Democracia salvadora
Pedro
J. Bondaczuk
O poeta, ensaísta e
diplomata mexicano Octávio Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990,
sempre expressou fé irrestrita na democracia. Claro, como intelectual
esclarecido e lúcido, detectou, e criticou, falhas e contradições nesse sistema
que está muito longe da perfeição. Todavia, com tudo o que tem de ruim – e tem
de fato – é, disparado, a melhor forma de se gerir qualquer sociedade e,
principalmente, país. Claro que ele sabia do oportunismo de boa parte dos
políticos, preocupados mais (ou apenas?) em fazer carreira, em acertar as
próprias vidas e as de parentes e apaniguados, do que em atuar no legítimo
interesse do povo que os elege.
Sabia das distorções
das várias leis eleitorais, que raramente permitem que a verdadeira vontade dos
eleitores seja atendida e respeitada. Sabia do desinteresse de parcela
esmagadora da população pela política e da falta de noção do significado e da
importância do voto. Sabia das fraudes eleitorais de toda a sorte, bastante
comuns em países ditos democráticos e em alguns, inclusive, com suposta
tradição democrática. Tinha plena
consciência disso e de tantas e tantas outras deficiências. Denunciava tudo isso. Condenava sem hesitação todas
essas distorções. Tinha noção de tudo o que era preciso ser melhorado. Não era
ingênuo e nem alienado. Ainda assim, não
conhecia nenhuma outra forma de governo que superasse ou mesmo remotamente
igualasse a democracia. Você conhece? Eu não conheço!
Era de se notar seu
entusiasmo com a redemocratização da América Latina, em fins da década de 80 do
século XX e início da de 90, após longo e tenebroso período de ditaduras
militares hemisfério afora. Em 1990, por exemplo, quando, finalmente,
conquistou o Prêmio Nobel de Literatura, após vários anos de expectativa, em
uma de suas tantas entrevistas, em que falava de tudo e não somente de poesia
ou de livros, Octávio Paz assim se expressou a propósito: “Vivemos na América
Latina a hora da alvorada. Amanhece em nossas terras algo que vale mais do que
o poder, a riqueza ou a glória. Algo que nossa história, salvo em momentos
isolados, nos negou cruelmente: a convivência pacífica na liberdade”.
Todo esse entusiasmo
tinha fundamentação lógica, baseada em fatos. Ocorre que na ocasião – outubro
de 1990 – a América Latina vivia um raro período de liberdade democrática (que
bem ou mal, ainda persiste na maior parte dessa região do mundo), em que apenas
três países tinham governos não eleitos pelo povo: Cuba, Panamá e Haiti. Isso
era (e ainda é) raridade para povos acostumados a recorrentes golpes de Estado,
a pseudo-revoluções salvadoras e, sobretudo, ao desbragado “vício” do
caudilhismo.
Para Octávio Paz, não
há outro caminho para a humanidade que não seja o da democracia. Não existem
alternativas ou opções que não esta. Parece óbvio (e é), mas parcela
considerável da humanidade não pensa assim. O poeta, ensaísta e diplomata
sempre defendeu a convivência livre, harmoniosa e pacífica entre “diferentes”.
Ao contrário do que pregam determinadas ideologias totalitárias, destacava que
na eliminação das diferenças pela força, ou mesmo pela coação, reside a semente
da destruição humana e do caos. Escreveu, em um de seus ensaios: “O que põe o
mundo em movimento é a interação das diferenças, suas atrações e repulsões; a
vida é pluralidade, morte é uniformidade”. E não é? Afinal, na natureza não há
sequer duas folhas que sejam rigorosamente iguais. Há semelhanças, posto que
jamais a igualdade.
Octávio Paz – ao
contrário de muitos intelectuais, até bem intencionados, mas ingênuos, que
confundem ideais com meros devaneios – não se deixava levar por fantasias e nem
por meros sonhos em suas projeções de futuro. Condicionava sua excelência (e
até existência) não a fatores aleatórios, mas às ações humanas. Entendia que, se
o homem conseguir dominar seus baixos instintos, notadamente o tânico, ou seja,
o de destruição; se lograr calar seus demônios interiores e usar o magnífico
potencial do seu cérebro para construir uma sociedade minimamente justa e
solidária, poderá fazer raiar no Planeta a Idade de Ouro, tão sonhada pelos
utopistas. Caso contrário... Será a catástrofe. E quem sobreviver a ela (caso
haja sobreviventes), viverá num mundo em que não valerá a pena viver. Se
confrontará com uma realidade muito mais tenebrosa e sofrida do que a do
Inferno pintado por Dante Aligheri em sua “Divina Comédia”.
Octávio Paz advertiu a
propósito: “O futuro que nos aguarda pode muito bem não ser o lugar de uma
perfeição almejada por nós, mas sim a eclosão de catástrofes: a explosão populacional,
a poluição, as catástrofes políticas, a física moderna com seu arsenal nuclear,
a destruição antiecológica de todos os recursos da Terra que permitam a vida
nela. A sociedade diante da hecatombe atômica não pode crer muito no futuro”.
Pessimismo? Não! É a realidade, que ainda pode ser mudada. Mas... haverá tempo
para a mudança, que já teria que ter sido iniciada e ainda não foi? Temo que
não!
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