A reserva do futuro
Pedro J.
Bondaczuk
O presidente José Sarney, ao lançar, na sexta-feira, em
Brasília, o “Programa Nacional do Bom Menino”, manifestou, em relação ao menor,
um desejo que é o de todo o País. Expressou: “Nossa meta é fazer com que não haja
no Brasil uma só criança abandonada”.
Atualmente, este é, com certeza, o maior problema
nacional, permanente alimentador da crescente onda de violência que toma conta
de nossa sociedade e responsável pela emergência de uma nação marginal, de
pessoas sem eira e nem beira, sem passado, sem presente e sem qualquer
perspectiva de futuro.
As deficientíssimas estatísticas brasileiras variam a
respeito da quantidade de menores relegados ao abandono em nosso País. Os
números mais citados dão conta da existência de 36 milhões de carentes na faixa
etária de zero a 14 anos de idade. Dessa cifra, 12 milhões estariam no mais
completo abandono, perambulando pelas ruas das grandes cidades, roubando,
prostituindo-se e usando todo o expediente à sua disposição na difícil luta
pela sobrevivência.
Políticos de todas as tendências ideológicas e de todos os
partidos têm explorado a questão nas campanhas eleitorais, não somente na
presente, mas em tantas outras anteriores. Mas de prático, de efetivo, de
funcional, quase não se percebe providência alguma.
Um ponto já parece ter ficado bastante claro para qualquer
um, por mais leigo que seja sobre este assunto. Que a ação dedicada até aqui
para evitar a marginalização e o abandono do menor fracassou por completo. O
simples confinamento de crianças em instituições do tipo do antigo SAM e da
atual Febem revelou-se contraproducente e com efeito até contrário ao que se
esperava dessa providência.
Entregue à guarda de pessoas despreparadas, algumas até
mesmo desequilibradas e com sintomas de sadismo, o pequeno infrator, que
teoricamente deveria ser recuperado para a sociedade e para a vida em tais
locais, na verdade sofre uma influência exatamente ao inverso.
Em contato com outros adolescentes mais traquejados no
mundo do crime e da malandragem, acaba sempre se transformando num elemento
irrecuperável. Seu destino será, fatalmente, o retorno às ruas, à prática
delituosa, à cadeia, assim que adquirir a maioridade, até que a violência que
marcou toda a sua infância lhe roube a vida num confronto com a polícia, ou
numa briga com outros bandidos, ou num tira-teima em algum presídio superlotado
e nauseabundo.
Freqüentemente nos revoltamos quando lemos nos jornais
notícias como as que dão conta de que no Irã crianças de nove a onze anos são
incorporadas às forças militares, na guerra que esse país trava contra o
Iraque. Suas armas de brinquedo são trocadas por metralhadoras de verdade e
esses meninos, que ainda nem mesmo entendem as noções básicas da vida, são
enviados, compulsoriamente, para a morte, em nome de um conceito que ainda lhes
é obscuro, chamado pátria.
Geralmente eles são colocados na vanguarda das tropas,
principalmente quando estas atravessam campos minados. Dezenas, centenas e até
milhares desses pequeninos corpos são destroçados para tornar livre o caminho
dos combatentes. No Afeganistão, segundo algumas denúncias, muitas dessas
crianças estariam também sendo utilizadas pelos guerrilheiros em sua luta para
expulsar os invasores soviéticos.
No restante do Terceiro Mundo, se a situação não é tão
dramática, não deixa de ser, também, penosa. Na maior parte da Ásia, meninas
são exploradas para fins sexuais. Em 1980, por exemplo, a imprensa
internacional relatou um grande escândalo, quando um europeu contrabandeou da
Tailândia uma garotinha de somente sete anos, que já estava sendo prostituída.
Nas Filipinas, a questão da prostituição de menores tornou-se autêntica
calamidade pública e já mereceu reportagens de grandes revistas
norte-americanas e européias. O mal, portanto, é mundial. A humanidade está
doente!
Mas há uma outra forma de se abandonar um menor, menos
sutil do que esta, mas igualmente nociva. Há muita criança para a qual não
falta qualquer bem material. Come do bom e do melhor, reside em casas amplas e
luxuosas, possui todos os brinquedos que a imaginação criativa das indústrias
do ramo já pôde inventar e nunca teve nenhuma espécie de privação.
No entanto, revela um desajuste contundente, uma
desorientação completa, um sentimento doloroso de rejeição. É que muitos pais,
na ânsia de conseguirem uma coisa extremamente vaga e subjetiva chamada de
“sucesso”, negam a esses filhos o essencial. Não lhes dão a única coisa que
eles realmente desejam e necessitam e sem a qual se sentem sós e abandonados:
atenção.
O que é necessário para a solução do problema do menor
abandonado no Brasil é que as providências não se limitem a pomposos e caros
programas, lançados, solenemente, em épocas pré-eleitorais, de cima para baixo.
É indispensável uma cruzada nacional nesse sentido, uma ação conjugada e
sincera, envolvendo o governo e toda a sociedade, uma mudança nas estruturas
distorcidas que se consolidaram no País e que marginalizaram 80% de sua
população, fazendo com que nos principais indicadores ocupemos o 54º lugar no
mundo, na incômoda companhia dos Estados mais pobres e atrasados do Planeta.
A nossa grande reserva, para que nos tornemos a potência
que sonhamos ser, não está no nosso subsolo. Não é o petróleo, o urânio, o
manganês, o alumínio, o ouro, o diamante e nenhum outro metal. Nosso potencial
maior não está no desenvolvimento industrial, na expansão da nossa agricultura
e nem na crescente evolução do Produto Interno Bruto. O maior capital que o
Brasil tem e que insensatamente está desperdiçando são as suas crianças. E, ao
abandoná-las, está jogando fora todo o seu futuro.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 12 de
outubro de 1986).
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