Decamerão inspira livro
de escritor inglês
Pedro
J. Bondaczuk
A pandemia de peste
bubônica que a partir de 1347 varreu a maior parte da Europa, dizimando milhões
e milhões de pessoas, também foi tratada pelo escritor inglês Geoffrey Chaucer,
tido e havido como o “pai” da literatura inglesa (o que considero um exagero).
É certo que ele foi um dos primeiros a se utilizar do seu idioma pátrio para
redigir seus livros. Até meados do século XIV, as línguas usadas na redação de
textos literários eram somente o latim (majoritariamente) e o francês. Todavia,
ele não foi o único a recorrer ao inglês. Nem por isso, diga-se de passagem,
foi menos importante. Sua obra mais conhecida – lançada, inclusive, no Brasil –
é “Os contos de Cantuária” que, todavia, ficou inacabada. Não deu tempo para
Chaucer acabá-la. Morreu antes.
Meu objetivo, porém,
não é tratar de sua biografia, até porque há fartas e excelentes fontes a
respeito. É mostrar como ele tratou a pandemia que grassava também na
Inglaterra quando ele nasceu (em 1343) e à qual, obviamente, sobreviveu. A
rigor, seu livro contém pouquíssimas referências à peste bubônica, da qual foi
contemporâneo. Há uma explicação até lógica para isso. Geoffrey Chaucer era um
poeta cortesão, ligado, portanto, à realeza da Inglaterra. E embora seus
escritos contenham certa carga de denúncia social, não lhe convinha adotar
descrições explícitas e demasiado cruas. Pudera! Se o fizesse, isso implicaria
em críticas à realeza, com a qual não estava disposto a nenhum tipo de ruptura.
“Os Contos de
Cantuária” é uma coleção de histórias (duas em prosa e vinte e duas em verso)
escritas a partir de 1387 por Geoffrey Chaucer. Seu projeto era que esse número
chegasse a 116. Não deu tempo. Morreu antes, em 25 de outubro de 1400. No livro,
cada conto é narrado por um peregrino de um grupo de 29, que realiza uma viagem
de Southwark (Londres) à Catedral de Cantuária. O objetivo dos romeiros era
visitar o túmulo de São Thomas Becket, bispo católico assassinado em 1170 por
partidários do rei Henrique II. A fonte mais importante de Chaucer na
composição da sua obra foi o “Decamerão”, de Giovanni Boccaccio. Destaque-se
que ele conheceu pessoalmente o escritor florentino, com quem se encontrou,
quando visitou Florença, em uma das tantas viagens que fez.
Recorde-se que o livro
de Boccaccio também apresenta uma coleção de contos (cem) narrada por um grupo
de pessoas (dez). Várias das histórias do escritor inglês têm paralelo na obra
do colega florentino. Contudo, há múltiplas diferenças e escassas semelhanças
entre as duas narrativas. A novidade de Chaucer está no universo dos contos e
dos personagens. No “Decamerão”, os dez narradores são todos nobres em fuga da
peste negra. Já em “Os Contos de
Cantuária” os contadores de histórias representam todas as classes sociais,
desde o povo comum (moleiro, cozinheiro etc.), a religiosos (monge, prioresa) e
nobres (cavaleiro, escudeiro). Cada personagem narra um conto conforme sua
visão de mundo.
Na pousada, onde o
grupo criado por Chaucer estava hospedado, por sugestão do hoteleiro, os
romeiros resolvem passar o tempo contando histórias. Aquele que contasse a
melhor, na opinião da maioria, ganharia um jantar grátis. A partir desse ponto
cada personagem faz sua narrativa, de grande variedade temática, conforme a
posição social de cada um. Muitos dos relatos são precedidos por um pequeno
prólogo, e muitos são comentados entre os personagens depois de contados.
Chaucer refere-se mais diretamente à epidemia, pelo que pude apurar, em apenas
dois dos contos: no do retrato do médico que ganhava um dinheirinho extra em
tempos de peste e no do vendedor de indulgências, em que três jovens
embriagados decidem (vejam só!) matar a Morte, que fazia imensos estragos em
tempos de epidemia.
Transcrevo este trecho
desta última história: “(...) – Senhor – respondeu o rapaz – não há necessidade
disso, pois fiquei sabendo do caso duas hortas antes que vocês chegassem.
Trata-se, por certo, de um amigo de vocês. Foi morto de repente, na noite
passada, enquanto estava deitado num banco, completamente bêbado. Aproximou-se
dele um ladrão – ao qual chamam de Morte – que anda por aí matando a todos que
encontra, e lhe atravessou o coração com uma lança, fugindo a seguir, sem
pronunciar uma única palavra. Essa figura sinistra assassinou milhares de
pessoas na presente peste e me parece, senhores, que é preciso que vocês tomem
precauções antes de enfrentarem um adversário como este. Vocês devem estar
preparados pois, se saírem de peito aberto ao encontro desse ladrão (minha mãe
assim advertiu) correm sério perigo. Não posso dizer-lhes nada mais (...)”. Nem
eu!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment