Thursday, March 14, 2013


Essência da atividade política

Pedro J. Bondaczuk

O intelectual deve ou não se imiscuir em política e tomar determinado partido? Pessoalmente, na condição de cidadão, sim. Mas, como formador de opinião, é lícita sua intervenção? Da minha parte entendo que deva intervir, desde que não se proponha a assumir papel inferior à sua condição, ou seja, desde que não se torne mero propagandista de determinada ideologia, partido ou candidato. Sua participação tem que ser crítica, genérica, objetiva e esclarecedora.

Essa também era a postura do poeta, ensaísta e diplomata mexicano Octávio Paz sobre a questão. Não admitia que os intelectuais se omitissem de decisões tão importantes para a sociedade, se limitando a tecer ácidas, porém inócuas críticas aos desmandos de determinados governos e/ou à corrupção de certos políticos, adotando, todavia, o expediente ineficaz e injusto da generalização. Defendia, sim, participação com enfoque crítico, mas condicionava-o à sobriedade e, principalmente, a propostas de soluções para os problemas e desvios apontados.

Propunha, aos intelectuais, postura como a dos cientistas face a novas descobertas científicas. Ou seja, que antes de emitir qualquer opinião, embora levando em conta as evidências, deixassem sempre espaço para saudáveis dúvidas. Na opinião de Paz, cabe a essa elite supostamente esclarecida importante papel de defesa das instituições democráticas sempre que estas estiverem, de alguma forma, ameaçadas. Propunha que exercessem, simultaneamente, a tolerância e a crítica (embora isso pareça paradoxal). “Nos regimes políticos, e notadamente na democracia, aos intelectuais cabe exercer as virtudes esquecidas: a sobriedade e a dúvida”, declarou o poeta em uma de suas tantas entrevistas.

Cabe, aqui, importante esclarecimento que julgo dos mais oportunos. Há muito, diria que há pelo menos dois milênios, perdeu-se a noção do verdadeiro significado e do objetivo da política. Refresco a memória dos que os conhecem e informo os que os desconhecem, valendo-me do seguinte trecho do livro que trata do processo e condenação do filósofo Sócrates, em Atenas, que integra a coleção “Os grandes julgamento”, com textos escritos sob a supervisão de Franco Massara (Otto Pierre Editores): “...a política não é a luta entre facções e interesses, não é uma coleção de astutos expedientes para cativar o favor das massas e tirá-lo ao adversário, recorrendo para isso à mentira, à deformação, mas sim a elevada e nobre arte da ‘politéia’ (no verdadeiro significado desta palavra cujo sentido foi por todos esquecido), isto é, a arte de promover o bem de todos, o verdadeiro bem de todos que não se reduz a esta ou aquela iniciativa conduzida com felicidade, ao êxito destes ou daqueles interesses particulares, mas que pretende o realizar-se da vida dos muitos (polloi) segundo uma unidade de formas humanas justas e sábias”.

Esse procedimento distorcido, esse abandono do verdadeiro e nobre significado da política já era realidade na Atenas de maio de 399 A.C., por ocasião do julgamento de Sócrates. Muitos sentenciam, como se fosse grande vantagem: "não gosto e não entendo de política". Pode até ser. Mas tais pessoas confessam, então, não entender os próprios atos que praticam no cotidiano. Não compreendem o que fazem todos os dias, desde o momento em que acordam, até que se deitam.

"Política", meus queridos leitores, grosso modo, é todo o ato que praticamos na "pólis", na cidade. Quando pela manhã, cumprimentamos nosso vizinho, quando pagamos nossa passagem no ônibus, quando assistimos a uma aula, quando realizamos o nosso trabalho, quando saldamos uma conta no banco ou no caixa de uma loja, quando efetuamos uma compra ou venda no comércio, quando gozamos o nosso lazer, estamos fazendo esse exercício que apregoamos "não entender e não gostar". Gostemos de fato ou não dele, entendamos ou não de política, tenhamos ou não consciência disso, ela está presente o tempo todo em nossas vidas.

Todavia, embora Octávio Paz tenha defendido a ativa participação dos intelectuais na política, com as restrições apontadas, opunha-se, tenazmente, à vinculação da cultura ao Estado, a todo e qualquer governo. Argumentava que somente assim manteria a indispensável isenção, aberta a todas as correntes de pensamento, conservaria a independência que lhe compete ter e, enfim, o descomprometimento Em suma, não se deixaria transformar em instrumento de propaganda política e/ou ideológica.

“As relações entre a cultura e o Estado são sempre relações ambíguas e críticas. Kant, Voltaire, Montesquieu, Hume, os poetas românticos, lutaram todos contra a censura exercida pelo Estado. Por isso eu tremo cada vez que ouço falarem de Ministério da Cultura, pois esse conceito me traz sempre a associação de edificação de um Estado gramático e moralista”, declarou Octávio Paz em uma de suas entrevistas. Compete aos intelectuais – mas não exclusivamente a eles –, resgatar a essência e o papel nobre e original da há tanto tempo corrompida e desgastada atividade política.

Encerro, pois, estas breves reflexões com uma declaração do poeta Affonso Romano de Sant'Anna que reflete bem o comportamento do ser humano em todos os tempos, que diz: "Assim se faz a história: com a agressividade de poucos, com a ingenuidade de muitos e a dialética dos tolos".

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