Saturday, May 28, 2016

Sem interlocutor


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, Ronald Reagan, parece ter recebido muito bem a indicação de Mikhail Gorbachev para a liderança soviética, a julgar por suas declarações desde Segunda-feira e pela mensagem pessoal de que fez portador o seu vice, George Bush, onde demonstra o desejo de manter uma reunião de cúpula com o homem forte do Cremlin (praticamente sem impor condições prévias).

Muitos analistas atribuem esse fato a uma espécie de complexo dele, pelo fato de ser, até agora, o único presidente dos EUA, nos últimos 57 anos, a não se encontrar com qualquer dirigente russo. Entretanto, Reagan teve lá suas razões (e até muito fortes) para não manter essa espécie de diálogo.

Em 1981, quando assumiu a presidência para o primeiro mandato, um Brezhnev doentio e trôpego dava ainda “as cartas” no Cremlin. Seus “sumiços” das vistas públicas eram bastante freqüentes e os mesmos rumores que circularam nos últimos meses a respeito da possível morte de Chernenko, ocuparam grandes espaços na imprensa na ocasião.

Certamente, prevendo súbita mudança na liderança soviética, Reagan preferiu então, prudentemente, esperar o desfecho desse drama, que marcou a vida da União Soviética desde pelo menos 1978.

Brezhnev, contudo, mostrou-se um homem mais resistente do que a princípio se esperava e veio a falecer apenas na metade do primeiro mandato do presidente norte-americano. Quando seu sucessor assumiu, todos sabiam que Yuri Andropov sofria de um mal incurável nos rins.

Pelo mesmo motivo anterior, Reagan preferiu esperar que os fatos desmentissem as previsões da transitoriedade do mandato desse austero líder russo. Com pouco mais de um ano à frente da gestão da política da União Soviética, contudo, Andropov viria novamente confirmar a sabedoria popular que diz que “onde há fumaça, há fogo”. Ou seja, os boatos da imprensa acerca da sua doença, e do tempo de vida que lhe restava, foram rigorosamente verdadeiros.

No momento em que o presidente norte-americano, já ao término de seus quatro anos na Casa Branca, esperava que finalmente pudesse dialogar com alguém que realmente decidia algo no Cremlin, eis que assume a secretaria-geral do PC (e posteriormente a presidência da União Soviética), Constantin Chernenko. Um homem muito mais velho e mais doente do que seu antecessor.

A prudência mandava, portanto, que mais uma vez se esperasse antes de se proceder a uma reunião de cúpula realmente produtiva, que redundasse em algo efetivamente prático para o relacionamento entre as superpotências.

Como se vê, a propalada má vontade de Reagan para dialogar com os russos pode não passar de fruto das circunstâncias. Afinal, ele foi o único presidente dos EUA em cuja gestão a União Soviética teve quatro comandantes diferentes (Leonid Brezhnev, Yuri Andropov, Constantin Chernenko e agora Mikhail Gorbachev). E como ele próprio disse no começo do corrente ano, quando perguntado se iria a Moscou, para uma reunião de cúpula com a liderança russa: “Não vejo motivo para um encontro de mero conhecimento pessoal sem que daí saia nada de prático para os dois países”.

O empenho atual por uma reunião com Gorbachev comprova que não houve má vontade de Reagan em relação à superpotência antagonista. Tudo não passou, provavelmente, de uma aziaga circunstância, mal interpretada por alguns analistas afoitos.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 14 de março de 1985).


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