Enfoque metafórico
sobre a peste
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor irlandês
Bram Stocker foi mais um, dos tantos, a tratar, literariamente, da peste
bubônica. Tratou, sim, mas sem especificar nenhuma epidemia determinada, como
dezenas, centenas ou sabe-se lá quantos outros fizeram. Não registrou, como
outros, número de mortos. Nem mesmo lembrou os sintomas da peste. E também não
descreveu a desorganização psicológica e social das vítimas de uma doença,
cujas causas, no seu tempo, haviam sido recém-reveladas. Não fez nada disso.
Para que? O assunto estava anos-luz de ser novidade. Para ser tratado, com um
mínimo de originalidade, o enfoque teria que ser diferente do adotado por
escritores que o antecederam. E no caso de Bram Stocker, foi mesmo.
Sua abordagem da peste
nem mesmo foi feita em um romance que a tivesse como pano de fundo. Citou-a, apenas,
em um dos quatro contos que compõem o livro que no Brasil recebeu o título de
“Contos de terror e arrepios”. A história em que trata da doença, e mesmo assim
metaforicamente, foi intitulada “The invisible giant” (no original), traduzida
para o português como “O espectro da morte”. Prefiro o título original, mais
condizente com o enredo. Os outros três contos desse excelente livro – que
considero a verdadeira obra-prima de Bram Stocker e não a que o consagrou mundo
e tempo afora – são: “O convidado de Drácula”, “A casa do juiz” e “A Índia”.
Antes de tratar do “Gigante invisível” (ou, como queiram, de “O espectro da
morte”), é preciso fazer algumas observações indispensáveis sobre esse
escritor, até para contextualizar sua citação à peste bubônica. Este será,
pois, o tema dos meus comentários de hoje.
Bram Stocker (cujo nome
de batismo era Abraham Stocker), nasceu em Dublin, em 8 de novembro de 1847.
Embora revelando, desde a adolescência, um talento inato para a Literatura –
tanto que escreveu seu primeiro ensaio em 1863, quando tinha, somente,
dezesseis anos de idade, possivelmente nunca pensou em ser escritor. Tanto é
que sua formação acadêmica não tinha absolutamente nada a ver com letras.
Formou-se, isso sim, em “Matemática pura”, e com louvor, E foi além. Não apenas
graduou-se nessa disciplina, como concluiu mestrado, em 1875. Mas... a vida,
queiram ou não, é regida pelas circunstâncias, que surgem sem qualquer aviso,
ao sabor do acaso, e ou favorece, ou arruína todos os nossos planos. Foi o que
aconteceu com Bram Stocker.
Esse romancista,
contista e poeta irlandês entrou para a história da Literatura mundial por um
livro que nada tem a ver com poesia e muito menos com matemática. Para quem
ainda não associou o nome à sua obra, digamos, “emblemática”, informo que ele é
o autor de “Drácula”. Isso mesmo, consagrou esse hoje celebérrimo personagem,
inspirador de milhares de histórias de vampiro escritas na sequência por tantas
outras pessoas. Quem diria?! Esse é um daqueles tantos casos em que o sucesso,
ao fim e ao cabo, por estranho que pareça, se torna incômodo. Bram Stocker
escreveu muitas e muitas e muitas coisas literariamente melhores e mais úteis
do que esse romance que o consagrou. Mas... quem se lembra disso? Nem mesmo
especialistas em Literatura se lembram.
“Drácula”, que Stocker
começou a escrever em 1890, mas que publicou, apenas, sete anos depois, em 26
de maio de 1897, não foi seu primeiro livro. Antes, havia publicado, pela
ordem, “The primrose path” (romance), “Under the Sunset” (contos), “Contos de
terror e arrepios” (contos), “O castelo da serpente” (romance), “The water’s
Mou e Croken Sands” e “The shoulder of Shasta”. Todos eles, ou muitos deles,
muito melhores do que “Drácula”. Mas... o que de fato “emplacou”, e rendeu-lhe
a glória e dinheiro (posto que a princípio não muito) foi essa história
horripilante sobre esse personagem tão cruel que se tornou o protótipo dos
vampiros. Vá se entender o gosto do leitor! Não que o livro não fosse bem
escrito, longe disso. Mas...
Em princípio, Bram
Stocker foi muito criticado, principalmente por basear-se num personagem real,
o Conde Vlad, da Transilvânia, sujeito tão cruel e maldoso que tinha o apelido
de “O Empalador”. Creio que não é preciso explicar porque era chamado dessa
forma. Todavia, como a opinião que conta não é a dos críticos, mas a de quem
compra livros, o romance sombrio do idealista escritor irlandês logo se tornou
o livro da moda e ainda hoje é traduzido e reeditado sem cessar ao redor do
mundo, esgotando edição após edição.
Bram Stocker continuou
escrevendo, e muito, mesmo após haver sofrido severo AVC, na esperança de
emplacar outro sucesso, mesmo que remotamente parecido com a história do
crudelíssimo Conde Drácula. Publicou, por exemplo, “Miss Betty” (1898), “A jóia
das sete estrelas” (1903), “Os sete dedos da morte” (1903) e “Personal
Reminiscences of Henry Irving” (1906) e nada de sequer se aproximar do livro
sobre o tal vampiro. Tentou voltar ao tema, publicando, em 1909 “O caixão da
mulher-vampiro”, em vão. Seu último romance foi “Monstro branco” (1911), que
passou batido, como os demais. Bram Stocker morreu em 20 de abril de 1912, na
cidade de Londres, para onde havia se mudado em 1879. Caso estivesse vivo,
certamente receberia, hoje, uma fortuna em direitos autorais pelo romance
“Drácula”, que está longe de ser seu melhor livro, em termos literários. Mas
quem decide é o público. E este consagrou definitivamente a história do sádico
e sanguinário Conde Vlad, da Transilvânia. Vá-se entender o gosto do
público!!!!
No comments:
Post a Comment