Essência da atividade
política
Pedro
J. Bondaczuk
O intelectual deve ou
não se imiscuir em política e tomar determinado partido? Pessoalmente, na
condição de cidadão, sim. Mas, como formador de opinião, é lícita sua
intervenção? Da minha parte entendo que deva intervir, desde que não se
proponha a assumir papel inferior à sua condição, ou seja, desde que não se
torne mero propagandista de determinada ideologia, partido ou candidato. Sua
participação tem que ser crítica, genérica, objetiva e esclarecedora.
Essa também era a
postura do poeta, ensaísta e diplomata mexicano Octávio Paz sobre a questão.
Não admitia que os intelectuais se omitissem de decisões tão importantes para a
sociedade, se limitando a tecer ácidas, porém inócuas críticas aos desmandos de
determinados governos e/ou à corrupção de certos políticos, adotando, todavia,
o expediente ineficaz e injusto da generalização. Defendia, sim, participação
com enfoque crítico, mas condicionava-o à sobriedade e, principalmente, a
propostas de soluções para os problemas e desvios apontados.
Propunha, aos intelectuais,
postura como a dos cientistas face a novas descobertas científicas. Ou seja,
que antes de emitir qualquer opinião, embora levando em conta as evidências,
deixassem sempre espaço para saudáveis dúvidas. Na opinião de Paz, cabe a essa
elite supostamente esclarecida importante papel de defesa das instituições
democráticas sempre que estas estiverem, de alguma forma, ameaçadas. Propunha
que exercessem, simultaneamente, a tolerância e a crítica (embora isso pareça
paradoxal). “Nos regimes políticos, e notadamente na democracia, aos
intelectuais cabe exercer as virtudes esquecidas: a sobriedade e a dúvida”,
declarou o poeta em uma de suas tantas entrevistas.
Cabe, aqui, importante
esclarecimento que julgo dos mais oportunos. Há
muito, diria que há pelo menos dois milênios, perdeu-se a noção do verdadeiro
significado e do objetivo da política. Refresco a memória dos que os conhecem e
informo os que os desconhecem, valendo-me do seguinte trecho do livro que trata
do processo e condenação do filósofo Sócrates, em Atenas, que integra a coleção
“Os grandes julgamento”, com textos escritos sob a supervisão de Franco Massara
(Otto Pierre Editores): “...a política não é a luta entre facções e interesses,
não é uma coleção de astutos expedientes para cativar o favor das massas e
tirá-lo ao adversário, recorrendo para isso à mentira, à deformação, mas sim a
elevada e nobre arte da ‘politéia’ (no verdadeiro significado desta palavra
cujo sentido foi por todos esquecido), isto é, a arte de promover o bem de
todos, o verdadeiro bem de todos que não se reduz a esta ou aquela iniciativa
conduzida com felicidade, ao êxito destes ou daqueles interesses particulares,
mas que pretende o realizar-se da vida dos muitos (polloi) segundo uma unidade
de formas humanas justas e sábias”.
Esse
procedimento distorcido, esse abandono do verdadeiro e nobre significado da
política já era realidade na Atenas de maio de 399 A.C., por ocasião do
julgamento de Sócrates. Muitos
sentenciam, como se fosse grande vantagem: "não gosto e não entendo de
política". Pode até ser. Mas tais pessoas confessam, então, não entender
os próprios atos que praticam no cotidiano. Não compreendem o que fazem todos os dias, desde o momento em
que acordam, até que se deitam.
"Política", meus queridos leitores, grosso modo, é todo o ato que praticamos na
"pólis", na cidade. Quando pela manhã, cumprimentamos nosso vizinho,
quando pagamos nossa passagem no ônibus, quando assistimos a uma aula, quando
realizamos o nosso trabalho, quando saldamos uma conta no banco ou no caixa de
uma loja, quando efetuamos uma compra ou venda no comércio, quando gozamos o
nosso lazer, estamos fazendo esse exercício que apregoamos "não entender e
não gostar". Gostemos de fato ou não dele, entendamos ou não de política,
tenhamos ou não consciência disso, ela está
presente o tempo todo em nossas vidas.
Todavia, embora Octávio
Paz tenha defendido a ativa participação dos intelectuais na política, com as
restrições apontadas, opunha-se, tenazmente, à vinculação da cultura ao Estado,
a todo e qualquer governo. Argumentava que somente assim manteria a
indispensável isenção, aberta a todas as correntes de pensamento, conservaria a
independência que lhe compete ter e, enfim, o descomprometimento Em suma, não
se deixaria transformar em instrumento de propaganda política e/ou ideológica.
“As relações entre a
cultura e o Estado são sempre relações ambíguas e críticas. Kant, Voltaire,
Montesquieu, Hume, os poetas românticos, lutaram todos contra a censura
exercida pelo Estado. Por isso eu tremo cada vez que ouço falarem de Ministério
da Cultura, pois esse conceito me traz sempre a associação de edificação de um
Estado gramático e moralista”, declarou Octávio Paz em uma de suas entrevistas.
Compete aos intelectuais – mas não exclusivamente a eles –, resgatar a essência
e o papel nobre e original da há tanto tempo corrompida e desgastada atividade
política.
Encerro, pois, estas breves reflexões com uma declaração do poeta
Affonso Romano de Sant'Anna que reflete bem o comportamento do ser humano em
todos os tempos, que diz: "Assim se faz a história: com a agressividade de
poucos, com a ingenuidade de muitos e a dialética dos tolos".
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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