Recorde de ineficiência
Pedro J. Bondaczuk
A Assembléia Nacional
Constituinte conseguiu, finalmente, anteontem, dar o primeiro passo concreto no
sentido da conclusão da futura Constituição do País. Após marchas e
contramarchas, reuniões e confabulações, aprovou o preâmbulo e todo o primeiro
capítulo da lei básica que vai, proximamente, reger nossos destinos, depois de
um início um tanto decepcionante de votação no dia anterior.
Mas
o começo dos debates em torno de temas polêmicos acabou ficando para a próxima
semana, aumentando o suspense e, principalmente, a exasperação geral pela
demora com que os trabalhos estão se desenvolvendo.
Para
que se tenha uma idéia disso, basta dizer que a atual ANC, a Quinta que o
Brasil teve em toda a sua história independente, já é recordista de morosidade.
A
primeira Assembléia, instalada em 3 de maio de 1823, foi dissolvida pelo
imperador D. Pedro I, porque seus membros não conseguiam se entender. A
controvérsia de então era entre os parlamentares portugueses – que com a
independência, adquiriram nacionalidade brasileira – e os nativos do novo país.
Cada
parte acusava a outra de legislar em causa própria. Em 12 de novembro desse
ano, seis meses e nove dias após sua instalação, a Constituinte foi dissolvida
pelo monarca, irritado com a demora dos trabalhos. D. Pedro resolveu “outorgar”
o nosso código maior (aliás o de mais longa duração da nossa história), na
impossibilidade dos parlamentares definirem o seu teor.
As
outras três Assembléias Constituintes – a de 1890, a de 1934 e a de 1946 –
levaram, em média, 240 dias para dotar o País de uma Constituição. Esta, vai
completar um ano, desde que foi instalada, em clima de festa e carregando
consigo as esperanças nacionais.
O
que pode ocorrer daqui para a frente é que, em razão da sua morosidade, seus
membros passem a sofrer cada vez mais pressões. O governadores do PMDB, por
exemplo (que são quase todos do País, à exceção de Sergipe), foram unânimes,
ontem, em Montes Claros, Minas Gerais, onde foram recepcionados por Newton
Cardoso, em cobrar pressa dos parlamentares.
Isto
pode levar à elaboração de uma Constituição mal avaliada, decomposta e
inadequada, mesmo após todo esse tempo de preparação, gasto de maneira
equivocada, na discussão do “sexo dos anjos” e na formação de “centrinhos e
centrões” (que até aqui não conduziram os trabalhos a lugar algum).
Corremos
o risco de ter uma Carta Magna desmoralizada, não respeitada por ninguém e que
no dia seguinte à sua promulgação já comece a ser emendada. É como o jornalista
Carlos Chagas observou, em seu comentário de anteontem, no jornal O Estado de
São Paulo: “O Brasil é um país singular. Tem a maior dívida externa do mundo, o
maior Carnaval do Universo, a mais ampla corrupção e permissividade nos
negócios públicos e privados. Pois bem: arriscamo-nos a um outro recorde. O de
ter a maior crise institucional do Ocidente, desde a edição da Magna Carta”.
Os
constituintes, embora sejam soberanos no exercício do poder que o povo lhes
outorgou, parece que exorbitaram um pouco dessa soberania, ao não levarem a
tarefa para a qual se candidataram (supostamente com os melhores propósitos
possíveis) muito a sério.
Pelas
emendas apresentadas, alguns sequer tinham noção (se é que já têm) do que vem a
ser uma Constituição. Confundiram a lei maior com um verdadeiro “programa de
governo”. Perderam-se em divagações estéreis e em conchavos inúteis, esquecidos
do momento histórico que têm a oportunidade de protagonizar. Por isso, as
gerações futuras irão, certamente, cobrar a eficiência que esses 559 notáveis
demonstrarem daqui para a frente. Chega de enrolação!
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de janeiro de 1988).
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