Função civilizadora da
poesia
Pedro
J. Bondaczuk
A poesia foi a
manifestação pioneira de inteligência e organização do homem primitivo, assim
que este começou a se organizar, socialmente, em comunidades, reunindo
famílias, clãs e grupos aparentados, que foram embriões das primeiras
cidades-estados. Precedeu, em muito, a filosofia e a ciência e todas as demais
artes e teve a secundá-la apenas a música. Muitos argumentam que esse papel de
pioneirismo na expressão original de racionalidade cabe à pintura, citando,
para tal, os inúmeros desenhos em paredes de cavernas pré-históricas, que
resistiram ao desgaste do tempo e permanecem até hoje.
Ocorre que essa
manifestação pictórica, que hoje entendemos como artística, tinha, para nosso
primitivo ancestral, caráter puramente mágico. Não era considerado e nem
encarado como arte, mas como uma espécie de liturgia. Aliás, entre os gregos,
inclusive no seu auge, ocorreu a mesma coisa, a despeito da competência dos
seus cultores. Ou seja, pintura e escultura também não eram entendidos como
arte, mas como artesanato. Embora fossem produzidas obras criativas e geniais
nesse período, tinham, para essa notável civilização, caráter meramente
decorativo. Pintores e escultores, portanto, não eram considerados e nem
chamados de artistas, mas de artesãos.
Fundamento minha
afirmação nos estudos de inúmeros e ilustres historiadores que consultei. Por
exemplo, no volume que trata dos “Processos da Idade Clássica”, da coleção “Os
grandes julgamentos da História”, da Editora Otto Pierre (sob a direção de
Franco Massara), leio o seguinte: “A primitiva cultura grega fora quase
inteiramente confiada à poesia. Os poemas de Homero, e depois os de Hesíodo,
constituíam uma espécie de grandes sínteses culturais que exerciam funções a um
tempo educativas e de puro divertimento. A ‘Ilíada’, a ‘Odisséia’ ‘Os trabalhos
e os dias’ exprimem um modo de ver a vida e de julgar os deveres da civilização
humana, exprimem os ideais de uma sociedade inteira: ideal épico-heróico, em
moldes aristocráticos nas duas primeiras, idéia de justiça e de colaboração no
trabalho do campo e na humana luta contra a natureza, na terceira”.
Frise-se que, durante
muito tempo – alguns pares de séculos –, a poesia foi a única forma de
expressão culta e de transmissão de conhecimentos e experiências de uma geração
a outra, dada a inexistência, ainda, de uma linguagem escrita. Sequer o
primeiro alfabeto havia sido criado. Portanto, feitos considerados heróicos,
descobertas e reflexões dos homens tidos como sábios eram poetizados, decorados
por jovens de boa memória desde tenra idade e transmitidos, posteriormente, aos
filhos e netos quando cresciam e geravam a própria prole. Não fosse a poesia,
um imenso acervo de cultura, em seu sentido lato, teria se perdido
irremediavelmente. E o homem jamais teria obtido qualquer grau de evolução.
Leio, ainda, no citado
livro: “Assim essas obras (‘Ilíada’, ‘Odisséia’ e ‘Os trabalhos e os dias’)
também exprimem, em forma poética, tudo aquilo a que nós chamamos filosofia e
ciência: os mitos que dizem respeito aos inumeráveis deuses do Olimpo são tanto
um modo de explicar os principais fenômenos naturais como de objetivar as
características psicológico-morais da alma humana, os vícios, as virtudes, as
paixões, o sentimento do destino etc. Com esses textos, transmitidos oralmente
até Pisístrato, se formavam os gregos antigos e ainda na época de Péricles
constituíam as suas primeiras leituras”.
Muito tempo depois –
outro punhado de séculos – o teatro veio juntar-se à poesia como arte nobre e,
simultaneamente, como instrumento de comunicação. Possivelmente – e desconfio
que até por mil anos – as sociedades primitivas e o embrião do que viria a ser
a Grécia Antiga, tiveram, nos poetas, simultaneamente, seus filósofos,
cientistas, teólogos, jornalistas, historiadores, arquivistas e dezenas de
outras tantas funções. E mesmo depois do surgimento de disciplinas específicas
para cada uma dessas atividades, a poesia jamais perdeu sua importância, embora
ficasse restrita ao campo artístico.
Na obra que citei, o
autor ressalta: “Depois outros poetas em formas poéticas cada vez mais
diferenciadas cantaram o valor da virtude, da coragem, da sageza, em elogios de
conteúdo social e político; outros cantaram o amor; outros ainda exaltaram os
vencedores das competições olímpicas, símbolo da perfeição e harmonia
físico-moral da estirpe grega. Em suma, os poetas eram os grandes educadores e
ao mesmo tempo, os grandes sábios, guias de confiança de todo o povo. Sólon,
por exemplo, era um típico representante desta poesia civil, política e moral”.
Voltarei, certamente, ao assunto.
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