Monday, May 30, 2016

Uma pandemia de peste no século XXI?


Pedro J. Bondaczuk

Os escritores que trataram de epidemias ou de pandemias de peste bubônica, cujas obras tive a oportunidade de trazer à baila e de tecer comentários (posto que, por questão de espaço, mais superficiais do que mereciam e do que eu pretendia), abordaram ocorrências (reais ou fictícias) da doença da época en que viveram ou, quando não, do passado, muito anterior ao seu nascimento. Foram os casos específicos de Tucidides (“História da guerra do Peloponeso”), de Sófocles (“Édipo e Antígona, a peste em Tebas”), de Procópio de Cesaréa (“História secreta de Justiniano”), de Giovanni Villani (“Nova crônica”), de Giovanni Boccaccio (“Decameron”), de Marcel Schwob (“A peste”), de Francesco Petrarca (“Cancioneiro”), de William Langman (“Pedro, o lavrador”) e de Geoffrey Chaucer (“Contos de Canterbury”).

E não foram só os acima citados que agiram assim. Niccoló Maquiavel (“Descrição da peste de Florença do ano de 1527”), Alessandro Manzoni (“Os noivos”), Samuel Pepys (“Diários”), Daniel Defoe (“Um diário do ano da peste”), François-René de Chateaubriand (“Memórias de alémtúmulo”), Jens Peter Jacobsen (“A peste em Bergamo”) e Bram Stocker (no conto “O gigante invisível”), agiram da mesma forma. Todavia, a inglesa Mary Shelley inovou nesse aspecto. Fê-lo no seu romance “O último homem”. Tratou, também, de uma pandemia de peste bubônica tão letal e devastadora que praticamente eliminou a espécie humana da face da Terra, mas num tempo diferente. A novidade da sua abordagem não está na letalidade do flagelo. Está na época em que ela ocorreu. A pandemia de peste tratada por Mary Shelley ocorre no futuro, num tempo muito distante da metade do século XIX, época em que ela viveu. Aliás, ela ainda nem ocorreu se nos apegarmos ao seu enredo. “Mas como?!”, perguntará, atônito, o leitor. Explico. Fosse uma “profecia” (que, claro, não é), a catástrofe ainda estaria para acontecer. Ocorreria (ou ocorrerá?) no final deste nosso século, de maravilhas e horrores, de tanto avanço científico e tantas conquistas tecnológicas. Ou seja, se daria por volta de 2079 deste nosso perigoso século XXI, de acelerado aquecimento global, de conseqüências imprevisíveis.

A escritora inglesa afastou-se, como se vê, e muito, do padrão vigente do período em que viveu. Escreveu uma história futurista, e num tempo em que ninguém nem de longe cogitava e muito menos ousava fazer isso. É, pois, um romance de antecipação apocalíptica. Mary Shelley era fascinada por ciências, embora esta ainda “engatinhasse” se comparada com as descobertas que se fizeram e que a todo o momento ainda se fazem nos dias de hoje. Albert Einstein ainda nem havia nascido e, portanto, não havia elaborado (nem poderia) sua Teoria da Relatividade. Não havia automóvel, avião, telefone, telégrafo, rádio, televisão e nem mesmo eletricidade. Sequer se conhecia “o que” causava a peste bubônica. Vacina? Nem pensar.

Essa ousada escritora e seu bizarro livro – que foi execrado à época da publicação (1826) e “esquecido” até 1965, quando foi, finalmente, resgatado e passou a ganhar sucessivas edições – são cercados de tantas curiosidades, que tratar deles, em um único e resumido comentário seria jogar fora um excelente tema, que merece ser conhecido e refletido. Voltarei, pois, a esse assunto ainda muitas vezes. Mary Shelley – a exemplo de Bram Stocker, com seu romance “Drácula” – é conhecida no mundo todo, pela imensa maioria, por um único livro: “Frankenstein: ou o moderno Prometeu”, publicado em 1818. Todavia, esta não é sua única obra literária e nem mesmo a melhor. É impossível determinar o que é mais interessante: se sua vida ou se sua literatura. Da minha parte, não tenho esse dilema. Considero ambos de enorme importância (nem todos, na verdade raros, pensam como eu)

Mary Wollstonecraft Shelley (nascida Mary Wollstonecraft Godwin) é londrina, nascida em 30 de agosto de 1797. Pode-se dizer que sua vida, desde o berço, girou em torno das letras, que talvez tivesse em seu DNA. Afinal, seu pai, William Godwin foi afamado filósofo, homem de imensa cultura, com extenso séquito de seguidores. A mãe, Mary Wollstonecraft, não ficava atrás. Muito pelo contrário. Era pedagoga e prolífica escritora. Para completar seu amplo círculo de influências, casou-se com o poeta romântico Percy Bysshe Shelley, de quem foi amante até este enviuvar. E para completar tudo isso, foi amiga íntima de Lorde Byron, que foi amante de sua irmã adotiva, Claire Clermont.


É verdade que Mary Shelley não conheceu a mãe, que morreu dez dias após seu parto, em consequência de febre puerperal. Contudo, desde que praticamente aprendeu a ler, “devorou” os livros dela, por orientação do pai. Foi orientada, principalmente, e desde menininha (quando tinha só nove anos de idade) a praticar a redação de textos. E esse exercício era curioso, embora eficaz. O pai fazia-a escrever cartas fictícias, cujos eventuais erros corrigia e cujos acertos ressaltava. Teve acesso à melhor educação possível naquele início do século XIX, além de contar com a rica e variada biblioteca paterna. Mas... para a posteridade, o que restou foi apenas o sucesso de Frankenstein, livro que escreveu quase que por brincadeira, para vencer um desafio feito pelo marido e por Lorde Byron. Nesse aspecto (mas só nele) teve, portanto, sorte parecida com a de Bram Stocker e seu “Drácula.

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