Saturday, May 28, 2016

Enfoque metafórico sobre a peste

Pedro J. Bondaczuk

O escritor irlandês Bram Stocker foi mais um, dos tantos, a tratar, literariamente, da peste bubônica. Tratou, sim, mas sem especificar nenhuma epidemia determinada, como dezenas, centenas ou sabe-se lá quantos outros fizeram. Não registrou, como outros, número de mortos. Nem mesmo lembrou os sintomas da peste. E também não descreveu a desorganização psicológica e social das vítimas de uma doença, cujas causas, no seu tempo, haviam sido recém-reveladas. Não fez nada disso. Para que? O assunto estava anos-luz de ser novidade. Para ser tratado, com um mínimo de originalidade, o enfoque teria que ser diferente do adotado por escritores que o antecederam. E no caso de Bram Stocker, foi mesmo.

Sua abordagem da peste nem mesmo foi feita em um romance que a tivesse como pano de fundo. Citou-a, apenas, em um dos quatro contos que compõem o livro que no Brasil recebeu o título de “Contos de terror e arrepios”. A história em que trata da doença, e mesmo assim metaforicamente, foi intitulada “The invisible giant” (no original), traduzida para o português como “O espectro da morte”. Prefiro o título original, mais condizente com o enredo. Os outros três contos desse excelente livro – que considero a verdadeira obra-prima de Bram Stocker e não a que o consagrou mundo e tempo afora – são: “O convidado de Drácula”, “A casa do juiz” e “A Índia”. Antes de tratar do “Gigante invisível” (ou, como queiram, de “O espectro da morte”), é preciso fazer algumas observações indispensáveis sobre esse escritor, até para contextualizar sua citação à peste bubônica. Este será, pois, o tema dos meus comentários de hoje.

Bram Stocker (cujo nome de batismo era Abraham Stocker), nasceu em Dublin, em 8 de novembro de 1847. Embora revelando, desde a adolescência, um talento inato para a Literatura – tanto que escreveu seu primeiro ensaio em 1863, quando tinha, somente, dezesseis anos de idade, possivelmente nunca pensou em ser escritor. Tanto é que sua formação acadêmica não tinha absolutamente nada a ver com letras. Formou-se, isso sim, em “Matemática pura”, e com louvor, E foi além. Não apenas graduou-se nessa disciplina, como concluiu mestrado, em 1875. Mas... a vida, queiram ou não, é regida pelas circunstâncias, que surgem sem qualquer aviso, ao sabor do acaso, e ou favorece, ou arruína todos os nossos planos. Foi o que aconteceu com Bram Stocker.

Esse romancista, contista e poeta irlandês entrou para a história da Literatura mundial por um livro que nada tem a ver com poesia e muito menos com matemática. Para quem ainda não associou o nome à sua obra, digamos, “emblemática”, informo que ele é o autor de “Drácula”. Isso mesmo, consagrou esse hoje celebérrimo personagem, inspirador de milhares de histórias de vampiro escritas na sequência por tantas outras pessoas. Quem diria?! Esse é um daqueles tantos casos em que o sucesso, ao fim e ao cabo, por estranho que pareça, se torna incômodo. Bram Stocker escreveu muitas e muitas e muitas coisas literariamente melhores e mais úteis do que esse romance que o consagrou. Mas... quem se lembra disso? Nem mesmo especialistas em Literatura se lembram.

“Drácula”, que Stocker começou a escrever em 1890, mas que publicou, apenas, sete anos depois, em 26 de maio de 1897, não foi seu primeiro livro. Antes, havia publicado, pela ordem, “The primrose path” (romance), “Under the Sunset” (contos), “Contos de terror e arrepios” (contos), “O castelo da serpente” (romance), “The water’s Mou e Croken Sands” e “The shoulder of Shasta”. Todos eles, ou muitos deles, muito melhores do que “Drácula”. Mas... o que de fato “emplacou”, e rendeu-lhe a glória e dinheiro (posto que a princípio não muito) foi essa história horripilante sobre esse personagem tão cruel que se tornou o protótipo dos vampiros. Vá se entender o gosto do leitor! Não que o livro não fosse bem escrito, longe disso. Mas...

Em princípio, Bram Stocker foi muito criticado, principalmente por basear-se num personagem real, o Conde Vlad, da Transilvânia, sujeito tão cruel e maldoso que tinha o apelido de “O Empalador”. Creio que não é preciso explicar porque era chamado dessa forma. Todavia, como a opinião que conta não é a dos críticos, mas a de quem compra livros, o romance sombrio do idealista escritor irlandês logo se tornou o livro da moda e ainda hoje é traduzido e reeditado sem cessar ao redor do mundo, esgotando edição após edição.

Bram Stocker continuou escrevendo, e muito, mesmo após haver sofrido severo AVC, na esperança de emplacar outro sucesso, mesmo que remotamente parecido com a história do crudelíssimo Conde Drácula. Publicou, por exemplo, “Miss Betty” (1898), “A jóia das sete estrelas” (1903), “Os sete dedos da morte” (1903) e “Personal Reminiscences of Henry Irving” (1906) e nada de sequer se aproximar do livro sobre o tal vampiro. Tentou voltar ao tema, publicando, em 1909 “O caixão da mulher-vampiro”, em vão. Seu último romance foi “Monstro branco” (1911), que passou batido, como os demais. Bram Stocker morreu em 20 de abril de 1912, na cidade de Londres, para onde havia se mudado em 1879. Caso estivesse vivo, certamente receberia, hoje, uma fortuna em direitos autorais pelo romance “Drácula”, que está longe de ser seu melhor livro, em termos literários. Mas quem decide é o público. E este consagrou definitivamente a história do sádico e sanguinário Conde Vlad, da Transilvânia. Vá-se entender o gosto do público!!!!


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