Sunday, May 01, 2016

Potencial desperdiçado


Pedro J. Bondaczuk


O Brasil, que conta com a quinta maior população do mundo (perde apenas para China, Índia, EUA e Indonésia, respectivamente), teria, potencialmente, o terceiro maior mercado consumidor do Planeta, não tivesse tamanho contingente de excluídos. Teria... Há muito que a sua chamada População Economicamente Ativa não sai dos 65 milhões de pessoas (ou em torno disso), o que representa pouco mais de um terço dos habitantes do País. Proporcionalmente, é irrisório.

Ainda assim, nossa PEA é superior à indiana ou à indonésia. Mas, dada a deficiente, a perversa, a ridícula distribuição de renda brasileira (a segunda pior do mundo), deixamos de gozar de uma prosperidade que nos é acessível, mas que por falta de visão, ou de vontade política, ou de competência, ou de tudo isso reunido, parece um sonho irrealizável, senão mera fantasia idealista.

No ano passado, a Fundação Getúlio Vargas divulgou um estudo, dando conta das nossas mazelas sociais. O chamado "Mapa da Fome" detecta a existência de um contingente de 49,6 milhões de pessoas (29,3% da população do País, de 169 milhões de habitantes) que vivem em absoluto estado de miséria, diríamos de total indigência. Trata-se daqueles que não podem gastar sequer R$ 80,00 por mês nem mesmo em alimentos! São brasileiros que passam fome...

Imaginem se este enorme contingente de excluídos, quase o equivalente à população total da Grã-Bretanha, tivesse acesso ao consumo mínimo, já não dizemos de bens e serviços supérfluos, mas do essencial! Que enorme potencial de circulação de riquezas não estaria à disposição da indústria, do comércio e da agricultura, entre outros, nacionais e internacionais! E estamos encarando a questão apenas pelo aspecto estritamente econômico, não pelo social ou pelo humanitário.

Não seria caso dos países do chamado Primeiro Mundo, de "olho gordo" neste tentador mercado, em uma economia supostamente globalizada, fazerem alguma coisa (qualquer coisa), até para garantirem sua própria prosperidade?

Não seria compensador estabelecerem uma espécie de "Plano Marshall" para o Brasil, que erradicasse a miséria brasileira e incorporasse esses 49,6 milhões de indigentes às benesses do consumo? E não seria necessário muito dinheiro para isso. O estudo da FGV destaca que o investimento para pôr fim à miséria absoluta no País não passa de R$ 1,7 bilhão (cerca de US$ 850 milhões) mensais!

Em termos nacionais, bastaria que cada brasileiro contribuísse com míseros R$ 10,00 por mês e que os recursos fossem, realmente, destinados a esse fim, sem desvios para outras finalidades ou, o que é pior, para o bolso de cínicos espertalhões. Convenhamos, é muito pouco para resultado tão compensador.

É uma quantia ridiculamente irrisória para eliminar tanto sofrimento e humilhação e multiplicar riquezas. No Estado de São Paulo, a cifra necessária para pôr fim à pobreza absoluta é ainda menor: R$ 4,50 mensais (o equivalente ao preço de três maços de cigarros de qualidade média).

Por que, então, não se pensa com seriedade nessa possibilidade? Mistério... Conclui-se que os detentores de capital não são assim tão espertos como se pensa, já que, claro, consciência social (todos sabemos) não têm nenhuma...


(Artigo publicado na página 2, Opinião, do jornal Campinas Hoje, em 6 de maio de 2002)

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