A nobreza da poesia
Pedro
J. Bondaczuk
“A poesia é
conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo,
a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um
método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos
eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra
natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo
com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero”.
Esta magnífica
definição de poesia só podia ser de um poeta. E é. Foi escrita por um dos mais
hábeis e lúcidos escritores do século XX. É, sobretudo, de um intelectual
eclético, atuante, talentoso (na verdade, genial) e respeitado pela vasta e
preciosa obra que legou à posteridade. Quem a fez foi o poeta, ensaísta e
diplomata mexicano Octávio Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990.
Consta da introdução do seu livro de ensaios “O arco e a lira”, intitulada
“Poesia e Poema”. Texto magnífico, como se vê, exposto de forma poética, posto
que redigido em prosa.
Escreveu mais:
“Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a
ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração,
litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação,
compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações,
classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos, objetivos
e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem”.
Definição de tirar o
fôlego, feita com consciência, clarividência e paixão, por quem, por exercitar
com maestria essa arte, está plenamente habilitado a defini-la, caracterizá-la
e identificar seus limites. Apesar de “Labirintos da solidão” ser o livro de
ensaios mais famoso, vendido, divulgado e comentado de Octávio Paz, dos 25
desse gênero que publicou, sem desprezá-lo (e nem poderia), “O arco e a lira” é
o meu predileto. Fala mais à minha sensibilidade e aborda questões ligadas mais
diretamente à minha realidade enquanto intelectual e escritor.
Considero-me um poeta,
posto que, quando muito, apenas mediano, mas esforçado e apaixonado. A paixão
que tenho pela poesia é tamanha, que me faltam palavras adequadas para
traduzi-la. Contudo isso pouco importa. Octávio Paz definiu com precisão
cirúrgica o que nunca fui competente para fazê-lo. Escrevi muito, e o leitor é
testemunha, sobre esta arte que precedeu todas as demais, posto que criada quando
o homem não dispunha sequer de alfabeto, quanto mais de linguagem escrita para
registrar descobertas, observações, idéias, emoções, inquietações etc. etc.etc.
A poesia precedeu,
inclusive, a filosofia, a “mãe” da ciência. Dado seu caráter mnemônico, foi a
forma, por séculos quiçá milênios, de preservação de conhecimentos de toda a
sorte e de sua transmissão de uma geração a outra, impedindo a estagnação e,
pior, o retrocesso das primitivas civilizações. Ao contrário, propiciou ao
homem, contínua evolução espiritual e material mediante a soma de experiências
preservadas.
A definição de Octávio
Paz, de poesia, não se limita, contudo, ao trecho que citei. Vai além e o poeta
diz mais o seguinte a respeito: “Experiência, sentimento, emoção, intuição,
pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em
forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras.
Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Idéia. Loucura,
êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do
limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão”.
Qual
é a contrapartida literária da poesia? É a prosa, claro. Para muitos, é a forma
mais explícita e direta de se comunicar. Octávio Paz, contudo, discorda. E
justifica: “A prosa é um gênero tardio, filho da desconfiança do pensamento
ante as tendências naturais do idioma. A poesia pertence a todas as épocas: é a
forma natural de expressão dos homens. Não há povos sem poesia, mas existem os
que não têm prosa. Portanto, pode-se dizer que a prosa não é uma forma de
expressão inerente à sociedade, ao passo que é inconcebível a existência de uma
sociedade sem canções, mitos ou outras expressões poéticas”.
Para
encerrar estas descompromissadas reflexões de hoje, recorro, mais uma vez, a
outra citação de Octávio Paz, que tem muito mais a dizer do que este apenas
esforçado “escrevinhador”, esta constante do seu livro de ensaios “Labirintos
da Solidão”, que define bem nosso drama, enquanto protagonistas destes tempos
tão tensos e confusos como são os atuais: “O homem moderno tem a pretensão de
pensar acordado. Mas este desperto pensamento nos levou pelos corredores de um
sinuoso pesadelo, onde os espelhos da razão multiplicam a câmara de tortura. Ao
sair, por acaso descobriremos que tínhamos sonhado com os olhos abertos e que
os sonhos da razão são atrozes. Talvez, então, comecemos a sonhar outra vez com
os olhos fechados”.
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