Sunday, March 03, 2013


Competição e circunstâncias

Pedro J. Bondaczuk

A competição, conforme tenho observado nestas minhas quase sete décadas de vida, é uma lei da natureza. Todos os seres vivos, de uma forma ou de outra, competem, e o tempo todo, da concepção até a morte, por alguma coisa (na realidade por muitíssimas delas). Até para se nascer ela é nossa realidade primordial.

Por esse princípio, só o fato de estarmos vivos significa que somos vencedores. Somos produtos do único espermatozóide que, competindo com alguns bilhões de similares, logrou vencer todas as barreiras para fecundar um único óvulo, das centenas disponíveis. Não vencêssemos essa corrida, não estaríamos aqui. Somos frutos, pois, de uma competição em que saímos ganhando.

Mesmo que venhamos a perder todas as disputas posteriores que teremos pela frente – e certamente as teremos aos milhares, quiçá aos milhões – obtivemos pelo menos uma vitória e esta é essencial: a de sermos. O sucesso ou o fracasso nas demais batalhas da vida dependerá de uma série de fatores, muitos dos quais (temo que a maioria) não dependerão de nós, ou seja, independem da nossa capacidade de adaptação, de autopreservação e de competição. Esses fatores aleatórios, que determinam vitórias ou derrotas, têm um nome: circunstâncias. Podemos (e devemos, quando for o caso) lutar contra elas, se ou quando forem adversas e trazê-las ao nosso favor, mas jamais poderemos determiná-las. Quem as determina? Sei lá! Cada qual tem uma explicação para isso, sem que haja consenso.

Querem um exemplo de uma circunstância negativa que pode comprometer, se não arruinar nossa chance como competidores? Algum defeito genético. Ninguém sabe (a ciência ainda não identificou as causas) a razão exata dessas falhas da natureza ocorrerem, mas ocorrem. É certo que nem todos os que nascem com alguma deficiência física, ou pior, mental, estão condenados ao fracasso. Mas, certamente, terão que se superar para pelo menos acompanhar os demais. Há casos, até, em que os superam, e não são poucos, mas os esforços despendidos para isso terão que ser muito maiores. É injusto? Sim! Mas a natureza desconhece o conceito de justiça.

Há inúmeras outras circunstâncias que, se forem as nossas, servirão como poderosos handicaps negativos, obrigando-nos a nos desdobrarmos muito mais do que os demais para podermos competir com chances, mesmo que remotas, de sucesso. Uma, por exemplo, é o lar em que nascemos. Outra, a condição econômica e o grau de instrução dos nossos pais. Outra, ainda, e esta fundamental, as oportunidades que tivermos (ou deixarmos de ter) para nos instruir, para desenvolver nosso potencial e nossos talentos inatos, para aplicá-los na vida prática, para garantir nosso sustento e vai por aí afora.        

Como se vê, a competição raramente é justa. Diria que é liminarmente injusta. Os competidores não partem, todos, para a corrida da vida, em rigoroso pé de igualdade. O homem, todavia, como o único ser inteligente da natureza e dotado de vontade, tem condições, posto que mínimas (diria ínfimas) de pelo menos melhorar um pouco esse panorama. Pode, se não eliminar, pelo menos tornar menos feroz e cruel essas desigualdades. Se quiser (e aí é que reside o “x” da questão) pode transformar a competição em cooperação. Pode, mas raramente faz. Entrega-se ao instinto, mesmo sendo o único ser vivo capaz de agir contra ele, quando se mostrar perverso, e superá-lo.

Escrevi, certa ocasião, em uma crônica, o seguinte (que é ainda o que penso a propósito): “Somos educados para a competição, mas nem sempre (ou quase nunca) estamos dispostos a seguir regras. Embora retoricamente condenemos essa atitude, na prática agimos achando que os meios (lícitos ou não, éticos ou não, justos ou não) justificam os fins. Corremos atrás de sombras. A substância não se faz presente.  O homem abre mão do usufruto da beleza que existe em tudo o que nos cerca, bastando apenas um pouco de atenção para ser percebida e aproveitada – e onde reside a verdadeira felicidade – foge das emoções sadias, para tentar conquistar o abstrato: fama, fortuna e poder. Trilogia maldita que desgraça multidões! Sombras, fumaça, ilusões...”

Sei que este é um tema polêmico e árduo, em torno do qual dificilmente (detesto usar termos, para mim definitivos, como “sempre” e, principalmente, “nunca”) se obterá consenso. Ainda mais quando discorrido por um mero “aprendiz de feiticeiro” da vida, num texto tacanho, esboçado às pressas, sem muito tempo para raciocínio minimamente profundo. Mas não deixa de ser um assunto digno de reflexão, até para propiciar um tantinho que seja de auto-análise, em busca do desejável, embora não raro traumático autoconhecimento. As divergências, aliás, desde que apresentadas racional e civilizadamente, são não apenas desejáveis, mas até necessárias para, do confronto de idéias divergentes e opostas, obtermos, mesmo que em ínfima réstia, a desejável luz da verdade e da razão. 

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