Escolha infeliz
A Birmânia, país asiático de 37 milhões de habitantes,
raras vezes é citada no noticiário. Para os ocidentais, portanto, é uma
sociedade não somente esquecida, mas virtualmente desconhecida. Desde que seu
filho mais ilustre, U Thant, deixou de ser o secretário-geral da Organização
das Nações Unidas, em 1982, substituído pelo peruano Javier Perez de Cuellar,
por razões de saúde, dificilmente alguém leu alguma linha a respeito dos
birmaneses nos jornais, ou ouviu falar da sua existência através de rádio,
televisão ou qualquer outro veículo de comunicação.
Por isso, poucos tomaram
conhecimento dos sangrentos distúrbios de rua ocorridos em várias de suas
cidades, em especial na capital, Rangum, em março passado. O país é aquele caso
típico de “socialização da miséria”.
Embora dispondo de terras
bastante férteis, e de grandes riquezas minerais, essa sociedade nacional pode
ser considerada como uma das mais pobres do Planeta, com renda per capita anual
de US$ 190, ou seja, bem abaixo daquilo que um operário médio dos Estados
Unidos ganha, a título de salário, em uma única semana.
Numa circunstância dessas, é
lícito que o descontentamento campeie por toda a parte, especialmente entre os
estudantes, que constituem a faixa da população com o maior grau de
esclarecimento e, por isso, com um sentido mais crítico da realidade.
O Parlamento birmanês tomou,
ontem, uma de suas decisões mais infelizes, tendente a provocar protestos ainda
piores do que os de março, quando pelo menos 100 pessoas foram mortas. Ocorre
que os parlamentares escolheram para presidir a Birmânia justamente o general
responsável por essas mortes, Sein Lwin, que também, em sua juventude, havia
encabeçado o golpe de Estado que derrubou os civis do poder, há 26 anos.
Suas ações foram de tal sorte
duras, que atualmente o oficial é conhecido como o “Carniceiro de Rangum”.
Convenhamos, não é um título que o recomende para a condução dos negócios de
Estado de uma sociedade tão pobre e, portanto, com tantos problemas.
Para complicar, essa República asiática é composta por
várias etnias, embora a predominante seja a birmanesa, aparentada com a
tibetana, à qual pertencem 71% dos seus habitantes. Grupos minoritários, no
entanto, a pretexto de discriminação, promovem sólido movimento guerrilheiro
nas montanhas, com objetivo idêntico ao dos tamis no Sri Lanka, dos sikhs no
Estado indiano do Punjab ou dos curdos no Iraque. Ou seja, criar um país
independente no norte da Birmânia.
A escolha de Lwin pode
significar, portanto, anos de inquietação política e social, certamente
reprimida com a mesma dureza que esse general reprimiu os tumultos de março, se
não pior.
(Artigo publicado na página 14,
Internacional, do Correio Popular, em 28 de julho de 1988).
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