Semente da destruição germina
Pedro J. Bondaczuk
O
surpreendente anúncio do presidente norte-americano, George Bush, feito na
sexta-feira, num dramático pronunciamento através de rede de televisão --- como
devem ser anunciadas decisões históricas desse porte --- acerca de desarmamento
nuclear, tende a fazer, sem dúvida nenhuma, do mundo um lugar um pouco mais
seguro de se viver.
É
claro que somente isto não basta para garantir à humanidade a sua sobrevivência
neste Planeta cheio de riscos de toda a sorte, externos e internos. Não será a
eliminação de um, ou de dez, ou de todos os "naipes" de armas
atômicas dos arsenais de quem as possui que dará a segurança absoluta aos
homens de que finalmente a espécie está entrando numa longa e talvez permanente
era de racionalidade.
Não
basta somente acabar com os meios para se fazerem guerras para que estas deixem
de existir, mas é preciso, sobretudo, pôr um fim nas suas causas potenciais. E
neste aspecto, um simples olhar de relance no noticiário de hoje demonstra que
está muito, mas muito longe mesmo de acontecer.
Pelo
contrário, o que se verifica é uma decadência crescente no padrão de vida da
maioria esmagadora dos mais de 5,3 bilhões de pessoas que habitam a Terra. A
semente da destruição plantada no coração humano, alimentada e regada pela
cobiça, pelo fanatismo, pelo preconceito e pela alienação em relação aos reais
valores da razão, permanece intacta e continua se desenvolvendo, adubada que é
no quotidiano pela injustiça social.
Esse
germe de ódio somente será eliminado quando não mais houver um contingente de
cerca de um bilhão de analfabetos, incapazes de apreender a realidade que os
cerca, embora sintam seus efeitos na carne. Deixará de existir quando os mais
de 100 milhões de indivíduos que não contam sequer com um barraco de favela
onde morar, a maioria meninos e meninas de rua, puderem ter algum teto decente
e seguro sobre suas cabeças.
Será
extinto quando os cerca de um bilhão de favelados adquirirem meios aos quais
têm direito, de viver em condições saudáveis, de acordo com a dignidade humana.
Ou quando os vários milhões de refugiados, que sobrevivem às custas da cada vez
mais escassa caridade alheia, através dos cinco continentes, readquiram a
cidadania, resgatem a esperança, voltem a se reintegrar à sociedade como
cidadãos, e não como variáveis de um problema.
O
presidente Bush, ao anunciar sua importante decisão, cujo mérito é inegável,
assinalou: "O mundo está se transformando rapidamente. A cada dia
escrevemos uma nova página da história, sem que a tinta da página de ontem
sequer tenha tempo de secar".
É
verdade que, nos últimos dois anos, conflitos que se arrastavam por décadas
chegaram ao fim, na esteira das corajosas transformações das quais o presidente
soviético Mikhail Gorbachev foi o "catalisador". Ou seja, o que
induziu reações como reator que permaneceu intacto ao cabo delas, conforme o
conceito de catálise na química.
Novos
e assustadores problemas surgiram, no entanto, na esteira dos que foram
solucionados. Movimentos nacionalistas que estavam adormecidos há décadas
ressurgiram, como águas há muito represadas que romperam as barreiras que as
continham, ameaçando a estabilidade de vastas regiões da Europa, Ásia e África,
por enquanto.
Moveu-se
uma fulminante guerra para eliminar um foco de fanatismo e megalomania no Golfo
Pérsico, representado pelo Iraque de Saddam Hussein, mas se deixaram para trás
as conseqüências de um serviço inacabado e do próprio recurso à força para a
solução de pendências, com milhões de inocentes pagando um preço intolerável
pela insensibilidade e alucinação de um ditador.
As
páginas da história, portanto, não vêm sendo escritas apenas com tinta que
demore a secar, mas com sangue, suor e lágrimas. Sem armas para guerrear, mas
com pretextos para isso, os homens lançarão mão de paus, pedras, punhos,
pontapés, cabeçadas ou dentadas para dar vazão às suas explosões de ódio. Este
é que precisa ser extinto.
O
que é preciso é a eliminação dos crescentes bolsões de miséria em meio a
minúsculas ilhas de prosperidade. É atuar nas consciências, no terreno das
idéias e dos conceitos, acabando de vez com o egoísmo, o preconceito, o
oportunismo e a corrupção. Desse passo a humanidade ainda está há mil anos-luz
de distância.
(Artigo publicado na página 16,
Internacional, do Correio Popular, em 1 de outubro de 1991).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment