Repúdio é da maioria
Pedro J. Bondaczuk
O
episódio da liberação do excesso de bagagem da delegação brasileira, que voltou
dos Estados Unidos trazendo o tetra, na Alfândega do Aeroporto Internacional do
Rio, sem o pagamento dos impostos devidos, embora tenha em si um fato negativo,
apresenta, também, um lado bom.
As
reações, por parte de vários setores da sociedade, de repúdio a essa atitude e
de aplausos à coragem e ao brio do secretário da Receita Federal, Osíris Lopes
Filho, são fatos que não se pode desprezar. Na sexta-feira, o
"DataFolha" divulgou uma pesquisa dando conta de que em torno de 79%
dos paulistanos condenaram a isenção de tributos aos jogadores, responsável por
um prejuízo de US$ 1 milhão aos cofres públicos.
Esse
fato mostra que os tempos mudaram e que o brasileiro sabe distinguir muito bem
as coisas. Acertaram os analistas que previram que, desta vez, ao contrário do
que aconteceu em Copas anteriores, a população, em sua grande maioria, não se
deixaria levar pela euforia para ser manipulada de novo pelos políticos e por
demagogos.
Tudo
bem, o Brasil conquistou o tetracampeonato, tão sonhado e ambicionado. Mas esse
feito não coloca seus autores acima da lei. Até porque, não foi apenas o
futebol que se encheu de glórias. O saudoso piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna,
conquistou três campeonatos, mas nunca se soube que tenha tentado entrar com
contrabando no País. E muito menos que haja feito chantagem, para que as
autoridades fizessem vistas grossas a este tipo de irregularidade ou a outro
qualquer.
O
mesmo vale para Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi, no automobilismo, ou para a
seleção de vôlei masculino, medalha de ouro nas Olimpíadas e campeã da Liga
Mundial, ou para o basquete feminino, que antes da Copa dos Estados Unidos
havia obtido, brilhantemente, um título inédito e heróico na Austrália.
Em
situações como esta, é preciso "dar nome aos bois", como diz o povo.
Osíris, em entrevista dada na sexta-feira (22 de julho de 1994),
responsabilizou diretamente o presidente da Confederação Brasileira de Futebol,
Ricardo Teixeira, pelo desembaraço ilegal da bagagem.
Péssimo
exemplo para quem aspira à presidência da Fifa, em 1998, em substituição ao
sogro. O ex-secretário garante que "os jogadores foram usados pelos
cartolas para fazer entrar no Brasil produtos importados sem passar pela
Alfândega".
Até
concordamos que tenha ocorrido isso. Mas faltou personalidade ao grupo. Não
foram eles que disseram, ainda em Los Angeles, que as autoridades não deveriam
usar essa conquista para camuflar os problemas brasileiros, como a fome, a
violência e o desemprego?
Faltou
um líder entre os craques que tomasse a frente dos demais e desse o exemplo,
pagando o imposto devido. Osíris ressaltou que, como todo brasileiro, estava
feliz com o tetra. Mas que a mesma lei, que valia para os "mortais
comuns", foi feita para os "deuses" (mesmo que com pés de barro,
acrescentaríamos).
O
excesso de bagagem deveria pertencer, mesmo, à comitiva, pois como argumentou o
secretário, "a maioria dos jogadores mora no Exterior e não teria
necessidade de fazer compras". Será que nos países onde jogam conseguiriam
essa liberação "por baixo do pano"? Afinal, alguns deles são campeões
nacionais pelos clubes que defendem. Por que haveria o Brasil de permitir?
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 25 de julho de 1994).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment