Homem do destino tem poder
usurpado à força
Pedro J. Bondaczuk
O
mundo foi tomado de surpresa entre a noite de anteontem e a madrugada de ontem
--- levando-se em conta os 24 fusos horários mundiais --- por um despacho
curto, seco, vago, característico dos Estados policiais, da agência estatal de
notícias Tass, dando conta da deposição do presidente soviético, Mikhail
Gorbachev, e de sua substituição por uma comissão, liderada pelo
vice-presidente Gennady Yanaev, integrada por militares, membros da KGB e
comunistas conservadores.
O
informe justificou o clássico golpe como uma ação tendente a salvar o país das
"forças extremistas" --- como se as que lograram usurpar o poder não
o fossem --- que teriam decidido "desmantelar a URSS".
Dessa
forma, de repente, o "homem do destino", o mentor da
"perestroika", o político escolhido como o "estadista da
década" pela revista "Time", o ganhador do Prêmio Nobel da Paz
de 1990, como que num passe de magia negra, subitamente, foi retirado do
cenário internacional.
O
pretexto dos golpistas, entre os quais o primeiro-ministro Valentin Pavlov,
seria uma hipotética doença de Gorbachev, que o impossibilitaria de exercer as
funções presidenciais, tentando lançar mão de um dispositivo constitucional
para justificar o injustificável.
O
perigo maior para o mundo é o fato dos novos "manda-chuvas" do
Cremlin serem nitidamente aventureiros inconseqüentes --- caso contrário não
fariam o que fizeram --- alienados sobre o que se passa em seu país e no mundo.
Há somente 19 dias, a comunidade internacional vibrava com a nova parceria das
superpotências, substituindo o confronto que caracterizou suas relações nos
últimos 46 anos, pela cooperação, após a cordial reunião de cúpula de Moscou,
entre os presidentes George Bush e Mikhail Gorbachev. Agora, mantém-se em
estado de choque.
O
golpe dos conservadores foi uma terrível ducha de água fria no entusiasmo
mundial, quando a humanidade se aproximava, quem sabe, de um inédito e
prolongado período de paz. Hoje, sem dúvida nenhuma, paira o temor por toda a
parte.
As
reações têm sido cautelosas no Ocidente, mas nem por isso menos incisivas. É
verdade que os líderes das potências industrializadas já esperavam algo do
gênero. Tanto é que condicionavam qualquer ajuda financeira à URSS aos resultados
de suas reformas e principalmente à sua estabilidade política. Mas acreditavam
num "milagre".
O
ex-ministro de Relações Exteriores soviético, Eduard Shevardnadze, em
entrevista concedida à agência Novosti de seu país e publicada com
exclusividade em todo o Brasil pelo "Correio Popular", em sua edição
de domingo, ressaltou que o perigo de um retrocesso totalitário não havia
passado.
Disse,
textualmente: "A ameaça do retorno ao totalitarismo subsiste. A psicologia
das pessoas foi formada durante décadas. As forças conservadoras e reacionárias
têm estruturas próprias bem organizadas e o poder real, inclusive o
militar". Proféticas palavras.
O
mundo agora quer saber qual a conseqüência do golpe contra Gorbachev. O que
esperar? Os analistas de política internacional, intérpretes da realidade,
estão perplexos diante dos acontecimentos. Que previsão fazer? Esta é a
dificuldade do comentarista diário, obrigado a atuar sobre o fato ainda
inconcluso, o que o induz a erros de avaliação, que seriam evitados com um
distanciamento maior dos acontecimentos.
A
lógica prevê uma reação dos cidadãos, especialmente das nove Repúblicas que
iriam assinar, hoje, o novo Tratado de União, que foi cancelado por Yanaev e
sua "trouppe". A Federação Russa, que abriga mais de 50% da população
do país e que elegeu de forma consagradora Bóris Yeltsin para a sua
Presidência, em 12 de junho, certamente irá reagir.
Não
se pode afirmar que a URSS vá, fatalmente, cair numa guerra civil. Mas esta é a
conclusão mais óbvia que se pode tirar neste momento. E não é necessário ser
nenhum gênio em estratégia político-militar para saber o que uma confrontação
sangrenta significa para uma nação de tamanha importância para o equilíbrio
mundial.
Se
as lutas étnicas na Iugoslávia, que tem 23 milhões de habitantes, vêm causando
tamanha inquietação, imagine-se o alarme que pode provocar o caos no terceiro
país mais populoso do Planeta, o único que, ao lado dos EUA, pode destruir em
minutos toda a Terra!
Não
foi para fazer retórica que Gorbachev alertou, em Oslo, em maio passado, ao
receber o seu Nobel, que a "perestroika" era fundamental não somente
para os soviéticos, mas para o mundo. E como era!
(Artigo
publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 20 de agosto de
1991).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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