Milagres da comunicação
Pedro
J. Bondaczuk
A difusão do
conhecimento, de sorte a que as descobertas feitas por mentes privilegiadas
atingissem todos os recantos da Terra onde houvesse comunidades humanas,
constituiu-se, por milênios, em obstáculo tido, não raro, como intransponível
para a evolução material e intelectual da humanidade. Por exemplo, a habilidade
para fazer fogo, hoje considerada simplérrima, demorou uma eternidade para se
tornar conhecida por todos, assim como o conceito da roda, como a construção de
ferramentas originalmente de pedras e, posteriormente de outros metais, e vai
por aí afora.
As pessoas que nascem
atualmente – e, em certo aspecto, todos os que compõem a minha geração,
nascidos pouco antes da metade do século XX – são sumamente privilegiadas nesse
aspecto. Conhecimentos primaríssimos, que levaram dezenas de milhares de anos
para serem obtidos e difundidos mundo afora, estão ao alcance, hoje, de
qualquer criança, que mal aprenda a falar. Vejo como exemplo o meu neto João
Vítor que, aos três anos e meio, já sabe ligar o computador e navegar nos sites
mais simples da internet. Manipula o celular com uma familiaridade que eu não
sou capaz de igualar nem remotamente. E ele não é nenhuma raridade, nenhum
gênio por causa disso. Há milhões de criancinhas, como ele, mundo afora, com
essa mesmíssima habilidade.
Imaginem, porém, um
mundo sem eletricidade e, portanto, sem rádio, sem televisão e sem
computadores. Imaginaram? Avancem em sua imaginação. Pensem como se vivia algum
tempo atrás sem telefone fixo (e muito menos celular), sem jornais diários, sem
automóveis, caminhões, ônibus, trens, aviões e vai por aí afora. Já imaginaram?
Pois nada disso existia há apenas um século e meio!! Desde o seu surgimento,
impossível de determinar com exatidão quando ocorreu, a humanidade sobreviveu sem
essas maravilhas tecnológicas, sem nenhuma delas, frutos, destaque-se, de
descobertas feitas por pessoas de mentes privilegiadas e da difusão dos
conhecimentos que lhes permitiram essas façanhas e as de outros tantos.
Querem um exemplo de
uma informação primaríssima, que hoje qualquer menininho de quatro ou cinco
anos domina – e esse domínio não causa estranheza a ninguém – e que os
cientistas e pesquisadores conseguiram descobrir, e provar apenas na primeira
metade do século XVI e que assim mesmo muitos demoraram mais cem anos para
assimilar? Esta refere-se à esfericidade da Terra. Custou milênios e milênios
para que as pessoas “esclarecidas” assimilassem a hoje elementaríssima noção de
que o planeta que habitamos era redondo. Não se tinha a menor idéia a respeito
da força de gravidade, pela qual um corpo maior atrai todos os menores para o
seu centro.
Por essa razão, sempre
que alguém ousasse sequer cochichar a hipótese da esfericidade da Terra era
tido como completo insano, quando não como sacrílego. Caso bobeasse, tinha a
vida suprimida, acusado de heresia. “Como a Terra é redonda?”, indagavam os
pseudodoutos senhores do conhecimento, em tom de deboche. “Fosse assim, tudo
despencaria no espaço”, afirmavam, como se fosse o suprassumo da lógica e da
sabedoria. Tivessem o mais elementar conhecimento da lei física da gravidade,
provavelmente a mais poderosa força que rege o universo, entenderiam como isso
é possível.
Entenderiam que o
espaço não tem altura e nem profundidade e nem mesmo lateralidade. Não existe o
em cima, o embaixo e o dos lados. Essa sensação depende de que parte do Planeta
estivermos. O que para nós, por exemplo, parece ser a parte superior do
firmamento, para nossos antípodas, os japoneses, é a inferior e vice-versa. Se
ainda hoje esse conceito é difícil de ser entendido pelo homem dessa época da
informação total (ou quase), imaginem para nossos ancestrais! Afirmar, o que
hoje é praticamente consensual, há apenas 150 ou 180 anos, era correr o risco
de ser internado em um manicômio, como o insano dos insanos, como doido de
pedra, quando não coisa muito pior.
Os homens de ciência –
e apenas os mais lúcidos e esclarecidos – só se convenceram (ou começaram a se
convencer) da esfericidade da Terra depois que o navegador Fernão de Magalhães,
a serviço da coroa de Portugal, completou a primeira viagem de circunavegação
do planeta. Isso ocorreu em 8 de setembro de 1522. Mas o convencimento não se
deu nessa ocasião e nem de uma só vez, instantaneamente. Passaram-se décadas
para que os pesquisadores (e apenas os mais lúcidos e racionais) se inteirassem
dos detalhes dessa então ousadíssima aventura e se convencessem que a Terra
era, mesmo, uma bola, solta no espaço, sem estar apoiada em nada, girando em
torno de uma estrela de quinta grandeza, que os antepassados convencionaram
chamar de Sol.
Viram como os meios de
difusão de informações e conhecimentos são essenciais à humanidade? Claro que,
para serem difundidos, têm que ser gerados. Outro fator fundamental é que, quem
os gera, conte com extraordinário poder de convencimento, que leve os outros
(dificilmente serão todos) a acreditarem na veracidade e na viabilidade do que
pensaram ou descobriram.
Muita descoberta, que
provavelmente faz tremenda falta hoje, se perdeu no esquecimento, porque as
pessoas que delas tomaram conhecimento não acreditaram nelas. Quais? É
impossível de determinar. Estou convicto, todavia, até pelo que conheço do
comportamento humano (tendo por parâmetro a mim mesmo) que muitas e muitas e
muitas descobertas se perderam pelo fato das pessoas não só não acreditarem
nelas, mas até as considerarem “coisas do demônio”. Os males que a ignorância,
que sempre foi e será perigosa, são terríveis e de conseqüências catastróficas.
Diante das maravilhas
proporcionadas pela tecnologia, mormente no século XX, após a invenção de
fantásticos meios de captação, conservação e difusão de conhecimentos –
eletricidade, telégrafo, telefonia, rádio, televisão, computador, internet
etc.etc.etc. – chego à mesmíssima conclusão de determinado escritor, cujo nome
me foge, que disse certa feita: “Ou não existem milagres, ou tudo é milagre”.
Fico com a segunda opção.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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