Razões
da invasão iraquiana
Pedro J. Bondaczuk
O
atual conflito no Golfo Pérsico, deflagrado pela invasão das tropas iraquianas
ao Kuwait, no dia 2 passado, com a posterior anexação do pequeno, mas rico,
emirado, agora transformado formalmente na 19ª província do Iraque, tem, como
toda guerra (embora esta, até aqui, tenha sido somente de nervos), uma causa
econômica e outra de caráter estratégico-militar.
A
primeira delas é óbvia. Afinal, a totalidade do território kuwaitiano está
situado sobre um virtual lago subterrâneo de petróleo. Tamanha riqueza fazia do
país ora conquistado o primo rico do Golfo Pérsico, despertando cobiças e
antipatias da parte dos árabes mais pobres. Por essa razão, a comunidade não
vem atuando coesa na presente crise.
Em
se tratando de uma sociedade nacional virtualmente sem forças armadas,
militarmente desprotegida, na dependência das potenciais ocidentais para
assegurar sua soberania (comprada com petrodólares) não é de se estranhar que
um general ambicioso, como é Saddam Hussein, e suficientemente temerário para
enfrentar até mesmo as duas superpotências simultaneamente, se sentisse tentado
em sua conquista. E foi o que aconteceu.
O
pretexto usado foi o de que os kuwaitianos estavam roubando petróleo do Iraque,
como poderia ser qualquer outro. Não foi difícil arranjar desculpa para a
invasão. No aspecto estratégico, convém ressaltar o fato de que o território
iraquiano praticamente não tem saída para o mar.
O
país detém a terceira maior reserva de petróleo do mundo que, para ser
exportada, depende, praticamente, da boa-vontade dos vizinhos, que nem sempre
lhe têm sido simpáticos. A única faixa litorânea é aquela onde se localiza
Basra, a segunda maior cidade do Iraque, cercada por todos os lados por
inacessíveis pantanais.
As
exportações petrolíferas são feitas através de terminais situados no
Mediterrâneo e no Mar Vermelho. Para chegar ao primeiro, dois oleodutos cortam toda a Turquia. E ao
segundo, um outro atravessa a Arábia Saudita. Bastou que ambos fechassem tais
condutores de óleo para que os iraquianos não pudessem tirar mais o produto,
maior e quase exclusiva fonte de divisas do país. Ocupando o Kuwait, Saddam
Hussein passaria a dispor de portos próprios.
Aliás,
foi essa mesma mediterraneidade do Iraque que o levou a uma guerra sangrenta e
desgastante de oito anos com o Irã. Hussein, na ocasião, como agora, calculou
mal sua estratégia. Raciocinou que, como os iranianos passavam por um momento
de absoluto caos, com a ascensão dos aiatolás ao poder, na esteira de uma
confusa Revolução Islâmica, a tarefa não seria nada difícil. Isto a despeito
dos persas disporem do dobro da população e do território do seu próprio país.
Afinal, o Irã estava acéfalo em termos de comando militar, já que Ruhollah
Khomeini havia mandado executar a maioria dos oficiais das forças armadas, leal
ao deposto xá Mohammed Rhezza Pahlevi.
Essa
guerra tinha tudo para durar poucos dias. O mundo todo, além disso, havia se
voltado contra os iranianos (como agora também se volta contra o Iraque),
depois da tomada da embaixada norte-americana em Teerã, em 4 de novembro de
1979, por parte de fundamentalistas xiitas.
Hussein
chegou a dar prazo de duas semanas para trazer seus soldados vitoriosos de
volta para casa. Levou oito anos e sem obter a vitória que prometeu. Muitos
voltaram em caixões ou mutilados.
O
presidente iraquiano cometeu erros primários na oportunidade. Um deles,
logístico, é imperdoável num general. Ao invés de invadir o território inimigo
com o emprego de uma força aerotransportada, de deslocamento rápido, de
preferência de pára-quedistas, optou por colunas de blindados.
Mas
ao chegar na orla do deserto, a areia entrou
nas lagartas dos tanques, que estão até hoje no local, a atestar a
incompetência militar de Hussein. Não tardou muito para que os iranianos se
reorganizassem e, na base do puro fanatismo, expulsassem os iraquianos do seu
território.
A
mesma inabilidade foi demonstrada agora, na cartada do presidente para ocupar,
além do Kuwait, a Arábia Saudita. Se isso desse certo, o mundo industrializado
ficaria à sua mercê. Ele se transformaria no virtual dono dos maiores
mananciais de petróleo do Planeta.
Se
no primeiro momento da invasão ao pequeno emirado Hussein mantivesse o ímpeto
do avanço, não haveria exército, por mais hábil que fosse, que o desalojaria
das arenosas posições sauditas. Esse general temerário, porém, vacilou, se é
que de fato pretendia conquistar o reino de Fahd. Agora isso torna-se
impossível.
Quanto
ao destino do Kuwait, dificilmente o país vai recuperar sua soberania pelas vias
da negociação. Várias gerações de iraquianos (principalmente o atual oficialato
jovem) foram ensinadas que esse território de fato lhes pertence. Que essas
areias, que escondem tamanho tesouro, foram usurpadas quando da ocupação do
Iraque pela Grã-Bretanha, em 1914.
Tal
invasão, na oportunidade, ocorreu em virtude da entrada da Turquia, antiga
senhora do país de Hussein, na Primeira Guerra Mundial, na condição de aliada
da Alemanha. Os britânicos pretextaram que estavam invadindo o Iraque para
proteger sua posição no Golfo Pérsico e impedir a progressão turco-germânica na
região.
Os
nacionalistas nunca esqueceram essa afronta. Daí Hussein ter obtido apoio com
tanta facilidade para sua aventura atual. Bastou-lhe justificar a invasão do
Kuwait com a bandeira do nacionalismo, bem ao estilo do egípcio Gamal Abdel
Nasser, de quem se confessa um seguidor, para conquistar a adesão não somente
de iraquianos, mas de todos os árabes, jordanianos, palestinos, tunisianos,
yemenitas, que se julgam oprimidos pelo Ocidente e sonham com o ressurgimento
do Islã.
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 31 de agosto de
1990).
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