Poeta inovador e
crítico mordaz
Pedro
J. Bondaczuk
O italiano Francesco
Petrarca parece ter sido um desses sujeitos inquietos, sumamente curiosos, sem
medo de tentar coisas novas e críticos mordazes, mas quando a crítica se fazia
pertinente. Pelo menos é o que se deduz da leitura de suas várias biografias. A
dúvida que fica, todavia, é: “quanto, do que se escreveu sobre ele é fato e
quanto entrou no terreno da mera lenda?”. É impossível de se saber,
principalmente tendo em conta que esse personagem, sem dúvida fascinante,
clássico da Literatura ocidental, nasceu, viveu, atuou e morreu no distante
século XIV.Apesar do seu livro mais lido, estudado, analisado e apreciado ser
“Cancioneiro” – título, aliás, que nem foi ele quem deu – produziu algumas
outras obras-primas.
Recorro à enciclopédia
eletrônica Wikipédia para citar algumas delas. Entre estas estão: “’Secretum’
(‘Meu Livro Secreto’), diálogo imaginário, intensamente pessoal e cheio de
culpa com Augustine of Hippo; ‘De Viris Illustribus’ (‘Sobre os Homens
Famosos’), série de biografias morais; ‘Rerum Memorandarum Libri’, tratado
incompleto sobre as virtudes cardeais; ‘De Otio Religiosorum’ (‘Sobre o Lazer
Religioso’) e ‘De Vita Solitaria’ (‘Sobre a Vida Solitária’), que elogia a vida
contemplativa”. Ufa! Haja criatividade e talento! Mas não foi só.
Francesco Petrarca
publicou, ainda, de acordo com a Wikipédia: “’De Remediis Utriusque Fortunae’
(‘Remédios para os trancos e barrancos’), livro de auto-ajuda que permaneceu
popular por muitos anos; ‘Itinerarium’ (seu guia para a Terra Santa, ancestral
distante dos guias de viagem atuais); além de um número de críticas violentas
contra seus oponentes tais como médicos, escolásticos e os franceses, entre
outros”. Acabou? Ainda não! Publicou, ainda: “’Carmen Bucolicum’, coleção de
doze poemas pastorais; e o épico incompleto ‘Africa’, destacando a figura do
general romano Scipião, o Africano.. Publicou, também, volumes de suas cartas,
incluindo algumas para personalidades já mortas como Cícero e Virgílio”.
Boa parte dos livros (a
maioria) foi escrita em Latim. Sabe-se que Petrarca era exímio latinista.
Infelizmente, todavia, boa parte dos seus escritos nessa língua (“mãe” do
português e de vários outros idiomas) são difíceis de serem encontrados, por se
encontrarem de posse de particulares e, portanto, inacessíveis aos estudiosos e
ao público em geral. Outra dificuldade é a de datar suas obras. Petrarca, como
todo bom escritor que se preze, era perfeccionista. Sabe-se que ele revisava
seus livros a cada nova leva. Entre seus feitos, os especialistas lhe creditam
o fato de haver lançado as bases do idioma italiano, tal como se fala e se
escreve hoje (o oficial e não o de algum dialeto específico, dos tantos que há
na Itália).
Pode-se dizer, ainda,
que Petrarca foi responsável pelo desenvolvimento e fixação do chamado “Dolce
stil novo”. Tratava-se de um dos mais importantes movimentos literários da
Itália do século XIII que tinha, como “marca registrada”, a introspecção. Para
o leitor ter uma idéia da importância dessa forma de escrever, basta citar sete
poetas que se utilizaram dela antes de Petrarca: Dante Alighieri, Guido
Guinizzeli, Guido Cavalcanti, Lappo Gianni, Gianni Alfani, Dino Frescobaldi e
Cino de Pistois. Seu espírito inovador não parou por aí. Por exemplo, ele é
considerado “o pai do Humanismo”, escola filosófica que foi, praticamente, o
embrião da Renascença. Outra de suas façanhas foi a de aperfeiçoar a técnica do
soneto.
Muitos, erroneamente,
atribuem-lhe a invenção dessa forma de fazer poesia. Petrarca, porém, não foi
seu inventor. Ela surgiu muitos anos antes dele ter sequer nascido. Tempos
atrás, publiquei, neste espaço, um ensaio tratando da invenção do soneto.
Petrarca, porém, aperfeiçoou-o e boa parte dos poemas do “Cancioneiro” é
constituída por esse tipo de poesia. O compositor Franz Liszt chegou a musicar
três deles, com o título (óbvio) de “Tre sonetti Del Petrarca”, um primor de
sensibilidade artística que juntou dois gênios de duas expressões artísticas
diferentes.
Uma das coisas que o
poeta mais gostava de fazer era escrever cartas: para parentes, para
conhecidos, para amigos e sabe-se lá para mais quem. Entre as tantas que
escreveu (e que foram publicadas em vários livros), chama, em particular, a
atenção a datada de 3 de dezembro de 1365. Ela foi endereçada ao seu grande
amigo Giovanni Boccacio. Trata, especificamente, do assunto que é tema dessa
minha série de comentários sobre epidemias. Nessa carta, Petrarca não poupa
críticas às pessoas que não tomaram as providências necessárias para controlar
e debelar a peste bubônica que grassava na Europa. Escreve, em certo trecho:
“(...) São historiadores que emudecem. São médicos que não sabem como agir. São
filósofos que franzem o cenho e levantam os braços desconcertados (...)”.
Suas críticas mais
ácidas eram voltadas, principalmente, aos toscos profissionais de medicina de
então, cuja competência questionava duramente. Escreveu a respeito: “(...) Se
cem homens, ou mil, da mesma idade e constituição geral, e habituados à mesma
dieta, caíssem vítimas da doença ao mesmo tempo e a metade seguisse as prescrições
de nossos doutores contemporâneos, e a outra metade se guiasse por seu natural
instinto e senso comum, não tenho dúvidas que o último grupo se daria melhor
(...)”. É a sinceridade elevada à
enésima potência. Nenhum outro escritor, ao que se saiba, foi mais incisivo e
direto em suas críticas do que ele. Pesou, certamente, no caso, a morte de sua
amada Laura, vítima da peste bubônica.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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