Monday, May 16, 2016

Razões da invasão iraquiana



Pedro J. Bondaczuk


O atual conflito no Golfo Pérsico, deflagrado pela invasão das tropas iraquianas ao Kuwait, no dia 2 passado, com a posterior anexação do pequeno, mas rico, emirado, agora transformado formalmente na 19ª província do Iraque, tem, como toda guerra (embora esta, até aqui, tenha sido somente de nervos), uma causa econômica e outra de caráter estratégico-militar.

A primeira delas é óbvia. Afinal, a totalidade do território kuwaitiano está situado sobre um virtual lago subterrâneo de petróleo. Tamanha riqueza fazia do país ora conquistado o primo rico do Golfo Pérsico, despertando cobiças e antipatias da parte dos árabes mais pobres. Por essa razão, a comunidade não vem atuando coesa na presente crise.

Em se tratando de uma sociedade nacional virtualmente sem forças armadas, militarmente desprotegida, na dependência das potenciais ocidentais para assegurar sua soberania (comprada com petrodólares) não é de se estranhar que um general ambicioso, como é Saddam Hussein, e suficientemente temerário para enfrentar até mesmo as duas superpotências simultaneamente, se sentisse tentado em sua conquista. E foi o que aconteceu.

O pretexto usado foi o de que os kuwaitianos estavam roubando petróleo do Iraque, como poderia ser qualquer outro. Não foi difícil arranjar desculpa para a invasão. No aspecto estratégico, convém ressaltar o fato de que o território iraquiano praticamente não tem saída para o mar.

O país detém a terceira maior reserva de petróleo do mundo que, para ser exportada, depende, praticamente, da boa-vontade dos vizinhos, que nem sempre lhe têm sido simpáticos. A única faixa litorânea é aquela onde se localiza Basra, a segunda maior cidade do Iraque, cercada por todos os lados por inacessíveis pantanais.

As exportações petrolíferas são feitas através de terminais situados no Mediterrâneo e no Mar Vermelho. Para chegar ao primeiro,  dois oleodutos cortam toda a Turquia. E ao segundo, um outro atravessa a Arábia Saudita. Bastou que ambos fechassem tais condutores de óleo para que os iraquianos não pudessem tirar mais o produto, maior e quase exclusiva fonte de divisas do país. Ocupando o Kuwait, Saddam Hussein passaria a dispor de portos próprios.

Aliás, foi essa mesma mediterraneidade do Iraque que o levou a uma guerra sangrenta e desgastante de oito anos com o Irã. Hussein, na ocasião, como agora, calculou mal sua estratégia. Raciocinou que, como os iranianos passavam por um momento de absoluto caos, com a ascensão dos aiatolás ao poder, na esteira de uma confusa Revolução Islâmica, a tarefa não seria nada difícil. Isto a despeito dos persas disporem do dobro da população e do território do seu próprio país. Afinal, o Irã estava acéfalo em termos de comando militar, já que Ruhollah Khomeini havia mandado executar a maioria dos oficiais das forças armadas, leal ao deposto xá Mohammed Rhezza Pahlevi.

Essa guerra tinha tudo para durar poucos dias. O mundo todo, além disso, havia se voltado contra os iranianos (como agora também se volta contra o Iraque), depois da tomada da embaixada norte-americana em Teerã, em 4 de novembro de 1979, por parte de fundamentalistas xiitas.

Hussein chegou a dar prazo de duas semanas para trazer seus soldados vitoriosos de volta para casa. Levou oito anos e sem obter a vitória que prometeu. Muitos voltaram  em caixões ou mutilados.

O presidente iraquiano cometeu erros primários na oportunidade. Um deles, logístico, é imperdoável num general. Ao invés de invadir o território inimigo com o emprego de uma força aerotransportada, de deslocamento rápido, de preferência de pára-quedistas, optou por colunas de blindados.

Mas ao chegar na orla do deserto, a areia entrou  nas lagartas dos tanques, que estão até hoje no local, a atestar a incompetência militar de Hussein. Não tardou muito para que os iranianos se reorganizassem e, na base do puro fanatismo, expulsassem os iraquianos do seu território.

A mesma inabilidade foi demonstrada agora, na cartada do presidente para ocupar, além do Kuwait, a Arábia Saudita. Se isso desse certo, o mundo industrializado ficaria à sua mercê. Ele se transformaria no virtual dono dos maiores mananciais de petróleo do Planeta.

Se no primeiro momento da invasão ao pequeno emirado Hussein mantivesse o ímpeto do avanço, não haveria exército, por mais hábil que fosse, que o desalojaria das arenosas posições sauditas. Esse general temerário, porém, vacilou, se é que de fato pretendia conquistar o reino de Fahd. Agora isso torna-se impossível.

Quanto ao destino do Kuwait, dificilmente o país vai recuperar sua soberania pelas vias da negociação. Várias gerações de iraquianos (principalmente o atual oficialato jovem) foram ensinadas que esse território de fato lhes pertence. Que essas areias, que escondem tamanho tesouro, foram usurpadas quando da ocupação do Iraque pela Grã-Bretanha, em 1914.

Tal invasão, na oportunidade, ocorreu em virtude da entrada da Turquia, antiga senhora do país de Hussein, na Primeira Guerra Mundial, na condição de aliada da Alemanha. Os britânicos pretextaram que estavam invadindo o Iraque para proteger sua posição no Golfo Pérsico e impedir a progressão turco-germânica na região.

Os nacionalistas nunca esqueceram essa afronta. Daí Hussein ter obtido apoio com tanta facilidade para sua aventura atual. Bastou-lhe justificar a invasão do Kuwait com a bandeira do nacionalismo, bem ao estilo do egípcio Gamal Abdel Nasser, de quem se confessa um seguidor, para conquistar a adesão não somente de iraquianos, mas de todos os árabes, jordanianos, palestinos, tunisianos, yemenitas, que se julgam oprimidos pelo Ocidente e sonham com o ressurgimento do Islã.          

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 31 de agosto de 1990).


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