Risco de isolamento
Pedro J. Bondaczuk
O
relatório divulgado ontem, em Viena, por uma comissão internacional de seis
historiadores, sobre o passado do atual presidente austríaco, Kurt Waldheim,
durante o tempo em que serviu no Exército nazista, na Segunda Guerra Mundial,
embora não tenha sido conclusivo, lançou uma enorme sombra de suspeita sobre a
atuação do político nesse violento período da história do seu país e do mundo.
O documento concluiu que o ex-secretário-geral da
ONU tinha ciência das atrocidades cometidas em sua unidade, embora não se possa
provar que ele tenha participado delas. Mas é inconcebível que não tivesse
tomado parte em nenhuma das extradições de civis e até de algumas execuções.
Certas coisas não se deixa rastros quando se fazem,
por serem comprometedoras. Admitindo que Waldheim jamais tenha se envolvido em
nenhum dos crimes que tentam lhe imputar, o que se estranha é o fato dele ter
mentido.
Aliás, quando começou a campanha contra ele, por
parte da comunidade judaica internacional, em abril de 1986, o presidente
austríaco chegou mesmo a afirmar que jamais havia servido no Exército nazista,
o que ele teve que reconhecer mais tarde que não era verdade, diante das
evidências que se acumulavam.
Se ele nada tem a temer, qual a razão da mentira?
Por acreditar que a sua vinculação com as ações dos seguidores de Adolf Hitler
iria manchar a sua imagem pública? Mas a negação acabou sendo muito mais
prejudicial do que teria sido a simples admissão desse fato, quando ele
precisou se retratar.
Outra coisa que causou estranheza foi a sua eleição
para a presidência da República. O que o eleitorado austríaco desejou provar
com isso? Que é independente para escolher seus homens públicos, sem pressões
internacionais? Ora, esse tipo de independência, num mundo caracterizado pelas
mais estranhas alianças e formas disfarçadas de opressão, é meramente ilusório.
Ainda se fosse para um cargo de decisão, e se o
homem escolhido fosse alguém absolutamente imprescindível (o que também não
existe), daria para se entender. Mas a função de presidente na Áustria é
meramente protocolar!
O que os eleitores, que sufragaram Waldheim nas
urnas, conseguiram foi somente um certo isolamento do país na comunidade
internacional. O melhor que o secretário-geral poderia fazer neste momento,
portanto, seria renunciar. Só assim poderia abafar a onda crescente de repúdio
contra ele, que se avoluma a cada dia que passa.
(Artigo publicado na página
11, Internacional, do Correio Popular, em 10 de fevereiro de 1988).
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