Uma pandemia de peste
no século XXI?
Pedro
J. Bondaczuk
Os escritores que
trataram de epidemias ou de pandemias de peste bubônica, cujas obras tive a
oportunidade de trazer à baila e de tecer comentários (posto que, por questão
de espaço, mais superficiais do que mereciam e do que eu pretendia), abordaram
ocorrências (reais ou fictícias) da doença da época en que viveram ou, quando
não, do passado, muito anterior ao seu nascimento. Foram os casos específicos
de Tucidides (“História da guerra do Peloponeso”), de Sófocles (“Édipo e
Antígona, a peste em Tebas”), de Procópio de Cesaréa (“História secreta de
Justiniano”), de Giovanni Villani (“Nova crônica”), de Giovanni Boccaccio
(“Decameron”), de Marcel Schwob (“A peste”), de Francesco Petrarca
(“Cancioneiro”), de William Langman (“Pedro, o lavrador”) e de Geoffrey Chaucer
(“Contos de Canterbury”).
E não foram só os acima
citados que agiram assim. Niccoló Maquiavel (“Descrição da peste de Florença do
ano de 1527”), Alessandro Manzoni (“Os noivos”), Samuel Pepys (“Diários”),
Daniel Defoe (“Um diário do ano da peste”), François-René de Chateaubriand
(“Memórias de alémtúmulo”), Jens Peter Jacobsen (“A peste em Bergamo”) e Bram
Stocker (no conto “O gigante invisível”), agiram da mesma forma. Todavia, a
inglesa Mary Shelley inovou nesse aspecto. Fê-lo no seu romance “O último
homem”. Tratou, também, de uma pandemia de peste bubônica tão letal e
devastadora que praticamente eliminou a espécie humana da face da Terra, mas
num tempo diferente. A novidade da sua abordagem não está na letalidade do
flagelo. Está na época em que ela ocorreu. A pandemia de peste tratada por Mary
Shelley ocorre no futuro, num tempo muito distante da metade do século XIX,
época em que ela viveu. Aliás, ela ainda nem ocorreu se nos apegarmos ao seu
enredo. “Mas como?!”, perguntará, atônito, o leitor. Explico. Fosse uma
“profecia” (que, claro, não é), a catástrofe ainda estaria para acontecer.
Ocorreria (ou ocorrerá?) no final deste nosso século, de maravilhas e horrores,
de tanto avanço científico e tantas conquistas tecnológicas. Ou seja, se daria
por volta de 2079 deste nosso perigoso século XXI, de acelerado aquecimento
global, de conseqüências imprevisíveis.
A escritora inglesa
afastou-se, como se vê, e muito, do padrão vigente do período em que viveu.
Escreveu uma história futurista, e num tempo em que ninguém nem de longe
cogitava e muito menos ousava fazer isso. É, pois, um romance de antecipação
apocalíptica. Mary Shelley era fascinada por ciências, embora esta ainda
“engatinhasse” se comparada com as descobertas que se fizeram e que a todo o
momento ainda se fazem nos dias de hoje. Albert Einstein ainda nem havia
nascido e, portanto, não havia elaborado (nem poderia) sua Teoria da
Relatividade. Não havia automóvel, avião, telefone, telégrafo, rádio, televisão
e nem mesmo eletricidade. Sequer se conhecia “o que” causava a peste bubônica.
Vacina? Nem pensar.
Essa ousada escritora e
seu bizarro livro – que foi execrado à época da publicação (1826) e “esquecido”
até 1965, quando foi, finalmente, resgatado e passou a ganhar sucessivas
edições – são cercados de tantas curiosidades, que tratar deles, em um único e
resumido comentário seria jogar fora um excelente tema, que merece ser
conhecido e refletido. Voltarei, pois, a esse assunto ainda muitas vezes. Mary
Shelley – a exemplo de Bram Stocker, com seu romance “Drácula” – é conhecida no
mundo todo, pela imensa maioria, por um único livro: “Frankenstein: ou o
moderno Prometeu”, publicado em 1818. Todavia, esta não é sua única obra
literária e nem mesmo a melhor. É impossível determinar o que é mais
interessante: se sua vida ou se sua literatura. Da minha parte, não tenho esse
dilema. Considero ambos de enorme importância (nem todos, na verdade raros,
pensam como eu)
Mary Wollstonecraft
Shelley (nascida Mary Wollstonecraft Godwin) é londrina, nascida em 30 de
agosto de 1797. Pode-se dizer que sua vida, desde o berço, girou em torno das
letras, que talvez tivesse em seu DNA. Afinal, seu pai, William Godwin foi
afamado filósofo, homem de imensa cultura, com extenso séquito de seguidores. A
mãe, Mary Wollstonecraft, não ficava atrás. Muito pelo contrário. Era pedagoga
e prolífica escritora. Para completar seu amplo círculo de influências,
casou-se com o poeta romântico Percy Bysshe Shelley, de quem foi amante até
este enviuvar. E para completar tudo isso, foi amiga íntima de Lorde Byron, que
foi amante de sua irmã adotiva, Claire Clermont.
É verdade que Mary
Shelley não conheceu a mãe, que morreu dez dias após seu parto, em consequência
de febre puerperal. Contudo, desde que praticamente aprendeu a ler, “devorou”
os livros dela, por orientação do pai. Foi orientada, principalmente, e desde
menininha (quando tinha só nove anos de idade) a praticar a redação de textos.
E esse exercício era curioso, embora eficaz. O pai fazia-a escrever cartas
fictícias, cujos eventuais erros corrigia e cujos acertos ressaltava. Teve
acesso à melhor educação possível naquele início do século XIX, além de contar
com a rica e variada biblioteca paterna. Mas... para a posteridade, o que
restou foi apenas o sucesso de Frankenstein, livro que escreveu quase que por
brincadeira, para vencer um desafio feito pelo marido e por Lorde Byron. Nesse
aspecto (mas só nele) teve, portanto, sorte parecida com a de Bram Stocker e
seu “Drácula.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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