Instinto e Razão
Pedro
J. Bondaczuk
O homem, embora tenha o
privilégio de ser o único ser vivo dotado de razão – pelo menos no pedaço do
universo que conhecemos – é um animal como outro qualquer. Luta pelo seu
espaço, batalha pelo alimento que o mantenha vivo, empenha-se pela obtenção do
abrigo que o proteja das variações climáticas e de outros perigos, duela (se
preciso) pela parceira que lhe garanta a perpetuação da espécie etc., sem
nenhuma preocupação primária com os direitos do próximo.
É dotado pela natureza
de um conjunto de instintos que garantem sua sobrevivência como indivíduo. O
mais vem depois (quando vem) de consolidada essa garantia. À medida que vai se
civilizando, amplia o espaço do racional, em detrimento do instintivo. Isso não
quer dizer que esse mecanismo natural seja ruim ou inadequado. Pelo contrário.
Sem ele, a espécie humana certamente estaria extinta, como ocorreu com várias
outras, algumas das quais sequer deixaram vestígios.
Desde que seja
compreendido e direcionado pelo raciocínio, o instinto é útil, necessário e
indispensável. Torna-se ruim quando passa por cima da razão. Quando desencadeia
as forças cegas, primitivas, caóticas que existem latentes no coração humano.
Quando o homem retroage ao princípio e perde de vista as conquistas éticas e
morais de sucessivas gerações.
O instinto, puro e
simples, despido da razão, induz a comportamentos agressivos e egoístas. Quando
uma sociedade é baseada apenas nele, inexistem a solidariedade, a piedade e o
sentimento do coletivo. Ela corre o risco de extinção, mergulhada no caos e na
violência. Nas atuais, embora camuflado por um "verniz"
civilizatório, sobrevive forte e feroz. E, mais do que isso, em muitas
prevalece, impedindo sua evolução e a ameaçando de extinção.
O psicólogo
norte-americano Edward Lee Thorndike, no livro "A natureza original do
homem", observa: "Por instinto nós tememos, não os transmissores da
malária ou febre amarela, mas o trovão e o escuro; não lamentamos os homens bem
dotados que não recebem educação, mas a chaga saniosa do mendigo; uma grande
injustiça nos impressiona menos que um pouco de sangue; sofremos mais com o
olhar de desprezo dum garçom que não recebe gorjeta do que com a nossa própria
indolência, ignorância ou loucura". Estes são apenas alguns exemplos do
quanto a razão se faz necessária, para que tenhamos discernimento para julgar e
agir em cada situação.
O filósofo
norte-americano Will Durant reflete: "O instinto talvez nos tenha bastado
no primitivo estágio de caçadores; é por isso que nossos impulsos naturais nos
levam mais à caça do que ao trabalho da terra, e periodicamente sonhamos com o
'retorno à natureza'. Mas desde que a civilização começou, o instinto se faz
inadequado e a vida teve que pedir socorro à razão".
Não fosse esse resquício
de racionalidade existente na mente humana, e o homem talvez já houvesse
desaparecido do Planeta. Até mesmo em decorrência da sua fragilidade. Em termos
de força física, não canso de lembrar e de reiterar, é muito inferior a
inúmeras espécies de animais, que domina apenas pela sua inteligência, que o
leva a fabricar armas que o tornam poderoso e com as quais as supera. Além
disso, criou leis e códigos morais que impedem que os mais fortes do próprio
gênero humano escravizem, dominem ou eliminem semelhantes mais fracos.
Para chegar a esse
estágio, gerações e mais gerações juntaram experiências e deram sua
contribuição ao direito e à ética. A atividade humana onde mais conflitam
instinto e razão é a religião. Instintivamente, por medo, recorremos sempre a um
ser superior, de grande poder, que nos proteja de fenômenos que não
compreendemos e que nos "ameaçam". O desconhecido sempre atemoriza.
Nas religiões mais primitivas, as divindades (são múltiplas) são iracundas,
eróticas, vingativas, com as piores características humanas e que se impõem
pela força e pelo castigo.
Só indivíduos com a
racionalidade desenvolvida entendem que essa sabedoria universal, que criou e
rege com leis simples e imutáveis galáxias, estrelas, planetas e tudo o que há
(vivente ou não); que fez a matéria e a energia e que mantém tudo funcionando
com a precisão de um relógio, é construtiva, positiva, paternal e protetora. É
amor e não rancor. É razão e não instinto. Não requer de nós sacrifícios ou
pavores.
Albert Einstein, em um
de seus livros, observou: "Quanto mais avança a evolução espiritual da
humanidade, tanto mais certo me parece que o caminho para a religiosidade
genuína não passa pelo medo da vida, nem pelo medo da morte, nem pela fé cega,
mas pelo esforço por atingir o conhecimento racional. Neste sentido, creio que
o sacerdote tem que se tornar professor, se deseja fazer jus à sua sublime
missão educativa". O que não se pode é explorar as angústias e a falta de
luz de mentes simples para manipular essa gente primitiva.
Quanto mais
racionalidade houver na crença religiosa – desprovida de lendas, ídolos e ritos
– mais próximos estaremos do Deus verdadeiro (dêem-lhe o nome que quiserem),
fonte de onde emanam a sabedoria, a ciência e a vida, do qual somos a imagem e
semelhança. A razão tem avanços e retrocessos, dependendo de como cada geração
é educada pela que a precedeu.
Alois Góta observa:
"Há um processo vital no universo, no mundo, no planeta, nos continentes,
nas culturas, nos povos, nas tribos humanas, que se movimenta e enfraquece, que
ganha força e atinge seu máximo, para declinar e renascer uma vez mais,
infinitamente". A racionalidade também tem esses ciclos. Mas é preciso que
nunca decline ao ponto de ser ofuscada pelos instintos. Seria o fim desta ainda
precária civilização...
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