Sunday, March 17, 2013


Democracia à moda latino-americana


Pedro J. Bondaczuk

A Bolívia está vivendo outra estranha situação política, entre as tantas que já se registraram em sua turbulenta história. A apenas duas semanas da posse do próximo presidente da República, ainda não conhece quem é ele.

A nove dias da entrega do resultado oficial das eleições do dia 14 passado, os apuradores de votos estão muito distantes de poder dar a tarefa por concluída. E, para complicar tudo, os integrantes das juntas de apuração ameaçam entrar em greve, reivindicando o pagamento de salários atrasados e abonos, por estarem trabalhando inclusive aos sábados e domingos.

Não fosse isso, situação por si só capaz de inquietar o mais pacato dos cidadãos, há, ainda, uma série de denúncias de fraudes e de pedidos de impugnação de urnas. É o velho hábito latino-americano de brincar com coisas sérias que volta a se manifestar, provavelmente porque nem os políticos, e muito menos a população, entendem com muita clareza os mecanismos, a importância e o alcance do jogo democrático.

Aliás, vícios, como os que se registram agora na Bolívia, não são prerrogativas exclusivas desse país andino. Temos o exemplo recentíssimo das eleições parlamentares e para governos de Estados no México, onde o partido que está no poder, o PRI, não perde há mais de 50 anos. E novamente saiu vencedor. Não, é claro, sem que a oposição fizesse as rotineiras denúncias de fraudes e de violências de toda a sorte, sofridas por seus candidatos.

Essas acusações, frise-se, ocorrem com enervante regularidade a cada votação, seja de que natureza for. E isso é válido para praticamente toda a América Latina. Do ano passado para cá, foram realizadas dez eleições na região. Sete delas, foram para escolher presidentes: Equador, Panamá, Peru, Bolívia, Nicarágua, El Salvador e Uruguai.

Dessas, apenas as uruguaias e as peruanas não foram rotuladas de fraudulentas, embora ambas também não escapassem de incidentes de violência. E apesar do pleito nicaragüense ter recebido um atestado de lisura, por parte de centenas de observadores internacionais (inclusive um norte-americano), não escapou de suspeitas de prática de irregularidades.

Três outras consultas às urnas na região ocorreram nesse período. Os salvadorenhos escolheram prefeitos da maioria das suas cidades. E o que aconteceu? O líder direitista, Roberto D’Aubuisson jurou que essas eleições foram eivadas de fraudes e até pediu (inutilmente) a sua anulação.

Os guatemaltecos, por seu turno, elegeram os integrantes de uma Assembléia Nacional Constituinte. E esse foi um raro caso em que os derrotados não vieram a público para falar de irregularidades. Em compensação, porém, nas eleições mexicanas, acusações desse tipo sobraram e algumas, não tenham dúvidas, certamente foram procedentes. Entretanto, jamais chegarão a ser apuradas, como sempre acontece nesses casos.

Em tudo isso, no entanto, há um aspecto positivo. Desde 1982, não ocorre um único golpe de Estado na América do Sul. O último aconteceu em 5 de fevereiro desse ano, no Suriname, quando o tenente-coronel Desi Bouterse assumiu o poder.

E nas três Américas, a derradeira ação desse tipo foi a derrubada de Maurice Bishop, em Granada, que redundou na invasão norte-americana nessa pequena ilha do Caribe, em outubro de 1983. Apesar dos latino-americanos estarem ainda muito distantes da perfeição, na prática da democracia, aos poucos as urnas vão substituindo as armas para as trocas de poder.

E no processo, até mesmo alguns pecadinhos devem ser relevados, pois, como disse outro dia um juiz eleitoral boliviano: “É muito melhor uma eleição imperfeita, do que um golpe de Estado perfeito”. E como é...

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 24 de julho de 1985).

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