Democracia tem que ser construída
A prática do “golpismo” na América Latina é algo tão
arraigado no costume dos nossos povos que, basta surgir qualquer espécie de
crise (ocorrência normal e corriqueira em qualquer sociedade livre onde os
conflitos de interesse sempre existem e até devem existir) para logo pensarmos
na preparação de um golpe de Estado.
E, para reforçar a imagem de
irresponsáveis que temos, diante dos norte-americanos e dos europeus,
desgraçadamente, estas expectativas, muitas vezes artificiosas, acabam, de
fato, se concretizando.
A história dos povos
latino-americanos é caracterizada por verdadeiros ciclos de abertura e de
fechamento de regimes. A cada aventura caudilhesca, geralmente longa e quase
sempre dita “revolucionária”, sucede um período, (cuja duração varia de
conformidade com o líder civil que assume aa massa falida pós-ditadura) de
reordenamento institucional e de fortalecimento democrático. De tanto esses
slogans serem usados, já chegaram a perder seus significados.
A América Latina está vivendo,
agora, um desses ciclos, chamados de abertura. Ainda no domingo passado,
tivemos eleições presidenciais no Peru, transcorridas em absoluta ordem, a
despeito das ameaças dos grupos guerrilheiros Sendero Luminoso e Tupac Amaru,
que visavam boicotar o pleito e fazer com que o número de eleitores para a
escolha do sucessor de Belaunde Terry fosse o mais inexpressivo possível. Tiveram uma enorme frustração, diante do comparecimento em massa dos peruanos
às urnas.
Mal se soube, contudo, quem foi o
ganhador do primeiro turno eleitoral, e já alguns setores peruanos começam a
falar, em voz baixa, à boca pequena, em tom conspiratório, na possibilidade de
um golpe de Estado naquele país, para impedir que o aprista Alan Garcia possa,
finalmente, levar o partido do falecido Haya de la Torre ao poder.
Balela, pura balela. Mas
perigosa, por manifestar o desejo de grupos que sempre se beneficiam com
regimes de exceção. É bastante improvável que os militares peruanos embarquem
noutra aventura igual à que acabou em 1980, cujos últimos resultados, após os
desastrosos governos de Juan Velasco Alvarado e Francisco Morales Bermudez,
aquela sociedade ainda está sentindo na carne.
Boatos semelhantes circulam na
Bolívia (recordista mundial nesse expediente), na Venezuela (um verdadeiro
exemplo de estabilidade institucional na América do Sul); na Colômbia, sempre
conflagrada e violenta; na Argentina de Alfonsin e até no Uruguai, que recém
saiu de uma ditadura de quase treze anos.
A democracia entre nós, portanto,
é uma plantinha por demais frágil e quaisquer conflitos ou tensões, que numa
Grã-Bretanha, França, Alemanha Ocidental ou Japão não passariam de rotina na
vida política daqueles povos, na América Latina causam extremos sobressaltos.
Já está na hora de pararmos de
nos iludir e de lançarmos a culpa de nossos defeitos nas costas alheias. Se
queremos viver num regime de liberdade, devemos aprender a conciliar
controvérsias, mas sem extingui-las. Se queremos uma democracia autêntica,
devemos construí-la com nossas mãos, a partir de nossos lares, nossas empresas,
nossas escolas e nossas relações pessoais.
Se desejamos um país próspero e
vigoroso, temos que aprender a nos conduzir com extrema auto-disciplina, ter
espírito de sacrifício e saber dialogar, sem nunca apelar para expedientes de
força. Temos que perder a mania de criar crises artificiosas e apregoar através
da indústria de boatos expedientes golpistas, sempre que nossos interesses
particulares se tornarem maiores do que os nacionais. Só assim perderemos a
incômoda fama de incorrigíveis “cucarachos”.
(Artigo publicado na
página 20, Internacional, do Correio Popular, em 21 de abril de 1985).
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