Termômetro da cultura
Pedro
J. Bondaczuk
“A palavra é o próprio
homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos,
o único testemunho de nossa realidade”. Esta declaração pode ser tomada como
uma espécie de profissão de fé do poeta, ensaísta e diplomata mexicano Octávio
Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, em sua atuação política.
Em ensaios, artigos e
entrevistas, defendeu a necessidade (vital) da preservação do idioma por todas
as sociedades vigorosas e em evolução que aspirem continuar evoluindo. Entendia
que a língua de que ela se utiliza é o termômetro do vigor de sua cultura, em
seu sentido amplo, que abrange todos os costumes, tradições, comportamentos,
práticas e aspirações coletivas desse povo.
Considerava que um dos
sintomas mais alarmantes e inequívocos da decadência de determinado país era a
corrupção da sua linguagem, que se refletiria em toda a sua comunicação, quer a
artística e literária, quer a trivial e cotidiana, quer, e principalmente, a
oficial, dos seus governantes. Declarou, em determinada ocasião, a esse
propósito, em uma das tantas (e instrutivas) entrevistas que concedeu: “Quando
uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que gangrena é a linguagem”. E essa
advertência faz todo o sentido. Afinal, o idioma falado por determinado povo é
seu principal fator de aglutinação social, sua mais notável, posto que não
única, característica nacional.
Daí considerar a
linguagem como termômetro para detectar se a sociedade está febril – sintoma
inequívoco de doença, de curva descendente da saúde que a pode levar a
irrecuperável colapso e à morte – ou se sua cultura está saudável, dinâmica e
em contínua evolução. Octávio Paz ressaltou que um país “doentio” se deixa
contaminar pela retórica vazia e demagógica dos que cultuam o estatismo, o
burocrativismo, a estagnação e a posterior retrocesso das suas instituições. A
tal propósito, advertiu: “Para se evitar a implosão institucional, a decadência
cultural e a destruição do tecido social, a primeira medida seria limpar o
idioma e extirpar o veneno da retórica oficial”.
Para essa limpeza e
extirpação, Paz recomenda, como detergente e antídoto, a transparência na
comunicação dos governantes com os governados. Ou seja, a exposição de idéias
(se estas existirem), de programas e de prestações de contas de forma a que
todos entendam, sem sofismas e nem ambigüidades. Parece-me que desta ausência
de clareza e de objetividade todos os governos, de todos os países (uns mais e
outros menos) padecem na atualidade. O “termômetro”, pois, indica que algo não
está saudável no corpo social planetário. Creio que a humanidade, no início
desta segunda década do século XXI, manifesta sintomas alarmantes de
decadência. Octávio Paz observou, em um dos seus ensaios: “Se os líderes lessem
poesia seriam mais sábios”. Não tenho dúvidas sobre isso.
Para nós, escritores, a
defesa do idioma de que nos utilizamos, preservando sua pureza e vigor, é mais
do que importante: é vital. Cabe-nos a responsabilidade natural – até em
decorrência da atividade que exercemos – de guardiões da linguagem. Somos,
saibamos ou não, parâmetros e certamente servimos de modelos da arte de bem
comunicar para milhares, quiçá milhões de pessoas. O segredo da boa redação e,
por conseqüência, da comunicação sadia e eficaz, está na simplicidade. Note-se
que um texto “simples” não pode e não deve ser confundido com “simplório”. Deve
ser claro, objetivo, ordenado e perfeitamente inteligível pelo seu
destinatário, o leitor. Para isso, todavia, não precisa e não deve descambar
para a vulgaridade.
Escrever bem não
significa usar e abusar de um pedantismo cafona e rançoso, que nada comunica,
embora possa impressionar basbaques. Não exclui a verdadeira erudição, caso
quem redija a tenha. Se a tiver, certamente saberá se fazer entendido e
transmitirá sua mensagem com elegância,
posto que com eficiência, já que uma não exclui a outra. Octávio Paz disse a
respeito: “Somente pela transparência é que se pode chegar a uma nova
realidade, livre da cafonice enjoativa da publicidade e das palavras
asfixiantes, nauseabundas e açucaradas dos parasitas e dos cortesãos”.
Há quem discorde do
premiado poeta e entenda que ele exagerou na defesa da necessidade de
preservação do idioma. São os tais dos eternos críticos, que criticam tudo e
todos apenas por impulso (ou vício?), sem saberem quem e o que criticam. Há
milhões desses, mundo afora, e temo que sejam irrecuperáveis, que se constituam
em casos perdidos e sem remédio. Octávio Paz poderia responder a esses céticos
empedernidos (provavelmente sem conseguir convencê-los, pois eles não sabem
sequer porque criticam): “O homem é um ser que se criou a si próprio ao criar
uma linguagem. Pela palavra, o homem é uma metáfora de si próprio”. E não é?!
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