Sunday, March 31, 2013


Semente da destruição germina


Pedro J. Bondaczuk


O surpreendente anúncio do presidente norte-americano, George Bush, feito na sexta-feira, num dramático pronunciamento através de rede de televisão --- como devem ser anunciadas decisões históricas desse porte --- acerca de desarmamento nuclear, tende a fazer, sem dúvida nenhuma, do mundo um lugar um pouco mais seguro de se viver.

É claro que somente isto não basta para garantir à humanidade a sua sobrevivência neste Planeta cheio de riscos de toda a sorte, externos e internos. Não será a eliminação de um, ou de dez, ou de todos os "naipes" de armas atômicas dos arsenais de quem as possui que dará a segurança absoluta aos homens de que finalmente a espécie está entrando numa longa e talvez permanente era de racionalidade.

Não basta somente acabar com os meios para se fazerem guerras para que estas deixem de existir, mas é preciso, sobretudo, pôr um fim nas suas causas potenciais. E neste aspecto, um simples olhar de relance no noticiário de hoje demonstra que está muito, mas muito longe mesmo de acontecer.

Pelo contrário, o que se verifica é uma decadência crescente no padrão de vida da maioria esmagadora dos mais de 5,3 bilhões de pessoas que habitam a Terra. A semente da destruição plantada no coração humano, alimentada e regada pela cobiça, pelo fanatismo, pelo preconceito e pela alienação em relação aos reais valores da razão, permanece intacta e continua se desenvolvendo, adubada que é no quotidiano pela injustiça social.

Esse germe de ódio somente será eliminado quando não mais houver um contingente de cerca de um bilhão de analfabetos, incapazes de apreender a realidade que os cerca, embora sintam seus efeitos na carne. Deixará de existir quando os mais de 100 milhões de indivíduos que não contam sequer com um barraco de favela onde morar, a maioria meninos e meninas de rua, puderem ter algum teto decente e seguro sobre suas cabeças.

Será extinto quando os cerca de um bilhão de favelados adquirirem meios aos quais têm direito, de viver em condições saudáveis, de acordo com a dignidade humana. Ou quando os vários milhões de refugiados, que sobrevivem às custas da cada vez mais escassa caridade alheia, através dos cinco continentes, readquiram a cidadania, resgatem a esperança, voltem a se reintegrar à sociedade como cidadãos, e não como variáveis de um problema.

O presidente Bush, ao anunciar sua importante decisão, cujo mérito é inegável, assinalou: "O mundo está se transformando rapidamente. A cada dia escrevemos uma nova página da história, sem que a tinta da página de ontem sequer tenha tempo de secar".

É verdade que, nos últimos dois anos, conflitos que se arrastavam por décadas chegaram ao fim, na esteira das corajosas transformações das quais o presidente soviético Mikhail Gorbachev foi o "catalisador". Ou seja, o que induziu reações como reator que permaneceu intacto ao cabo delas, conforme o conceito de catálise na química.

Novos e assustadores problemas surgiram, no entanto, na esteira dos que foram solucionados. Movimentos nacionalistas que estavam adormecidos há décadas ressurgiram, como águas há muito represadas que romperam as barreiras que as continham, ameaçando a estabilidade de vastas regiões da Europa, Ásia e África, por enquanto.

Moveu-se uma fulminante guerra para eliminar um foco de fanatismo e megalomania no Golfo Pérsico, representado pelo Iraque de Saddam Hussein, mas se deixaram para trás as conseqüências de um serviço inacabado e do próprio recurso à força para a solução de pendências, com milhões de inocentes pagando um preço intolerável pela insensibilidade e alucinação de um ditador.

As páginas da história, portanto, não vêm sendo escritas apenas com tinta que demore a secar, mas com sangue, suor e lágrimas. Sem armas para guerrear, mas com pretextos para isso, os homens lançarão mão de paus, pedras, punhos, pontapés, cabeçadas ou dentadas para dar vazão às suas explosões de ódio. Este é que precisa ser extinto.

O que é preciso é a eliminação dos crescentes bolsões de miséria em meio a minúsculas ilhas de prosperidade. É atuar nas consciências, no terreno das idéias e dos conceitos, acabando de vez com o egoísmo, o preconceito, o oportunismo e a corrupção. Desse passo a humanidade ainda está há mil anos-luz de distância.

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 1 de outubro de 1991).

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