Tuesday, May 03, 2016

Gorbachev tem pouca chance


Pedro J. Bondaczuk


O presidente soviético Mikhail Gorbachev, embora equilibrando-se precariamente numa corda bamba, tendo milhões de cidadãos a exigir sua renúncia nas ruas das grandes cidades, vendo seu projeto reformista sabotado por muitos e adulterado por alguns, mantém-se determinado a promover uma revolução pacífica, sem barricadas e sem sangue, em seu país.

As pressões a que vem sendo submetido seriam suficientes para acabar com a carreira de qualquer um que não tivesse a sua determinação e a sua convicção nas idéias que prega. De um lado, os conservadores do Partido Comunista, temendo perder os privilégios que maliciosamente, em nome da unidade partidária, e de uma pretensa revolução mundial, se auto-atribuíram, fazem o possível e o impossível para criar fatos novos, que conduzam ao fechamento do regime. De outro, os militares insinuam que Gorbachev deve, simplesmente, reprimir a oposição e tomar as rédeas do poder absoluto nas mãos, ditatorialmente, ao estilo de Leonid Brezhnev ou até mesmo de Joseph Stalin.

Numa direção oposta a esta estão os reformistas radicais, pretendendo demolir o inseguro edifício socialista, com as bases apodrecidas pela arbitrariedade e corrupção, pedra por pedra, ao invés de promover uma reforma. Esta facção é a liderada pelo populista russo Bóris Yeltsin, hoje disparadamente o político mais popular da União Soviética por falar a linguagem que o povo deseja ouvir, mesmo que desacompanhada de atos concretos. Numa quarta vertente estão os nacionalistas, que sequer desejam falar em união, mesmo que remodelada e integrada por Estados soberanos.

A tudo isso Gorbachev responde com a sua determinação de implantar, não à força, mas através da persuasão, o projeto que o tornou famoso no mundo todo, mesmo parecendo impossível, a esta altura, que ele consiga persuadir quem quer que seja nesse autêntico "saco de gatos" em que a URSS se transformou.

Aos conservadores disse, em junho passado, que, ou eles se modificam no comportamento e no dogmatismo que os intoxica, ou ficarão à margem da reconstrução do país para o transformar numa superpotência que realmente mereça este nome.

Aos militares, advertiu, num discurso pronunciado às Forças Armadas no início da semana: "Se a adoção dessas medidas (para restabelecer a ordem) significa um retorno aos velhos métodos, à repressão e à violência, então devo dizer categoricamente que não pretendo recorrer a esses meios".

Os reformistas radicais, o presidente sequer leva a sério, encarando Yeltsin como mero "aventureiro", obcecado pela sede de poder pelo poder.

Aos nacionalistas, finalmente, classifica como irresponsáveis e sem visão de conjunto, escolhendo a indigência de Estados paupérrimos e economicamente inviáveis à participação num projeto de construção de uma superpotência exemplar e sobretudo democrática.

Todas as cartas vencedoras, todavia, neste momento, estão com seus adversários, que não são obrigados a agir, como Gorbachev é. A cada dia que passa, ao invés de obter adesões ao seu projeto reformista, tem visto decepcionantes defecções de setores que julgava leais.

Ajuda do Exterior, por outro lado, não tem recebido muitas, pois apesar do apregoado fim da guerra fria, o Ocidente continua ainda adotando não apenas a linguagem, mas também o comportamento desse período. Sua situação, portanto, é não apenas insustentável, como até mesmo desesperadora. A menos que retire, como tem feito nestes últimos seis anos, algum novo "coelho da cartola" e reverta todos os dados a seu favor, sua queda parece ser somente questão de tempo.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 6 de abril de 1991).

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