Democracia à moda latino-americana
Pedro J.
Bondaczuk
A Bolívia está vivendo outra estranha situação política,
entre as tantas que já se registraram em sua turbulenta história. A apenas duas
semanas da posse do próximo presidente da República, ainda não conhece quem é
ele.
A nove dias da entrega do
resultado oficial das eleições do dia 14 passado, os apuradores de votos estão
muito distantes de poder dar a tarefa por concluída. E, para complicar tudo, os
integrantes das juntas de apuração ameaçam entrar em greve, reivindicando o
pagamento de salários atrasados e abonos, por estarem trabalhando inclusive aos
sábados e domingos.
Não fosse isso, situação por si
só capaz de inquietar o mais pacato dos cidadãos, há, ainda, uma série de
denúncias de fraudes e de pedidos de impugnação de urnas. É o velho hábito
latino-americano de brincar com coisas sérias que volta a se manifestar,
provavelmente porque nem os políticos, e muito menos a população, entendem com
muita clareza os mecanismos, a importância e o alcance do jogo democrático.
Aliás, vícios, como os que se
registram agora na Bolívia, não são prerrogativas exclusivas desse país andino.
Temos o exemplo recentíssimo das eleições parlamentares e para governos de
Estados no México, onde o partido que está no poder, o PRI, não perde há mais
de 50 anos. E novamente saiu vencedor. Não, é claro, sem que a oposição fizesse
as rotineiras denúncias de fraudes e de violências de toda a sorte, sofridas
por seus candidatos.
Essas acusações, frise-se,
ocorrem com enervante regularidade a cada votação, seja de que natureza for. E
isso é válido para praticamente toda a América Latina. Do ano passado para cá,
foram realizadas dez eleições na região. Sete delas, foram para escolher
presidentes: Equador, Panamá, Peru, Bolívia, Nicarágua, El Salvador e Uruguai.
Dessas, apenas as uruguaias e as
peruanas não foram rotuladas de fraudulentas, embora ambas também não
escapassem de incidentes de violência. E apesar do pleito nicaragüense ter
recebido um atestado de lisura, por parte de centenas de observadores
internacionais (inclusive um norte-americano), não escapou de suspeitas de
prática de irregularidades.
Três outras consultas às urnas na
região ocorreram nesse período. Os salvadorenhos escolheram prefeitos da
maioria das suas cidades. E o que aconteceu? O líder direitista, Roberto
D’Aubuisson jurou que essas eleições foram eivadas de fraudes e até pediu
(inutilmente) a sua anulação.
Os guatemaltecos, por seu turno,
elegeram os integrantes de uma Assembléia Nacional Constituinte. E esse foi um
raro caso em que os derrotados não vieram a público para falar de
irregularidades. Em compensação, porém, nas eleições mexicanas, acusações desse
tipo sobraram e algumas, não tenham dúvidas, certamente foram procedentes.
Entretanto, jamais chegarão a ser apuradas, como sempre acontece nesses casos.
Em tudo isso, no entanto, há um
aspecto positivo. Desde 1982, não ocorre um único golpe de Estado na América do
Sul. O último aconteceu em 5 de fevereiro desse ano, no Suriname, quando o
tenente-coronel Desi Bouterse assumiu o poder.
E nas três Américas, a derradeira
ação desse tipo foi a derrubada de Maurice Bishop, em Granada, que redundou na
invasão norte-americana nessa pequena ilha do Caribe, em outubro de 1983.
Apesar dos latino-americanos estarem ainda muito distantes da perfeição, na
prática da democracia, aos poucos as urnas vão substituindo as armas para as
trocas de poder.
E no processo, até mesmo alguns
pecadinhos devem ser relevados, pois, como disse outro dia um juiz eleitoral
boliviano: “É muito melhor uma eleição imperfeita, do que um golpe de Estado
perfeito”. E como é...
(Artigo publicado na página 11,
Internacional, do Correio Popular, em 24 de julho de 1985).
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