Friday, March 15, 2013


Sobretudo filósofo

Pedro J. Bondaczuk

O poeta, ensaísta e diplomata mexicano Octávio Paz publicou, além de dezenas de livros de poesia, pelo menos 25 de ensaios, entre os anos de 1950 e 1995. Neles abordou praticamente de tudo: política, filosofia, artes em geral e, claro, literatura. Um de seus temas recorrentes foi é obsessão pela modernidade. Outro assunto bastante explorado – inclusive em diversos poemas – foi o da solidão. Explorou bastante a História, notadamente do seu país, o México. Sua temática, porém, foi eclética, variada e ampla, com conclusões que, embora polêmicas, são, sobretudo, pertinentes.

Gosto, de forma especial, do Octávio Paz filósofo (embora nunca fosse caracterizado como tal). Considero-o arguto observador da alma e analista meticuloso do comportamento e das relações entre pessoas e grupos. Seus ensaios a propósito são um vasto e precioso tesouro de sabedoria e de bom senso. Aprendi (e continuo aprendendo, à medida que os leio e releio) muito com eles. O que me encanta, em suas reflexões, é seu didatismo, sua capacidade de simplificar os conceitos mais complexos, tornando-os acessíveis e compreensíveis ao leitor.

O primeiro livro de ensaios de Octávio Paz – e certamente o mais famoso deles – é o “Labirinto da Solidão”, escrito entre 1948 e 1949 em Paris e publicado em 1950. Em 1969, publicou a continuação dessa marcante obra, que intitulou “Posdata”. Para muitos críticos, este conjunto de ensaios pode ser comparado a outras obras importantes, de vários outros escritores, de discussão sobre o tema identidade nacional. Há quem compare “Labirinto da Solidão”, por exemplo, a “Casa grande & senzala”, de Gilberto Freyre; a “La expression americana”, de José Lezama Lima e a “Radiografia de La Pampa”, de Ezequiel Martinez Estrada, entre outros. A comparação é pertinente.

O editor, crítico literário e acadêmico cubano, Enrico Mario Santi, todavia, destaca outro grande tema do famoso livro de ensaios de Octávio Paz. Chama a atenção para o fato da obra ser “uma das peças chave da literatura moderna; ensaio ao mesmo tempo moderno e reflexão crítica sobre a modernidade”. Mas, como destaquei, não é somente “Labirintos da Solidão” que merece leitura atenta e refletida. Tudo o que Octávio Paz escreveu, em verso ou prosa, tem que ser analisado em conjunto. Só posso afirmar que se trata de um repertório eclético e profundo do homem e do seu comportamento, individual e coletivo, através da história.
Uma de suas definições que mais me chamaram a atenção, foi a seguinte: “O moderno não se caracteriza unicamente por sua novidade, mas por sua heterogeneidade; tradição heterogênea ou do heterogêneo, a modernidade está condenada à pluralidade: a antiga tradição era sempre a mesma, a moderna é sempre distinta. A primeira postula a unidade entre o passado e o hoje. A segunda não se contenta com sublinhar as diferenças entre ambos. Afirma que esse passado não é algo senão plural”.

O pensamento de Octávio Paz, expresso não somente em poemas e ensaios, mas em artigos para jornais e revistas e em várias entrevistas, reitero, é eclético e abrange diversos campos da cultura, q   uer contemporânea, quer de um passado remoto. Sobre o nascimento, por exemplo, declarou certa feita: “Nascer é uma queda, tanto no sentido fisiológico,  quanto no metafísico; por isso, para os psicólogos, nascer é um trauma e, para os cristãos, a reiteração da queda original. A sensação de desamparo alia-se à de termos sido arrancados de uma realidade mais vasta”.

Na sequência, o poeta acrescentou: “Cada vida humana é um contínuo tecer, destecer e voltar a tecer os laços do começo. A experiência original, separação e participação, aparece em todos os nossos atos através de variações inumeráveis”.

As colocações de Octávio Paz, posto que profundas e complexas, prescindem de comentários e explicações. Requerem, isso sim, reflexão de nossa parte, na condição de leitores. Deixemo-lo, pois, discorrer mais um pouco sobre a realidade humana: “Vivemos dentro de círculos concêntricos, sucessivos e cada vez mais dilatados: família, bairro, igreja, colégio, trabalho, clube, partido, cidade, nação. O sentimento de pertencer a esta ou aquela realidade coletiva  é anterior ao nome e à idéia: primeiro pertencemos a uma família, depois conhecemos o nome dessa família e, mais tarde, chegamos a ter uma idéia do que é e o que significa uma família. O mesmo acontece com o sentimento de separação e solidão. Ao crescer, descobrimos novos nomes e realidades: cada nome designa comunidades, grupos e associações mais e mais amplas e evanescentes”.

A solidão e a nossa tentativa de eliminá-la está presente na maior parte da sua obra. Tanto que Octávio Paz a citou no título do seu mais famoso e genial livro de ensaios. Por mais que tentemos evitar essa condição, nos sentimos, e de fato somos, solitários o tempo todo, a despeito do que fazemos para nos comunicar e não nos sentir tão sós. O ensaísta – para mim, sobretudo, filósofo, no sentido lato do termo – assim se expressou a propósito: “A solidão é o fundo último da condição humana. O homem é o único ser que se sente só e que procura um outro”. E qual é a estratégia a que se recorre para fugir da solidão? A mais eficiente, posto que condicionada, é o amor. E ela é “sempre”, ou na maioria dos casos, eficaz? Conforme Octávio Paz, depende. Ele afirma a respeito, com o realismo característico do filósofo: “O amor é uma tentativa de penetrar no íntimo de outro ser humano. Mas só pode ter sucesso se a rendição for mútua”. E é aí que reside o “x” dessa complexa equação: a absoluta e incondicional correspondência.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: