Sobretudo filósofo
Pedro
J. Bondaczuk
O poeta, ensaísta e
diplomata mexicano Octávio Paz publicou, além de dezenas de livros de poesia,
pelo menos 25 de ensaios, entre os anos de 1950 e 1995. Neles abordou
praticamente de tudo: política, filosofia, artes em geral e, claro, literatura.
Um de seus temas recorrentes foi é obsessão pela modernidade. Outro assunto
bastante explorado – inclusive em diversos poemas – foi o da solidão. Explorou
bastante a História, notadamente do seu país, o México. Sua temática, porém,
foi eclética, variada e ampla, com conclusões que, embora polêmicas, são,
sobretudo, pertinentes.
Gosto, de forma
especial, do Octávio Paz filósofo (embora nunca fosse caracterizado como tal).
Considero-o arguto observador da alma e analista meticuloso do comportamento e
das relações entre pessoas e grupos. Seus ensaios a propósito são um vasto e
precioso tesouro de sabedoria e de bom senso. Aprendi (e continuo aprendendo, à
medida que os leio e releio) muito com eles. O que me encanta, em suas reflexões,
é seu didatismo, sua capacidade de simplificar os conceitos mais complexos,
tornando-os acessíveis e compreensíveis ao leitor.
O primeiro livro de
ensaios de Octávio Paz – e certamente o mais famoso deles – é o “Labirinto da
Solidão”, escrito entre 1948 e 1949 em Paris e publicado em 1950. Em 1969,
publicou a continuação dessa marcante obra, que intitulou “Posdata”. Para
muitos críticos, este conjunto de ensaios pode ser comparado a outras obras
importantes, de vários outros escritores, de discussão sobre o tema identidade
nacional. Há quem compare “Labirinto da Solidão”, por exemplo, a “Casa grande
& senzala”, de Gilberto Freyre; a “La expression americana”, de José Lezama
Lima e a “Radiografia de La Pampa”, de Ezequiel Martinez Estrada, entre outros.
A comparação é pertinente.
O editor, crítico
literário e acadêmico cubano, Enrico Mario Santi, todavia, destaca outro grande
tema do famoso livro de ensaios de Octávio Paz. Chama a atenção para o fato da
obra ser “uma das peças chave da literatura moderna; ensaio ao mesmo tempo
moderno e reflexão crítica sobre a modernidade”. Mas, como destaquei, não é
somente “Labirintos da Solidão” que merece leitura atenta e refletida. Tudo o
que Octávio Paz escreveu, em verso ou prosa, tem que ser analisado em conjunto.
Só posso afirmar que se trata de um repertório eclético e profundo do homem e
do seu comportamento, individual e coletivo, através da história.
Uma de suas definições
que mais me chamaram a atenção, foi a seguinte: “O moderno não se caracteriza
unicamente por sua novidade, mas por sua heterogeneidade; tradição heterogênea
ou do heterogêneo, a modernidade está condenada à pluralidade: a antiga
tradição era sempre a mesma, a moderna é sempre distinta. A primeira postula a
unidade entre o passado e o hoje. A segunda não se contenta com sublinhar as
diferenças entre ambos. Afirma que esse passado não é algo senão plural”.
O pensamento de Octávio
Paz, expresso não somente em poemas e ensaios, mas em artigos para jornais e
revistas e em várias entrevistas, reitero, é eclético e abrange diversos campos
da cultura, q uer contemporânea, quer de
um passado remoto. Sobre o nascimento, por exemplo, declarou certa feita:
“Nascer é uma queda, tanto no sentido fisiológico, quanto no metafísico; por isso, para os
psicólogos, nascer é um trauma e, para os cristãos, a reiteração da queda
original. A sensação de desamparo alia-se à de termos sido arrancados de uma
realidade mais vasta”.
Na sequência, o poeta
acrescentou: “Cada vida humana é um contínuo tecer, destecer e voltar a tecer
os laços do começo. A experiência original, separação e participação, aparece
em todos os nossos atos através de variações inumeráveis”.
As colocações de
Octávio Paz, posto que profundas e complexas, prescindem de comentários e
explicações. Requerem, isso sim, reflexão de nossa parte, na condição de
leitores. Deixemo-lo, pois, discorrer mais um pouco sobre a realidade humana:
“Vivemos dentro de círculos concêntricos, sucessivos e cada vez mais dilatados:
família, bairro, igreja, colégio, trabalho, clube, partido, cidade, nação. O
sentimento de pertencer a esta ou aquela realidade coletiva é anterior ao nome e à idéia: primeiro
pertencemos a uma família, depois conhecemos o nome dessa família e, mais
tarde, chegamos a ter uma idéia do que é e o que significa uma família. O mesmo
acontece com o sentimento de separação e solidão. Ao crescer, descobrimos novos
nomes e realidades: cada nome designa comunidades, grupos e associações mais e
mais amplas e evanescentes”.
A solidão e a nossa
tentativa de eliminá-la está presente na maior parte da sua obra. Tanto que
Octávio Paz a citou no título do seu mais famoso e genial livro de ensaios. Por
mais que tentemos evitar essa condição, nos sentimos, e de fato somos,
solitários o tempo todo, a despeito do que fazemos para nos comunicar e não nos
sentir tão sós. O ensaísta – para mim, sobretudo, filósofo, no sentido lato do
termo – assim se expressou a propósito: “A solidão é o fundo último da condição
humana. O homem é o único ser que se sente só e que procura um outro”. E qual é
a estratégia a que se recorre para fugir da solidão? A mais eficiente, posto
que condicionada, é o amor. E ela é “sempre”, ou na maioria dos casos, eficaz?
Conforme Octávio Paz, depende. Ele afirma a respeito, com o realismo característico
do filósofo: “O amor é uma tentativa de penetrar no íntimo de outro ser humano.
Mas só pode ter sucesso se a rendição for mútua”. E é aí que reside o “x” dessa
complexa equação: a absoluta e incondicional correspondência.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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