Tuesday, May 31, 2016

Homem do destino tem poder usurpado à força


Pedro J. Bondaczuk


O mundo foi tomado de surpresa entre a noite de anteontem e a madrugada de ontem --- levando-se em conta os 24 fusos horários mundiais --- por um despacho curto, seco, vago, característico dos Estados policiais, da agência estatal de notícias Tass, dando conta da deposição do presidente soviético, Mikhail Gorbachev, e de sua substituição por uma comissão, liderada pelo vice-presidente Gennady Yanaev, integrada por militares, membros da KGB e comunistas conservadores.

O informe justificou o clássico golpe como uma ação tendente a salvar o país das "forças extremistas" --- como se as que lograram usurpar o poder não o fossem --- que teriam decidido "desmantelar a URSS".

Dessa forma, de repente, o "homem do destino", o mentor da "perestroika", o político escolhido como o "estadista da década" pela revista "Time", o ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1990, como que num passe de magia negra, subitamente, foi retirado do cenário internacional.

O pretexto dos golpistas, entre os quais o primeiro-ministro Valentin Pavlov, seria uma hipotética doença de Gorbachev, que o impossibilitaria de exercer as funções presidenciais, tentando lançar mão de um dispositivo constitucional para justificar o injustificável.

O perigo maior para o mundo é o fato dos novos "manda-chuvas" do Cremlin serem nitidamente aventureiros inconseqüentes --- caso contrário não fariam o que fizeram --- alienados sobre o que se passa em seu país e no mundo. Há somente 19 dias, a comunidade internacional vibrava com a nova parceria das superpotências, substituindo o confronto que caracterizou suas relações nos últimos 46 anos, pela cooperação, após a cordial reunião de cúpula de Moscou, entre os presidentes George Bush e Mikhail Gorbachev. Agora, mantém-se em estado de choque.

O golpe dos conservadores foi uma terrível ducha de água fria no entusiasmo mundial, quando a humanidade se aproximava, quem sabe, de um inédito e prolongado período de paz. Hoje, sem dúvida nenhuma, paira o temor por toda a parte.

As reações têm sido cautelosas no Ocidente, mas nem por isso menos incisivas. É verdade que os líderes das potências industrializadas já esperavam algo do gênero. Tanto é que condicionavam qualquer ajuda financeira à URSS aos resultados de suas reformas e principalmente à sua estabilidade política. Mas acreditavam num "milagre".

O ex-ministro de Relações Exteriores soviético, Eduard Shevardnadze, em entrevista concedida à agência Novosti de seu país e publicada com exclusividade em todo o Brasil pelo "Correio Popular", em sua edição de domingo, ressaltou que o perigo de um retrocesso totalitário não havia passado.

Disse, textualmente: "A ameaça do retorno ao totalitarismo subsiste. A psicologia das pessoas foi formada durante décadas. As forças conservadoras e reacionárias têm estruturas próprias bem organizadas e o poder real, inclusive o militar". Proféticas palavras.

O mundo agora quer saber qual a conseqüência do golpe contra Gorbachev. O que esperar? Os analistas de política internacional, intérpretes da realidade, estão perplexos diante dos acontecimentos. Que previsão fazer? Esta é a dificuldade do comentarista diário, obrigado a atuar sobre o fato ainda inconcluso, o que o induz a erros de avaliação, que seriam evitados com um distanciamento maior dos acontecimentos.

A lógica prevê uma reação dos cidadãos, especialmente das nove Repúblicas que iriam assinar, hoje, o novo Tratado de União, que foi cancelado por Yanaev e sua "trouppe". A Federação Russa, que abriga mais de 50% da população do país e que elegeu de forma consagradora Bóris Yeltsin para a sua Presidência, em 12 de junho, certamente irá reagir.

Não se pode afirmar que a URSS vá, fatalmente, cair numa guerra civil. Mas esta é a conclusão mais óbvia que se pode tirar neste momento. E não é necessário ser nenhum gênio em estratégia político-militar para saber o que uma confrontação sangrenta significa para uma nação de tamanha importância para o equilíbrio mundial.

Se as lutas étnicas na Iugoslávia, que tem 23 milhões de habitantes, vêm causando tamanha inquietação, imagine-se o alarme que pode provocar o caos no terceiro país mais populoso do Planeta, o único que, ao lado dos EUA, pode destruir em minutos toda a Terra!

Não foi para fazer retórica que Gorbachev alertou, em Oslo, em maio passado, ao receber o seu Nobel, que a "perestroika" era fundamental não somente para os soviéticos, mas para o mundo. E como era!

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 20 de agosto de 1991).


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