Thursday, March 21, 2013


Ato de desespero de Pinochet

 Pedro J. Bondaczuk
  
A autêntica operação de guerra posta em prática, anteontem, pelo presidente chileno, general Augusto Pinochet, virtualmente ocupando militarmente Santiago, deixa a impressão no observador, distante do foco dos acontecimentos, de um certo desespero. Afinal, nesses doze anos em que está no poder, o ditador já usou de todos os expedientes repressivos, possíveis e imagináveis, para calar a oposição. Prendeu, desterrou, julgou sumariamente, torturou e sua polícia até matou diversos opositores. Mas como uma irresistível onda, a voz de protesto do povo consegue sempre romper a mordaça que lhe é imposta e se fazer ouvir em todas as partes.

O fenômeno da ditadura é um caso para sérias reflexões. O que leva um determinado indivíduo a se colocar no papel de tutor de milhões de pessoas, determinando a sua conduta, policiando os seus atos, ditando normas acerca de como devem ser as suas relações profissionais e procurando, até mesmo, controlar seus pensamentos, embora isso seja literalmente impossível? Seria só a sede de poder? Seria alguma espécie de paranóia? Quem sabe!

Pior, entretanto, do que um ditador, é quem o apóia, à revelia dos que constituem a essência da pátria (que dizem amar e servir), que é a sua população. Sob o pretexto de estarem cumprindo ordens superiores, agridem, humilham, espezinham e rebaixam pessoas às quais, constitucionalmente, deveriam proteger.

Toda a ordem ilegal já nasce morta. E embora cada uma das ditaduras que se implantam se auto-intitule de "Revolução", de "salvadora do país" e se valha de outros argumentos surrados e de igual teor (os mesmos usados pelos caudilhos romanos e, portanto, sequer originais), são atos de suprema subversão. Constituem-se em autênticas tiranias, às quais o mais comezinho dos direitos preceitua ser legítimo se opor, por todos e quaisquer meios existentes à disposição, como atos de "legítima defesa".

O que o povo chileno deseja não é nada de tão extraordinário. Quer ter a oportunidade de escolher livremente o seu caminho. Pretende viver numa sociedade onde a controvérsia não seja eliminada, numa penada, pelo todo-poderoso, soberano em decidir sobre a vida e a morte de milhões de seus semelhantes, por uma razão que apenas ele e seus seguidores conhecem. Ou pelo menos, presume-se que conheçam.

A população desse país, na sua maioria, ambiciona ter uma imprensa livre, um Congresso funcionando e a vida seguindo o seu curso normal, com a natural competição entre as pessoas por uma projeção pessoal e pela tranqüilidade da família. Mas tudo dentro de regras que concedam oportunidades iguais para todos, onde os mais competentes se destaquem pelas suas naturais aptidões ou os esforçados pelo seu esforço.

O chileno, convenhamos, não está pedindo demais. Quer aquilo que o argentino, o uruguaio, o brasileiro, o peruano, o equatoriano, o boliviano, o venezuelano e o colombiano já conseguiram. Ninguém, em seu juízo perfeito, pode dizer que esses países sejam autênticos paraísos. Mas, nas mesmas circunstâncias, não pode afirmar que se constituam no inferno em que o Chile se transformou nos derradeiros doze anos.

Até água, que é tão mole, consegue, ao bater persistentemente numa pedra, a furar. E em breve, estamos certos, a democracia haverá de retornar também ao Chile. Deus queira, apenas, que seja através de uma ampla conciliação nacional!

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 22 de maio de 1986)

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