As causas políticas e
sociais das epidemias
Pedro
J. Bondaczuk
O médico e político
liberal polonês do século XIX, Rudolph Virchow – que morreu em Berlim no início
do século XX, em 5 de setembro de 1902 – deu importante contribuição para o
controle das principais doenças epidêmicas mundo afora, como a peste bubônica,
o cólera, a varíola, a febre amarela e outras tantas mais. Esse aplicado
profissional da saúde é considerado o “pai da patologia moderna”. Além disso,
lançou as bases de uma disciplina, hoje de grande importância na maioria dos
grandes países: a medicina social. Com base nos estudos que empreendeu, durante
uma epidemia de tifo, ocorrida em 1847, na região da Silésia, Virchow
desenvolveu uma teoria das doenças epidêmicas. Sua principal conclusão foi a de
que estas se devem não apenas a causas físicas e biológicas, mas também (e em
muitos casos prioritariamente) a desajustamentos sociais e culturais e, em
última análise, políticos, já que cabe aos representantes do povo a adoção de
medidas não somente profiláticas das doenças, mas, principalmente, preventivas.
O eminente patologista
indagou, a certa altura, em seu bem fundamentado estudo: "As epidemias não
apontarão sempre para deficiências da sociedade?”. Eu responderia, sem
pestanejar: “Claro que sim!!!” Hoje, isso parece óbvio, mas naquele tempo era
um questionamento polêmico, se não inusitado. Em seguida, Virchow respondeu à
própria pergunta, resposta esta acompanhada da inquestionável justificação:
“Pode-se apontar como causas as condições atmosféricas, as mudanças cósmicas
gerais e coisas parecidas, mas em si e por si estes problemas nunca causam
epidemias. Só podem produzi-las onde devido a condições sociais de pobreza, o
povo viveu durante muito tempo em uma situação anormal". E não estava
certo? Certíssimo!!
É muito mais provável
que epidemias de quaisquer doenças se manifestem em comunidades paupérrimas,
miseráveis, carentes de tudo, a partir de uma alimentação inadequada ou
sumamente escassa, sem água tratada, sem coleta de lixo e de esgoto etc.. Ou
seja, sem aqueles princípios elementares de saúde, de higiene e de saneamento
básico, coisas que, convenhamos, cabem aos políticos proverem e não aos
médicos, mas que raramente provêm. Isso não quer dizer que em sociedades ricas
e bem atendidas, pelo menos no que é o mínimo que se espera em uma comunidade
bem administrada e idealmente assistida, não possam ocorrer epidemias. Ocorrem,
sim, todavia por contágio. É até questão da mais comezinha das lógicas.
Rudolph Virchow
escreveu o seguinte a esse respeito: "A história mostrou, mais de uma vez,
como os destinos dos maiores impérios foram decididos pela saúde de seu povo e
de seu exército. Não há mais dúvida de que a história das crenças epidêmicas
deve ser uma parte inseparável da história cultural da humanidade. As epidemias
correspondem a grandes sinais de alerta que mostram ao verdadeiro estadista que
um distúrbio ocorreu no desenvolvimento de seu povo, que nem mesmo uma política
caracterizada pelo desinteresse pode negar". E não pode mesmo.
Embora polonês de
nascimento, Rudolph Virchow teve ativa militância política na Alemanha,
destacando-se como ferrenho e implacável opositor do chanceler alemão, Otto Von
Bismarck. Mas seu maior legado foi, mesmo, na área médica, sua grande
especialidade. Defendeu com unhas e dentes a necessidade de saneamento básico,
como forma de prevenção de epidemias, mas não só nas áreas habitadas pelas
classes mais privilegiadas, porém e principalmente nos grotões carentes e
miseráveis, em que a probabilidade do surgimento de alguma doença epidêmica era
quase uma certeza.
Esse médico incansável
era defensor da tese de que antes de se tratarem moléstias, era mais sábio,
humano e lógico, preveni-las, desde que isso fosse possível. A humanidade
deve-lhe várias descobertas
significativas. Foi, por exemplo, quem elucidou o mecanismo do tromboembolismo,
cujos fatores são conhecidos até hoje como “tríade de Virchow”. Além disso, foi
o primeiro pesquisador a publicar um trabalho científico sobre leucemia, pelo
qual todas as formas de lesão orgânica começam com alterações moleculares ou
estruturais das células..
Destacou-se, ainda, em
outros campos, que não o da Medicina e da política. Também foi atuante, por
exemplo, na antropologia. Atraído pela arqueologia, viajou com Heinrich
Schliemann – o famoso descobridor de Tróia – ao sítio onde existiu essa mítica
cidade, cuja ruína e destruição foi tão bem narrada no poema épico de Homero, a
“Ilíada”. Tornou-se mundialmente conhecido por seu texto “Cellular Pathology as
Based on Histology”. Produziu, ainda, numerosos escritos, étnicos, artísticos e
culturais, entre eles “Crania Ethnica Americana”. Membro de várias sociedades
científicas, só não conquistou mesmo o Prêmio Nobel de Medicina – criado no ano anterior à sua morte, que foi
dado ao alemão Emil Adolf Von Behring, pela terapia do soro para tratar
difteria que este desenvolveu – a que fez jus. Mas... Deixa pra lá!!!!
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