Palavra pode ser arma
Pedro J. Bondaczuk
Os
homens vivem e até mesmo morrem por palavras. E estas, na maioria das vezes,
quando se tratam de conceitos abstratos, não têm o mesmo significado para
todos. O governo chinês, por exemplo, assegura, por todos os meios e em todos
os veículos ao seu dispor, que o massacre ocorrido na Praça da Paz Celestial de
Pequim, nos dias 3 e 4 passados, mostrados para o mundo todo por corajosos
cinegrafistas de televisão, não foram exatamente o que todos nós vimos.
Diz que o mundo todo, de repente, se juntou para
“difamar” o regime, como se isso ainda fosse necessário, depois de tudo o que
já se sabe dele. Afirma que os mortos na repressão foram somente 300, dos quais
200 seriam soldados.
Por tudo isso, é bastante explicável a preocupação
da Anistia Internacional com a sorte que aguarda os mais de 1.800 presos
políticos da China, em decorrência das manifestações pró-democracia. De
repente, eles correm o risco de se transformar em “rufiões, assaltantes e
bandidos comuns” e de receber o propalado tiro na nuca, com que os sentenciados
à morte são executados nesse país. Com a suprema ironia (para não dizer
macabra) da conta do preço da bala utilizada na execução ser mandada às
famílias dos infelizes.
Pelo que foi descrito dos julgamentos que já
ocorreram, de diversos cidadãos classificados como “criminosos comuns”, se
deduz que tudo não passou de uma encenação barata, que pode merecer qualquer
denominação, menos a de Justiça. Não é por acaso que juristas do mundo todo,
das mais variadas tendências ideológicas e escolas doutrinárias, têm vindo a
público, nos últimos dias, para condenar essa brutal farsa.
Julgar qualquer cidadão, por mais certeza que se
tenha da sua culpabilidade, em delitos comuns, em questão de minutos, já é uma
heresia. Condenações à morte obtidas dessa forma não passam de assassinatos,
frios e covardes. Imagine o leitor o que significa isso transposto para o
movediço terreno do “crime político”!
Que ninguém estranhe, portanto, se a agência oficial
chinesa, a Xinhua, passar a divulgar execuções em massa de “ladrões,
assassinos, violadores”, etc. daqui para frente. De repente (não mais do que de
repente) simples palavras irão transformar, para a opinião pública da China (e
para os ingênuos de outras partes do mundo), bravos idealistas, que apenas
desejavam aquilo que pessoa, ideologia, sistema, regime ou governo algum
deveriam subtrair de ninguém (por ser um direito básico e fundamental de cada
ser humano, a sua liberdade), em “degenerados, rufiões e escória social”.
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 30 de junho de
1989).
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