Thursday, May 12, 2016

Furor nacionalista ameaça perestroika


Pedro J. Bondaczuk


O projeto reformista do presidente Mikhail Gorbachev, para ser viável e se tornar aquela "revolução de baixo para cima" que ele tanto apregoou, precisa sobretudo solucionar de maneira democrática, e portanto consentida, a questão das nacionalidades.

A URSS sempre foi considerada um "cativeiro de nações", mesmo antes de 1917. Povos e mais povos foram sendo incorporados à Rússia imperial, pelos vários czares, através dos séculos, a poder de armas. O despertar do nacionalismo no país, induzido pelo próprio líder do Cremlin, constitui-se, pois, numa faca de dois gumes. Tanto pode resolver, de vez, o problema da federação, desde que o novo tratado em elaboração seja inteligente e atenda de fato às aspirações das várias etnias, fazendo com que elas se sintam comprometidas voluntariamente com a união, como conduzir a União Soviética a uma guerra civil de conseqüências imprevisíveis. E à fatal desagregação.

Gorbachev, ao despertar em seu povo o esquecido gosto pela controvérsia, que desde Joseph Stalin foi reprimido a ferro e fogo, através da glasnost, pode tanto ter plantado a semente de uma futura superpotência que de fato mereça essa classificação, capaz de se renovar explorando potencialidades adormecidas, quanto ter introduzido o vírus que conduzirá o país à inexorável dissolução. Os resultados da sua ação ele sequer chegará a ver. Dificilmente o presidente soviético conseguirá conduzir o processo que deflagrou até o fim.

O desgaste do mentor da perestroika, especialmente em relação ao separatismo, é evidente demais para não ser levado em conta. As mais recentes pesquisas de opinião demonstram que apenas 14% dos soviéticos acreditam ainda em sua sinceridade de propósitos e entregariam de bom grado a condução de seus destinos em suas mãos.

Enquanto sua estrela se apaga, a de Bóris Yeltsin não pára de subir. Gorbachev, originalmente, pretendia utilizar o Partido Comunista, revigorado pela competição em eleições com múltiplos candidatos, como instrumento de suas reformas.

Num determinado instante, todavia, percebeu que isso seria impossível. A agremiação caiu, virtualmente, em total descrédito junto à população. Daí ele ter proposto ao Soviete Supremo que lhe concedesse poderes extraordinários para agir. E para espanto geral, foi atendido.

Tal atitude, no entanto, fez dele ao invés de símbolo das mudanças, o bode expiatório de todos os males praticados por seus antecessores. A historiadora francesa Helène Carrère D'Encausse observou, com bastante lucidez, num artigo que publicou na revista L'Express: "Gorbachev tenta reunir em torno de seu nome a autoridade perdida pelo partido, mas o poder que se desenvolve na sociedade civil traz o forte risco de transformar a presidência em um poder fictício, capaz de polarizar as frustrações e o furor popular". Hoje, aliás, isto já nem é somente um perigo, mas uma realidade.

Sua autoridade sofre contestações por todo o país e seus decretos não têm sido sequer levados a sério. Avolumam-se os movimentos para exigir sua renúncia, como a greve dos mineiros de carvão, de cunho puramente político, depois que o Cremlin concordou com o atendimento das reivindicações salariais.

Por tudo isso é que muita gente faz hoje em dia a mesma pergunta feita pelo correspondente do jornal "O Estado de São Paulo" em Paris, Gilles Lapouge: "Por que milagre esse Gorbachev ainda não foi internado num hospital psiquiátrico? Reconheçamos que ninguém está em condições de dar uma resposta". Muito menos ele próprio.

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 9 de abril de 1991).


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