Ato
de desespero de Pinochet
A autêntica operação de guerra posta em prática,
anteontem, pelo presidente chileno, general Augusto Pinochet, virtualmente
ocupando militarmente Santiago, deixa a impressão no observador, distante do
foco dos acontecimentos, de um certo desespero. Afinal, nesses doze anos em que
está no poder, o ditador já usou de todos os expedientes repressivos, possíveis
e imagináveis, para calar a oposição. Prendeu, desterrou, julgou sumariamente,
torturou e sua polícia até matou diversos opositores. Mas como uma irresistível
onda, a voz de protesto do povo consegue sempre romper a mordaça que lhe é
imposta e se fazer ouvir em todas as partes.
O fenômeno da ditadura é um caso para sérias
reflexões. O que leva um determinado indivíduo a se colocar no papel de tutor
de milhões de pessoas, determinando a sua conduta, policiando os seus atos,
ditando normas acerca de como devem ser as suas relações profissionais e
procurando, até mesmo, controlar seus pensamentos, embora isso seja
literalmente impossível? Seria só a sede de poder? Seria alguma espécie de
paranóia? Quem sabe!
Pior, entretanto, do que um ditador, é quem o apóia,
à revelia dos que constituem a essência da pátria (que dizem amar e servir),
que é a sua população. Sob o pretexto de estarem cumprindo ordens superiores,
agridem, humilham, espezinham e rebaixam pessoas às quais, constitucionalmente,
deveriam proteger.
Toda a ordem ilegal já nasce morta. E embora cada
uma das ditaduras que se implantam se auto-intitule de "Revolução",
de "salvadora do país" e se valha de outros argumentos surrados e de
igual teor (os mesmos usados pelos caudilhos romanos e, portanto, sequer
originais), são atos de suprema subversão. Constituem-se em autênticas tiranias,
às quais o mais comezinho dos direitos preceitua ser legítimo se opor, por
todos e quaisquer meios existentes à disposição, como atos de "legítima
defesa".
O que o povo chileno deseja não é nada de tão
extraordinário. Quer ter a oportunidade de escolher livremente o seu caminho.
Pretende viver numa sociedade onde a controvérsia não seja eliminada, numa
penada, pelo todo-poderoso, soberano em decidir sobre a vida e a morte de
milhões de seus semelhantes, por uma razão que apenas ele e seus seguidores
conhecem. Ou pelo menos, presume-se que conheçam.
A população desse país, na sua maioria, ambiciona
ter uma imprensa livre, um Congresso funcionando e a vida seguindo o seu curso
normal, com a natural competição entre as pessoas por uma projeção pessoal e
pela tranqüilidade da família. Mas tudo dentro de regras que concedam
oportunidades iguais para todos, onde os mais competentes se destaquem pelas
suas naturais aptidões ou os esforçados pelo seu esforço.
O chileno, convenhamos, não está pedindo demais.
Quer aquilo que o argentino, o uruguaio, o brasileiro, o peruano, o
equatoriano, o boliviano, o venezuelano e o colombiano já conseguiram. Ninguém,
em seu juízo perfeito, pode dizer que esses países sejam autênticos paraísos.
Mas, nas mesmas circunstâncias, não pode afirmar que se constituam no inferno
em que o Chile se transformou nos derradeiros doze anos.
Até água, que é tão mole, consegue, ao bater
persistentemente numa pedra, a furar. E em breve, estamos certos, a democracia
haverá de retornar também ao Chile. Deus queira, apenas, que seja através de
uma ampla conciliação nacional!
(Artigo
publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 22 de maio de
1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment