Prolífico artífice de
melodias
Pedro
J. Bondaczuk
A obra de Franz Liszt é
vastíssima e virtualmente impossível de ser catalogada, em sua totalidade, a
despeito dos seus herdeiros, e dos curadores do seu patrimônio artístico, não
pouparem esforços para isso. É um dos raros casos de um compositor que aliou à
reconhecida qualidade de suas composições, a quantidade, sem que a primeira
sofresse qualquer perda. Pode-se dizer dele, sem exageros, que se tratou de
prolífico artífice de melodias. Estima-se que haja composto, no mínimo, pelo
menos duas mil peças eruditas. Há quem entenda que esse número seja muito
maior.
Como orquestrador, fez
arranjos para praticamente todas as composições relevantes, dos mais
consagrados autores dessa música atemporal, denominada de clássica. E o que
dizer da sua aptidão como instrumentista? Tudo o que se disser, sempre será
pouco. Há consenso a esse respeito de que se tratou de um dos melhores
pianistas de todos os tempos, bem como harmonista por excelência. Teve audácia
para inovar conceitos e foi sumamente bem sucedido nessas inovações, além de
ser o criador dos chamados poemas sinfônicos, de intensa beleza, quer pela
melodia, quer pela perfeição e harmonia. Não se pode, jamais, falar em piano
sem que o nome de Franz Liszt venha imediatamente à baila.
As suas “Rapsódias
Húngaras” causaram, em determinada ocasião, grande polêmica entre os
estudiosos, que estavam em dúvida se eram composições suas ou se canções
folclóricas tradicionais e muito antigas, dos ciganos da Hungria. A dúvida,
apenas, foi desfeita com o surgimento, no cenário da música erudita, de Bella
Bartok, no início do século XX, que sistematizou as canções tradicionais desse
país, entre as quais não se incluíam as Rapsódias.
Mas Liszt não deixou de
incorporar em suas composições (num total de 17 peças sobre o tema) vários
elementos dos sons maravilhosos criados pelos ciganos da Hungria, que eram de
domínio popular. A bem da verdade, ele viveu pouquíssimo em sua terra natal.
Visitou-a, e em ocasiões bastante especiais, cinco ou seis vezes se tanto, em
toda a vida. Sequer conhecia o idioma do
país!
Quando já consagrado,
foi homenageado, certa feita, pela nobreza húngara, com requintado banquete,
que contou com a presença das mais ilustres personalidades locais. No momento
de agradecer a lembrança, todavia, Liszt teve que recorrer à língua que lhe era
mais familiar que, no entanto, não era a magiar. Fez, conforme ele próprio
destacou na ocasião, “um discurso francês pela língua, mas húngaro pelo
coração”.
Citar alguma composição
desse virtuose em particular é muito complicado, já que o conjunto de sua obra
é de qualidade idêntica, ou seja, altíssima. Destaco, por questão de
preferência, seus quatro oratórios, “Santa Isabel”, “São Stanislau”, o qual não
chegou a completar, “Christus” e o mais notável deles, “Via Sacra”. Memoráveis
são, também, suas sinfonias, como a que dedicou a Dante Aligheri, inspirada na
“Divina Comédia”, e a dedicada a um dos maiores poetas românticos de todos os
tempos, Johann Wolfgang Göethe, intitulada “Sinfonia de Fausto”. Compôs, ainda,
“lieders”, peças de música de câmara, sonatas e uma infinidade de rapsódias com
influência do folclore húngaro, mais especificamente, dos ciganos da sua terra
natal.
Destaque-se que Liszt
bebeu inspiração em quase todos os grandes poetas clássicos europeus. Foi um
gênio aberto ao mundo, que soube entender e, principalmente valorizar as obras
alheias. Inclusive a de um Luigi Cherubini, que um dia lhe barrou o ingresso no
Conservatório de Paris, quando ainda menino, aos doze anos de idade. Foi uma
pessoa generosa, grata, humilde, que sabia fazer amigos e, principalmente,
conservá-los, o que é muito mais difícil. Dante, Petrarca, Hugo, Byron,
Lamartine e tantos outros grandes poetas serviram de fontes de inspiração para ele
criar sons inusitados, precisos, harmoniosos, vibrantes e inesquecíveis.
Em 1886, o espírito e o
corpo de Liszt entravam em irremediável declínio. Passara os últimos 21 anos
encerrado em um mosteiro, como monge. Mesmo alquebrado e adoecido, ainda teve
forças e disposição para assistir às festividades promovidas por uma entidade
chamada “Europa Musical”, em homenagem aos seus 75 anos de vida. Mas estava no
fim. Conseguiu viajar a Bayreuth, na Alemanha, para assistir ao casamento de
uma neta, filha de Cosima com o magnífico e controvertido compositor alemão
Richard Wagner, seu genro. Não deveria ter feito essa viagem.
Naquela cidade,
contraiu pneumonia. A doença foi fulminante para seu organismo debilitado. A
despeito de todos os cuidados que lhe foram dispensados, não resistiu e morreu
em Bayreuth, aos 75 anos de idade na madrugada de 31 de julho para 1º de agosto
de 1886. No derradeiro momento, ainda teve último gesto de generosidade,
legando todos seus bens à princesa de Wittgenstein, seu derradeiro grande amor,
com a qual quase se casou, cuja filha foi a criadora da “Casa de Liszt”, tão
visitada pelos seus admiradores e principalmente pelos estudiosos e amantes da
sua soberba obra musical. Suas composições consagram um homem que amou a Deus,
às mulheres e, sobretudo, à música. E que é, em contrapartida, amado e
justamente admirado por gerações e mais gerações, tanto pelo que foi, quanto, e
principalmente, pelo que fez.
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