Insólito
desenvolvimento de um gênio
Pedro
J. Bondaczuk
A precocidade de
determinadas crianças não raro é forçada pelos pais e não tem nada de natural.
Basta, muitas vezes, que um garotinho ou garotinha de seis ou sete anos cantem
razoavelmente afinado (a) alguma canção, ou nem mesmo isso, para que, de imediato,
sua família já veja nele ou nela um cantor ou uma cantora em potencial. Enchem
sua cabeça de fantasias e findam por mutilar sua personalidade, distorcendo-a
irremediavelmente e produzindo um futuro ou neurótico ou uma futura neurótica.
Em alguns casos, arruínam sua infância e tais “futuros artistas”, com o tempo e
as circunstâncias, frustram todas expectativas, suas e dos pais, para decepção
e desgosto gerais.
Não foi, todavia, o que
aconteceu com Franz Liszt. E isso graças a seu esclarecido pai, Adam, que fez
de tudo para que o menino fosse como os demais da sua idade, sem impor-lhe
expectativas e nem responsabilidades incompatíveis com a idade. Pelo contrário,
fez de tudo para afastá-lo do piano e não por temor de que o garoto quebrasse,
ou mesmo desafinasse o instrumento. Agiu assim para evitar que, por uma
tendência de imitação, o menino achasse que já era músico, a despeito dos seus
seis anos de idade.
Quando percebeu, porém,
que o filho tinha, mesmo, tendência para a música, provavelmente a contragosto,
cedeu às evidências. Contratou, para dar as primeiras noções dessa arte que
exige tanta disciplina e técnica, o mais renomado professor que vivia nas
redondezas da sua cidade. Dizem os biógrafos – e não tenho porque duvidar dessa
afirmação – que a partir de então, o pequenino Franz “se desligou do mundo”.
Passava seis horas por dia estudando e fazendo exercícios, num estado de
excitação até perigoso.
Ao contrário de muitas
crianças de hoje, obrigadas pelos pais a maçantes e estafantes aulas de música,
ninguém precisava lembrar a Franz que ele tinha que estudar. A iniciativa
partia sempre dele. Foram inúmeras as ocasiões em que os pais tiveram que usar
de muita energia para tirá-lo da frente do piano e obrigá-lo a brincar com
outras crianças. Sua paixão pela música, em determinada época, atingiu o
paroxismo. O garoto foi acometido de uma altíssima febre, cuja causa médico
algum conseguia determinar.
Após muitas consultas e
reiterados exames, a conclusão a que se chegou, sobre a etiologia daquela
disfunção orgânica, foi a de que ela não era causada por nenhum vírus ou
bactéria ou por desarranjo de qualquer órgão. Era de fundo psicológico. Era
amor extremado pela arte, uma espécie de obsessão. O organismo do menino
definhou a tal ponto que ele esteve à beira da morte.
A partir de então, o
pai assumiu de vez um papel que exerceria com mão de ferro enquanto viveu: o de
disciplinador. Nunca mais permitiu ao filho que fizesse as coisas à sua
maneira. Estabeleceu normas rígidas, com horários inflexíveis e rigorosos para
tudo: para comer, dormir, brincar e... estudar. Se Franz queria música, muito
bem, a teria. Contudo, teria que ser com moderação e disciplina. E assim foi.
Quando Franz Liszt
completou nove anos de idade, já era celebridade na Hungria e na Áustria. Por
exemplo, deu um concerto, que se tornou inesquecível, na casa do Barão Von
Braun, em Oldenburgo, para o qual foi o convidado de honra, apresentando-se ao
lado de “monstros sagrados” da época, de músicos consagrados e de reputação
solidamente firmada. Eram todos adultos. Todos, menos o melhor deles: o menino
Franz.
Ao cabo do evento, o
garoto prodígio foi o alvo de todas as ovações dos presentes. Seus biógrafos
garantem que todos aqueles louvores não tiveram nada a ver com a idade, mas com
a perícia e a paixão com que o músico mirim executou um concerto de Ferdinand
Ries, improvisando em torno de um tema bastante conhecido, façanha que, até
então, ninguém ousara fazer, dada a complexidade da composição. Franz Liszt
literalmente “brincou” com o instrumento, valorizando uma peça musical que já
era, por si só, magnífica.
Dias depois, deu outro
recital, com idêntico sucesso, na mansão do Conde Esterhazi, em Presburgo,
cidadezinha em que a elite européia costumava veranear. O entusiasmo pela
performance de Franz Liszt nessa apresentação acabou sendo decisivo
principalmente para a sua carreira musical. Representantes das famílias mais
ricas e influentes da Hungria, como os Szãpary, os Amadeu, os Apponyie e os
Erlõdy, entre outros, presentes ao recital, concluíram que tamanho talento
merecia tratamento melhor do que o pai estava lhe dando. Cotizaram-se e
deram-lhe uma bolsa de estudos com os professores de maior reputação e mais
caros da Europa, com duração de seis anos.
Franz Liszt foi enviado
a Viena, para estudar com Carl Czerny. Mas o mestre saiu do sério ao ouvir o
pequeno gênio. Intuiu que, burilando aquele diamante bruto, ganharia muito mais
do que dinheiro: ficaria para sempre ligado, através dos séculos, a uma
“celebridade” da música. Tinha tanta certeza disso, que decidiu tomar Liszt
como aluno gratuitamente, justo ele que
tinha a fama de ser um dos professores mais caros da Europa.
Ao mesmo tempo,
providenciou a contratação de outro mestre, este de harmonia e composição,
considerado insuperável. E sabem que era? Era, nada mais, nada menos do que o
último instrutor que Ludwig van Beethoven teve, ou seja, Antonio Salieri
(detratado, injustamente, no filme “Amadeus”). Foi ele que conduziu o jovem
talento, o menino prodígio, pelos caminhos da música religiosa, em que iria se
destacar tanto. Em suma, aos doze anos de idade, quando a maioria dos
pré-adolescentes ainda tem a cabeça cheia de sonhos e de fantasias, Franz Liszt
já era músico formado, completo e genial, apto a encarar as maiores e mais
requintadas platéias de música erudita da Europa e do mundo.
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