Friday, May 20, 2016

Inércia do Irã


Pedro J. Bondaczuk

O seqüestro do Airbus A-300 da linha aérea do Kuwait, iniciado na terça-feira quando o aparelho se dirigia ao Paquistão, e cujo desfecho está sendo sumamente trágico, é o pior incidente desta espécie dos últimos tempos. Pelo menos em termos de reféns mortos. O que causa uma certa estranheza, entretanto, nos observadores é a imperícia com que as autoridades iranianas vêm conduzindo as negociações com os terroristas, o que até certo ponto justifica as suspeitas de alguns círculos da Casa Branca de que elas seriam coniventes com os piratas aéreos. Ou, na pior das hipóteses, simpatizariam com eles.

O gigantesco avião está estacionado no aeroporto Merhabad, em Teerã, há cinco dias. É impossível que os estoques de alimentos do aparelho fossem suficientes para tanto tempo. É óbvio que os seqüestradores estão recebendo ajuda externa. De quem? O clima de tensão, principalmente entre os passageiros, (cidadãos inocentes que nada tem a ver com as estrepolias, ditas políticas, dos responsáveis pelo seqüestro), é certamente insuportável.

Além do confinamento, obviamente indesejável, e dos naturais transtornos de uma viagem tão abruptamente interrompida, os reféns ainda correm o risco real de vida. Quatro deles, pelo menos, já foram sacrificados, vítimas do cego fanatismo que não mede conseqüências para a consecução de seus atos. E nesse período todo, autoridades acostumadas a lidar com situações dessa espécie (aliás, ninguém tem mais "know-how" sobre reféns do que os iranianos, recordistas mundiais de manutenção de pessoas seqüestradas em seu poder) não conseguiram vislumbrar nenhuma solução? No mínimo, é um tanto insólito.

Pelos informes disponíveis, os seqüestradores são libaneses, e não palestinos, como a princípio se pensou. E a impressão que se tem é que esse grupo desconhecido até aqui, chamado de "17 de Setembro", que teria assumido o ato, não passa, na verdade, de disfarce da organização "Jihad", que estaria, dessa forma, cumprindo a ameaça, feita no início de novembro, de atingir bens ou cidadãos norte-americanos no Exterior.

Que facções terroristas cometam tais desatinos, ainda se espera, pois esses celerados pouco se importam com possíveis conseqüências. Provavelmente nem atinam com o alcance daquilo que fazem. Mas que um governo, mesmo que por simples omissão, facilite essa tarefa nefasta, é algo intolerável e contrário a todas as normas de relacionamento internacional em períodos de paz.

Várias evidências apontam que os seqüestradores pertencem à terrível "Jihad" libanesa. Em primeiro lugar, a exigência dos piratas aéreos. Eles querem a libertação de 21 terroristas, presos no Kuwait, condenados por ataques feitos contra instalações norte-americanas e francesas. E essas ações foram realizadas pelo grupo "Jihad". O segundo ponto que chama a atenção é o fato da metade das vítimas fatais serem norte-americanas, e da maior parte dos 66 reféns, que estão em seu poder, serem da mesma nacionalidade.

É do conhecimento de todos que o regime do Irã apóia (e há até suspeitas de que participe) das atividades delituosas do "Jihad". Por todas essas razões, a inércia das autoridades iranianas desperta, não apenas suspeitas, mas a quase certeza da sua cumplicidade. E se isso se confirmar, não há dúvida, é um flagrante ato de guerra contra os EUA, que pode ter até desdobramentos no futuro.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 8 de dezembro de 1984)

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