O hábito da releitura
Pedro J. Bondaczuk
A releitura de determinados livros é um hábito que criei,
cerca de vinte anos e que mantenho com rigorosa assiduidade. Com o passar do
tempo, e com a prática advinda do continuado exercício, venho refinando, mais e
mais, essa atividade, que há muito se tornou diária e praticamente mecânica. O
proveito, na consolidação de determinados temas e, sobretudo, conceitos (óbvio,
os complexos e de difícil entendimento) que esse meticuloso estudo cotidiano
enseja, tem sido inestimável.
Alguns amigos classificam esse meu exercício de outra
“mania” minha (das tantas que realmente tenho e das muitas outras que me
atribuem, sem que as possua). Julgam que se trate de perda de tempo, o que, no
entender deles, é uma atitude até contraditória da minha parte, justo eu que
tanto me queixo da escassez desse precioso (e irrecuperável) capital humano.
Estão equivocados.
Observo que não é qualquer livro que precisa ser lido mais
de uma vez para que seu conteúdo fique claro e nos seja útil. Há determinadas
leituras – notadamente as que classifico de “recreativas – como romances de
ação, novelas e contos com essas mesmas características, adequadas a priori a
serem adaptadas como roteiros de filmes ou de seriados de televisão, que não
envolvem a menor complexidade. Não vejo razões para reler esse tipo de obra.
Mas...
Todavia se você ler algum tratado de filosofia da mesma
forma que lê essas histórias de aventuras, dificilmente irá entender o que o
autor quis transmitir. E isso até mesmo em decorrência do uso de jargões
característicos dessa importante disciplina por parte dos autores. Raros
filósofos “filosofam” em linguagem corrente, inteligível aos “mortais comuns”,
aos “não iniciados”. Além disso, o raciocínio do redator é complexo, pela natureza
dos temas que aborda, o que exige rigorosa concentração do leitor. Para você
entender por completo, na íntegra, esse tipo de livro, acredite, terá que lê-lo
duas, três ou muito mais vezes.
Outro exemplo? Os ensaios dos grandes pensadores. Se você
ler, digamos, os escritos por Montaigne, por Henry David Thoreau, por Ralph
Waldo Emerson ou por Will Durant, entre outros, da mesma forma que lê as
peripécias do agente 007 (criação de Ian Fleming) ou do mítico detetive de
ficção Sherlock Holmes, concebido por Conan Doyle, perderá o melhor dos
ensinamentos que esses eminentes ensaístas têm para transmitir. Querem mais
exemplos? A leitura de livros de poesia. Eles não são escritos para serem lidos
como se lêem romances. Cada poema, para fazer o efeito pretendido pelo poeta
que o compôs, tem que ser sentido, analisado, refletido, estudado e
“degustado”.
Daí um sujeito pragmático, como eu me orgulho de ser, haver
feito da releitura um hábito. Isso não quer dizer, me adianto em explicar, que
me limite a “reler” o que já li algum dia, deixando de lado leituras inéditas.
Longe disso. Já me perguntaram onde arranjo tempo para tudo isso e ainda para
escrever, para atualizar a correspondência diária, para dar a devida e
necessária atenção à família e aos amigos etc.etc.etc., enfim, para viver?
Simples. Organizo-me. E não me limito a elaborar um
programa rigoroso (e meticuloso) de atividades, mas coloco-o em prática com
espartana autodisciplina. Faço essa revelação – embora corra o risco de muitos
não a interpretarem corretamente – não para ostentar aos que me lêem que me
julgue o “tal”, um cara organizado, genial, todo certinho. Aliás, não sou nada
disso. Meu intento é o de chamar a atenção dos que de fato querem aprender,
evoluir e trilhar o caminho que conduz ao esclarecimento (e, quem sabe, à
sabedoria) e dar-lhes algumas dicas que ademais aprendi com outros, de como
extrair o melhor das leituras que supostamente fazem (ou deveriam fazer).
Divido o meu dia em segmentos. Faço o desconto, óbvio, das
horas a serem dedicadas ao cuidado pessoal, como a higiene, as refeições e,
claro, as indispensáveis (e raramente não cumpridas) oito horas diárias de
sono. Digamos que eu despenda doze horas nessas atividades fundamentais
(raramente gasto tudo isso). Restam-me, pois,
ainda outras doze horas. Dessas, quatro eu dedico à vida social, à
atenção à família, aos amigos e ao lazer, não raro gozado em conjunto com
familiares e as pessoas a que quero bem.
As oito horas restantes, divido da seguinte maneira: quatro
na redação de textos, incluindo, aí, a pesquisa, os contatos profissionais e
tudo o que cerca essa produção, com a respectiva divulgação. As outras quatro
que me restam, divido ao meio: duas são destinadas à leitura de livros que
ainda não li, uma à releitura e a uma outra que sobra aproveito para meditar
(incluindo nela algum eventual, mas não tão raro assim, cochilo, que tem incrível, delicioso e miraculoso
efeito restaurador de energias).
É certo que nem todos têm essa disponibilidade de tempo,
por não serem os próprios patrões. Têm que dedicar oito horas diárias a atender
contratos profissionais e mais umas quatro (dependendo da cidade em que
residam) para locomoção, para e do trabalho. Bem, minhas dicas não se destinam
a essas pessoas, pois suas atividades, provavelmente, nada têm a ver com textos
literários.
Estas, porém, podem programar leituras e releituras, se de
fato gostarem de ler, para os fins de semana. Isso se tiverem, mesmo, esse
saudável hábito, essencial para exercitar e desenvolver mente e espírito. Caso
contrário... Bem, se não tiverem esse gosto, sequer estarão lendo estas
polêmicas observações. Portanto, não terão como criticar ou até ridicularizar
estas minhas sugestões, não é mesmo?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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