Furor
nacionalista ameaça perestroika
Pedro J. Bondaczuk
O
projeto reformista do presidente Mikhail Gorbachev, para ser viável e se tornar
aquela "revolução de baixo para cima" que ele tanto apregoou, precisa
sobretudo solucionar de maneira democrática, e portanto consentida, a questão
das nacionalidades.
A
URSS sempre foi considerada um "cativeiro de nações", mesmo antes de
1917. Povos e mais povos foram sendo incorporados à Rússia imperial, pelos
vários czares, através dos séculos, a poder de armas. O despertar do
nacionalismo no país, induzido pelo próprio líder do Cremlin, constitui-se,
pois, numa faca de dois gumes. Tanto pode resolver, de vez, o problema da
federação, desde que o novo tratado em elaboração seja inteligente e atenda de
fato às aspirações das várias etnias, fazendo com que elas se sintam
comprometidas voluntariamente com a união, como conduzir a União Soviética a
uma guerra civil de conseqüências imprevisíveis. E à fatal desagregação.
Gorbachev,
ao despertar em seu povo o esquecido gosto pela controvérsia, que desde Joseph
Stalin foi reprimido a ferro e fogo, através da glasnost, pode tanto ter
plantado a semente de uma futura superpotência que de fato mereça essa
classificação, capaz de se renovar explorando potencialidades adormecidas,
quanto ter introduzido o vírus que conduzirá o país à inexorável dissolução. Os
resultados da sua ação ele sequer chegará a ver. Dificilmente o presidente
soviético conseguirá conduzir o processo que deflagrou até o fim.
O
desgaste do mentor da perestroika, especialmente em relação ao separatismo, é
evidente demais para não ser levado em conta. As mais recentes pesquisas de
opinião demonstram que apenas 14% dos soviéticos acreditam ainda em sua
sinceridade de propósitos e entregariam de bom grado a condução de seus
destinos em suas mãos.
Enquanto
sua estrela se apaga, a de Bóris Yeltsin não pára de subir. Gorbachev,
originalmente, pretendia utilizar o Partido Comunista, revigorado pela
competição em eleições com múltiplos candidatos, como instrumento de suas
reformas.
Num
determinado instante, todavia, percebeu que isso seria impossível. A agremiação
caiu, virtualmente, em total descrédito junto à população. Daí ele ter proposto
ao Soviete Supremo que lhe concedesse poderes extraordinários para agir. E para
espanto geral, foi atendido.
Tal
atitude, no entanto, fez dele ao invés de símbolo das mudanças, o bode
expiatório de todos os males praticados por seus antecessores. A historiadora
francesa Helène Carrère D'Encausse observou, com bastante lucidez, num artigo
que publicou na revista L'Express: "Gorbachev tenta reunir em torno de seu
nome a autoridade perdida pelo partido, mas o poder que se desenvolve na
sociedade civil traz o forte risco de transformar a presidência em um poder
fictício, capaz de polarizar as frustrações e o furor popular". Hoje,
aliás, isto já nem é somente um perigo, mas uma realidade.
Sua
autoridade sofre contestações por todo o país e seus decretos não têm sido
sequer levados a sério. Avolumam-se os movimentos para exigir sua renúncia,
como a greve dos mineiros de carvão, de cunho puramente político, depois que o
Cremlin concordou com o atendimento das reivindicações salariais.
Por
tudo isso é que muita gente faz hoje em dia a mesma pergunta feita pelo
correspondente do jornal "O Estado de São Paulo" em Paris, Gilles
Lapouge: "Por que milagre esse Gorbachev ainda não foi internado num
hospital psiquiátrico? Reconheçamos que ninguém está em condições de dar uma
resposta". Muito menos ele próprio.
(Artigo publicado na página 16,
Internacional, do Correio Popular, em 9 de abril de 1991).
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