Sem interlocutor
Pedro J. Bondaczuk
O presidente
norte-americano, Ronald Reagan, parece ter recebido muito bem a indicação de
Mikhail Gorbachev para a liderança soviética, a julgar por suas declarações
desde Segunda-feira e pela mensagem pessoal de que fez portador o seu vice,
George Bush, onde demonstra o desejo de manter uma reunião de cúpula com o
homem forte do Cremlin (praticamente sem impor condições prévias).
Muitos
analistas atribuem esse fato a uma espécie de complexo dele, pelo fato de ser,
até agora, o único presidente dos EUA, nos últimos 57 anos, a não se encontrar
com qualquer dirigente russo. Entretanto, Reagan teve lá suas razões (e até
muito fortes) para não manter essa espécie de diálogo.
Em
1981, quando assumiu a presidência para o primeiro mandato, um Brezhnev doentio
e trôpego dava ainda “as cartas” no Cremlin. Seus “sumiços” das vistas públicas
eram bastante freqüentes e os mesmos rumores que circularam nos últimos meses a
respeito da possível morte de Chernenko, ocuparam grandes espaços na imprensa
na ocasião.
Certamente,
prevendo súbita mudança na liderança soviética, Reagan preferiu então,
prudentemente, esperar o desfecho desse drama, que marcou a vida da União
Soviética desde pelo menos 1978.
Brezhnev,
contudo, mostrou-se um homem mais resistente do que a princípio se esperava e
veio a falecer apenas na metade do primeiro mandato do presidente
norte-americano. Quando seu sucessor assumiu, todos sabiam que Yuri Andropov
sofria de um mal incurável nos rins.
Pelo
mesmo motivo anterior, Reagan preferiu esperar que os fatos desmentissem as
previsões da transitoriedade do mandato desse austero líder russo. Com pouco
mais de um ano à frente da gestão da política da União Soviética, contudo,
Andropov viria novamente confirmar a sabedoria popular que diz que “onde há
fumaça, há fogo”. Ou seja, os boatos da imprensa acerca da sua doença, e do
tempo de vida que lhe restava, foram rigorosamente verdadeiros.
No
momento em que o presidente norte-americano, já ao término de seus quatro anos na
Casa Branca, esperava que finalmente pudesse dialogar com alguém que realmente
decidia algo no Cremlin, eis que assume a secretaria-geral do PC (e
posteriormente a presidência da União Soviética), Constantin Chernenko. Um
homem muito mais velho e mais doente do que seu antecessor.
A
prudência mandava, portanto, que mais uma vez se esperasse antes de se proceder
a uma reunião de cúpula realmente produtiva, que redundasse em algo
efetivamente prático para o relacionamento entre as superpotências.
Como
se vê, a propalada má vontade de Reagan para dialogar com os russos pode não
passar de fruto das circunstâncias. Afinal, ele foi o único presidente dos EUA
em cuja gestão a União Soviética teve quatro comandantes diferentes (Leonid
Brezhnev, Yuri Andropov, Constantin Chernenko e agora Mikhail Gorbachev). E
como ele próprio disse no começo do corrente ano, quando perguntado se iria a
Moscou, para uma reunião de cúpula com a liderança russa: “Não vejo motivo para
um encontro de mero conhecimento pessoal sem que daí saia nada de prático para
os dois países”.
O
empenho atual por uma reunião com Gorbachev comprova que não houve má vontade
de Reagan em relação à superpotência antagonista. Tudo não passou,
provavelmente, de uma aziaga circunstância, mal interpretada por alguns
analistas afoitos.
(Artigo
publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 14 de março de
1985).
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