como Manuel Bandeira, Mário Quintana, Carlos
Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, João Cabral de Melo Neto, Vinícius de
Moraes, Cora Coralina e a relação estende-se por páginas e mais páginas.
Cheguei, em certa
ocasião, a achar que o júri responsável pela atribuição do Nobel de Literatura nutria
grande preconceito contra escritores latino-americanos. Refletindo, porém, com
mais calma e analisando a relação dos premiados ao longo dos anos, concluí que
não é este o caso. Se fosse, Gabriela Mistral (chilena, em 1945), Miguel Angel
Asturias (guatemalteco, em 1967), Pablo Neruda (chileno, em 1971), Gabriel
Garcia Marquez (colombiano, em 1982), Octávio Paz (mexicano, em 1990) e Mário
Vargas Llosa (peruano, em 2010), jamais seriam ganhadores do Nobel de
Literatura.
Então como explicar (já
nem mesmo puxando a brasa para a sardinha dos escritores brasileiros) o fato do
argentino Jorge Francisco Isidoro Luís Borges Acevedo nunca ter sido sequer
candidato com chances de conquista do prêmio? Não posso crer que os
responsáveis pela atribuição dessa honraria desconhecessem a obra desse
criativíssimo homem de letras. Mais inconcebível, ainda, é que não gostassem do
que escreveu. Ou, pior, que não considerassem de qualidade superior os seus
vários livros!
É certo que Borges
chegou a criticar esse tipo de premiação e a insinuar que ela não lhe fazia
nenhuma falta. Será que pensava, mesmo, isso? Não creio. Afirmo isso com base
na entrevista que ele deu em 24 de agosto de 1984, por ocasião do seu 85º
aniversário. Na ocasião, expressou, com todas as letras, “profundo desejo de
conquistar um Prêmio Nobel de Literatura”. É verdade que, como era de seu
feitio, deu outra declaração, na sequência, que me pareceu incoerente, por
contradizer a primeira. Afirmou que gostaria de ser esquecido após sua morte.
Mas como?! Se desejava que ninguém mais se lembrasse dele, então para quê
desejava ganhar o Nobel? Mas ele era, mesmo, assim, o que no meu entender o
tornava ainda mais fascinante, como se fosse necessário qualquer artifício para
ser tão admirado e amado pelos seus admiradores (entre os quais, claro, sempre
me incluí) como sempre foi e é.
Na entrevista citada,
ainda tentou justificar o fato de não ter sido lembrado, dizendo: “A academia
sueca, antigamente, premiava escritores que eram mundialmente conhecidos. Agora
mudou de modus operandi: dedica-se a descobrir valores. Não os reprovo. Também
eu gostaria de ser descoberto”. Todavia... não o foi.
A propósito de Borges,
abro um parêntese para comentar uma de suas tantas e polêmicas declarações. Foi
a que chamou em especial a atenção do escritor (e amigo) Edir Araujo, que me
questiona, por e-mail, a respeito. Certa feita, o genial argentino afirmou:
“Que outros se gabem dos livros que escreveram; eu me orgulho dos que li.” O
autor de “A passagem dos cometas” pergunta se também penso dessa maneira.
Respondo: sim! O que já escrevi – e olhem que não foi pouco – para mim não tem
a menor relevância diante da infinidade de excelentes obras que li e que
contribuíram decisivamente para a minha formação, não apenas como praticante de
Literatura, mas, sobretudo, como ser humano.
Fico imaginando a
tremenda ironia que foi o fato de um homem tão apegado a livros, que tinha
tamanha paixão pela leitura, como Borges, ter sido acometido pela cegueira nos
derradeiros anos de vida. A esse propósito, ele disse, na citada entrevista que
deu no dia do 85º aniversário: “Atualmente só consigo distinguir o amarelo e,
do meu gato branco, o Bepo, aprendi a sentir sua proximidade”;
Uma das declarações
mais polêmicas que fez, na oportunidade, foi quando disse que desconfiava que,
se existia um Paraíso, este era uma biblioteca. Sustentou que “o homem embala
entre seus parietais uma maravilha que lhe é dado chamar de Deus”. Um Deus que
o protagonista de um dos seus contos busca na mítica biblioteca da Babilônia,
com a certeza de que só poderá achá-lo em um capítulo, um parágrafo, uma das
palavras escritas em um dos milhões de livros ali concentrados. E que sua
cegueira (a dele, Borges, e não do personagem) o impedia de ler.
Prisioneiro dos
espectros que alimentou ao longo da vida e da obra, o genial escritor – há
vários anos, e com menos idade, mas com o mesmo senso crítico e a mesma ironia
que o caracterizaram – reconheceu, num verso de um breve e comovedor poema:
“Cometi um dos maiores pecados que um homem pode cometer: o de não ter sido
feliz”. Quantos de nós não cometemos, inconsciente ou deliberadamente, esse
mesmo equívoco?!
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