Seqüela do desencanto
Pedro J. Bondaczuk
Os
vários grupos terroristas que atuam, hoje, em praticamente todas as partes do
mundo, e que tornam o Planeta ainda mais inseguro e tenso do que sempre foi, já
fizeram enormes estragos em apenas três meses, meros 90 dias de 1986.
Assassinaram, por exemplo, o primeiro-ministro da Suécia, Olof Palme, em uma
rua de Estocolmo e escaparam impunes.
Foram
mais longe. Avariaram aviões, explodiram uma discoteca em Berlim Ocidental ,
mataram dezenas de pessoas inocentes (como sempre acontece em suas ações
criminosas) em Bangcoc, na Tailândia, ao tentarem atingir o secretário de
Defesa dos EUA, Caspar Weinberger; seqüestraram empresários, jornalistas,
diplomatas etc. em vários lugares, explodiram grande quantidade de carros-bombas
e vai por aí afora. Enfim, barbarizaram, incomodaram, assustaram e
aterrorizaram pessoas e governos das mais diversas maneiras.
Causou
muita estranheza o fato de uma das vítimas do terrorismo ter sido o
primeiro-ministro sueco, justo ele que sempre caracterizou a sua ação política
pela apaixonada defesa dos países do Terceiro Mundo contra a crescente
exploração por parte das potências e das grandes corporações supranacionais, em
detrimento dos seus povos.
Nenhum
grupo ou organização assumiu a autoria desse atentado e muito menos tentou se
justificar perante a opinião pública. É verdade que a violência não se
justifica. Contudo, via de regra, após algum atentado, sempre quem o pratica
(ou, pelo menos, o assume) tenta explicar a razão do seu ato, mesmo que não
convença ninguém. No caso da morte de Palme, contudo, isso não aconteceu.
Ontem,
a Federação Internacional de Associações de Pilotos de Linhas Aéreas, que se
prepara para realizar uma reunião em Londres, divulgou um comunicado, em que
faz chocantes revelações. Assegura, em nota oficial, que o Boeing 727, de uma
empresa aérea mexicana, que caiu, em 31 de março passado, na montanha “El
Carbón”, foi, mesmo, atingido por uma bomba, conforme se suspeitou na ocasião.
O
desastre deixou 166 pessoas (totalmente alheias a qualquer tipo de disputa
política) mortas. E por que? Apenas para que determinadas facções, que não têm
a menor consideração pela vida de quem quer que seja, ganhassem espaço e
notoriedade na imprensa.
Aliás,
desde o ano passado, vários especialistas que se dedicam ao estudo das causas
do terrorismo advertiram as autoridades que os atentados iriam aumentar em 1986.
Nada de prático, em termos preventivos, foi feito para evitar o crescimento
desse tipo de ação. E ele, de fato, cresceu até aqui.
A
reação imediata a esse aumento da violência foi aquela esperada: queda abrupta
no turismo, em especial para as regiões em que os ataques terroristas são mais
freqüentes. Mas ela partiu das próprias vítimas em potencial, e não das
autoridades encarregadas de garantir sua segurança, liberdade e tranqüilidade.
Não
satisfeitos com as mortes e prejuízos que causaram, os diversos grupos
terroristas mostram-se dispostos a ir ainda mais longe. Pretendem levar
desassossego e pânico para praticamente qualquer recanto do Planeta em que haja
algum maluco disposto a se matar por uma causa perdida. E estes, convenhamos, é
o que não falta e nem nunca faltou.
O
México, por exemplo, nunca esteve incluído na rota do terror. E muito menos a
Austrália que, dias atrás, conheceu a pavorosa experiência de presenciar a
explosão de um carro-bomba. Outros tantos países pacatos e pacíficos correm o
risco de sofrerem dissabores como este.
Quando
a violência ganha tamanho espaço na vida das pessoas e de povos, a ponto de
assustar, até, autoridades das superpotências (como foi o caso, na semana
passada, do vice-presidente norte-americano, George Bush, que confessou receio
de viajar para o Golfo Pérsico, por entender que os aviões se transformaram em
roletas-russas para os viajantes) é caso para todos nós ficarmos com a pulga atrás da orelha.
Algo
de muito errado está ocorrendo no relacionamento internacional para desprezar
tamanho desprezo pela vida. É uma atitude que reflete, sobretudo, desencanto.
Revela total descrença nos políticos e nos diplomatas, impotentes para
solucionar controvérsias através do diálogo e da negociação. E não é para
menos. As injustiças, sobretudo as sociais, multiplicam-se vertiginosamente
mundo afora, gerando frustrações, revolta e um desejo até subconsciente de
vingança por parte dos que são afetados por elas. E nada é mais perigoso do que
a ação de quem está certo de não ter mais coisa alguma a perder.
Enquanto
um em cada habitante da Terra continuar passando fome, num período de
superabundância de alimentos; enquanto um em cada quatro indivíduos não contar
com sequer um teto de palha, ou ao menos uma caverna, para se abrigar; enquanto
bilhões e bilhões de dólares continuarem sendo jogados fora numa aventura
estúpida e insensata como é a corrida armamentista nuclear; enquanto houver a
proporção de 46 soldados para cada grupo de mil pessoas no mundo como ocorre
agora e apenas um médico para esse mesmo contingente, enquanto persistirem
todas essas aberrações e tantas outras conhecidas de sobejo, nada e ninguém
conseguirão deter os terroristas e, claro, o terrorismo.
Essa,
e apenas essa, é a dura realidade deste final de século e de milênio. Tudo o
que se disser em contrário, na tentativa de se apregoar um progresso que, se
existir, é apenas material e alcança inexpressiva minoria, não passará de
retórica vazia, para fins puramente promocionais, destinada aos néscios e aos
alienados.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 10 de abril de
1986)
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