Saturday, May 21, 2016

Impaciência ameaça a glasnost



Pedro J. Bondaczuk


A abertura política em andamento na União Soviética, comandada pelo presidente Mikhail Gorbachev, tem propiciado um volume de informações tão grande, sobre a superpotência do Leste europeu, como nunca, em tempo algum no pós-guerra, ocorreu.

Regiões completamente desconhecidas para o grande público, como os enclaves de Nagorno-Kharabalkaskaya e da Abkhazia, de repente, acabam ficando populares, por causa dos conflitos étnicos que lá ocorrem. Repúblicas antes só conhecidas em livros de geografia, como a Armênia, o Azerbaijão, o Kazaquistão, o Uzbequistão, a Geórgia e a Bielo-Rússia, da noite para o dia passaram a ser mencionadas nas ruas, até por pessoas de cultura mediana, quando não sofrível.

O mais notável, em trudo isso, é a forma como Gorbachev vem conduzindo o processo de abertura, normalmente traumático, após tanto tempo de repressão. Mesmo enfrentando distúrbios, sucessivas greves, manifestações de protesto e até atentados terroristas, em momento algum do líder do Cremlin ameaçou os desafetos com eventual e brusco fechamento do regime ou com retrocessos institucionais, como os do tempo de Stalin, como, aliás, fez o seu colega chinês, Deng Xiaoping, que mostrou não ter nervos de aço para conduzir tarefa de tamanha envergadura.

É verdade que o presidente soviético foi à televisão, em rede nacional, e em várias oportunidades, para apelar por bom senso dos opositores e até de correligionários mais afoitos. Mudar de uma hora para outra uma estrutura envelhecida e ineficiente, bruscamente, de repente, não é um primor de sensatez. Pode gerar o caos, caso as rédeas do processo escapem das mãos do condutor do processo.

Ninguém, por maior má vontade que possa ter em relação a Gorbachev, pode negar que ele revolucionou (e vem revolucionando) a União Soviética. Desmascarou os que asseguravam que o país era uma espécie de paraíso na Terra. Não é e nunca foi! Pelo contrário!

O presidente soviética, por exemplo, reformou a vida política do país, instituindo um Parlamento com personalidade, que deixou de ser um mero o boizinho de presépio do déspota de plantão que sempre foi. Promoveu eleições nacionais com mais de um candidato, novidade na URSS e teve grandeza suficiente para respeitar a vontade popular, que exilou da política muitos dos barões assinalados do regime soviético.

Por outro lado, retirou as tropas do seu país do Afeganistão e expandiu os contatos diplomáticos em todas as direções. Enfim, começou a inserir, finalmente, a superpotência oriental na comunidade mundial, não mais como uma ameaça à liberdade dos povos ou, principalmente, à sobrevivência da espécie humana, mas na qualidade de um importante parceiro na busca de soluções para os gigantescos problemas com os quais todos convivemos.

O que se espera, somente, é que os soviéticos tenham cabeça, nesse momento decisivo da sua história, e não tumultuem um processo que tem tudo para dar certo, se a impaciência e as tentativas de sabotagem dos conservadores de linha-dura puderem ser contidas, e sem o uso da violência.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 27 de julho de 1989)


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