O mapa da miséria
Pedro J. Bondaczuk
"O
Brasil é um paraíso para a minoria, purgatório para a maioria e inferno para
20% do povo". A afirmação foi feita pelo sociólogo Herbert de Souza, o
Betinho, no artigo "Pela ética do trabalho", publicado na edição de
sexta-feira (11 de março) do jornal "O Estado de São Paulo".
Não
se trata, todavia, de mera retórica populista ou de simples palavras de efeito,
mas de duríssima e vergonhosa realidade. As observações foram até conservadoras
se confrontadas com recentes estudos, abordando a questão trabalhista no País.
Na
mesma edição, o jornal publicou o "Mapa do Mercado de Trabalho no
Brasil", elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
IBGE, com números referentes a 1990, quando a crise, especialmente a social,
não era ainda tão aguda, embora grave.
A
primeira constatação do documento já é, por si só, revoltante. Dá conta de que
10% da população economicamente ativa, estimada na oportunidade em 62,1 milhões
de pessoas, tinha remuneração inferior a um salário mínimo. Hoje, esse
contingente, certamente, é muito maior.
Mas
o estudo vai mais longe. Revela que 30,8% da massa potencial de trabalhadores
estava desocupada, ocupada sem remuneração (ou seja, trabalhando apenas por um
prato de comida, sabe-se lá de que espécie) ou ganhava meenos do que a menor
remuneração legal do País.
Tem
razão o Betinho. Essas pessoas não precisam temer o inferno, pois já estão
nele. O desemprego explícito era de 2.29 milhões. Vinte por cento da população
economicamente ativa ocupava subempregos, também recebendo menos de um salário
mínimo.
Mas
o estudo tem uma explicação para isso (ou pelo menos quem o analise, mesmo sem
a devida atenção, conclui que explique a vexatória situação). É a constatação
de que 48,1% da riqueza produzida pelos brasileiros (que não é pequena, atinge
US$ 450 bilhões, o nono Produto Interno Bruto do mundo) está concentrada nas
mãos de 10% dos habitantes. Aos demais resta o quê? A miséria, a fome, o
desespero, a violência e a absoluta exclusão da cidadania.
Betinho
abre o supracitado artigo com as seguintes palavras duras, mas verdadeiras:
"Um país que exclui, que não se organiza para propiciar trabalho, emprego,
renda para todos os seus habitantes, não é ético, é perverso. Uma economia que
não integra todas as pessoas não é ética. Uma sociedade que só oferece
possibilidades de trabalho normal, regular, remunerada para uma minoria e que
deixa a maioria à margem, à míngua, não é democrática, é imoral".
Daí
o sociólogo estar lançando outra campanha, de maior alcance social do que a de
combate à fome, que é a de geração de empregos. Esses brasileiros
desassistidos, desnutridos, desesperados e famintos não querem esmola, mas uma
perspectiva de vida melhor. Querem trabalho, oportunidades, esperança.
Betinho
acentua: "Uma vez, se falou em milagre econômico que gerou um desastre no
País; agora voltamos a falar novamente em milagre, mas que vem de baixo,
baseado na solidariedade, cidadania e participação".
Temos
plenas condições de uma virada de rumos. Basta que haja "vontade
nacional" para isso. Da forma como as coisas estão, hoje, só é possível
fazer um desabafo, desalentado, como o de Paulo Prado: "Numa terra radiosa
vive um povo triste". E faminto, aduziríamos.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de março de 1994).
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