Thursday, May 19, 2016

O mapa da miséria


Pedro J. Bondaczuk


"O Brasil é um paraíso para a minoria, purgatório para a maioria e inferno para 20% do povo". A afirmação foi feita pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, no artigo "Pela ética do trabalho", publicado na edição de sexta-feira (11 de março) do jornal "O Estado de São Paulo".

Não se trata, todavia, de mera retórica populista ou de simples palavras de efeito, mas de duríssima e vergonhosa realidade. As observações foram até conservadoras se confrontadas com recentes estudos, abordando a questão trabalhista no País.

Na mesma edição, o jornal publicou o "Mapa do Mercado de Trabalho no Brasil", elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, com números referentes a 1990, quando a crise, especialmente a social, não era ainda tão aguda, embora grave.

A primeira constatação do documento já é, por si só, revoltante. Dá conta de que 10% da população economicamente ativa, estimada na oportunidade em 62,1 milhões de pessoas, tinha remuneração inferior a um salário mínimo. Hoje, esse contingente, certamente, é muito maior.

Mas o estudo vai mais longe. Revela que 30,8% da massa potencial de trabalhadores estava desocupada, ocupada sem remuneração (ou seja, trabalhando apenas por um prato de comida, sabe-se lá de que espécie) ou ganhava meenos do que a menor remuneração legal do País.

Tem razão o Betinho. Essas pessoas não precisam temer o inferno, pois já estão nele. O desemprego explícito era de 2.29 milhões. Vinte por cento da população economicamente ativa ocupava subempregos, também recebendo menos de um salário mínimo.

Mas o estudo tem uma explicação para isso (ou pelo menos quem o analise, mesmo sem a devida atenção, conclui que explique a vexatória situação). É a constatação de que 48,1% da riqueza produzida pelos brasileiros (que não é pequena, atinge US$ 450 bilhões, o nono Produto Interno Bruto do mundo) está concentrada nas mãos de 10% dos habitantes. Aos demais resta o quê? A miséria, a fome, o desespero, a violência e a absoluta exclusão da cidadania.

Betinho abre o supracitado artigo com as seguintes palavras duras, mas verdadeiras: "Um país que exclui, que não se organiza para propiciar trabalho, emprego, renda para todos os seus habitantes, não é ético, é perverso. Uma economia que não integra todas as pessoas não é ética. Uma sociedade que só oferece possibilidades de trabalho normal, regular, remunerada para uma minoria e que deixa a maioria à margem, à míngua, não é democrática, é imoral".

Daí o sociólogo estar lançando outra campanha, de maior alcance social do que a de combate à fome, que é a de geração de empregos. Esses brasileiros desassistidos, desnutridos, desesperados e famintos não querem esmola, mas uma perspectiva de vida melhor. Querem trabalho, oportunidades, esperança.

Betinho acentua: "Uma vez, se falou em milagre econômico que gerou um desastre no País; agora voltamos a falar novamente em milagre, mas que vem de baixo, baseado na solidariedade, cidadania e participação".

Temos plenas condições de uma virada de rumos. Basta que haja "vontade nacional" para isso. Da forma como as coisas estão, hoje, só é possível fazer um desabafo, desalentado, como o de Paulo Prado: "Numa terra radiosa vive um povo triste". E faminto, aduziríamos.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de março de 1994).



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