Wednesday, May 04, 2016

Prisioneiros em casa


Pedro J. Bondaczuk


A cidade de Nantes, localizada às margens do Rio Loire, no Noroeste da França, povoação de cerca de 300 mil habitantes, uma das principais do país, viveu, anteontem e ontem, um insólito caso de seqüestro. O motivo, pelo que se depreendeu das informações enviadas por agências, não se deveu a qualquer fato político e o caso não pode ser atribuído a nenhum grupo guerrilheiro, dos tantos que hoje atuam em todas as partes do mundo.

Quatro marginais comuns, que estavam sendo julgados no tribunal de justiça dessa localidade por roubo e outros delitos menores, contando com a ajuda de um marroquino, com ficha na polícia por ter sido condenado por assalto a mão armada, seqüestraram todos os membros da corte, indistintamente. Juiz, promotor, advogado, jurados e até os que assistiam o julgamento, inclusive jornalistas, acabaram se tornando reféns.

Que eu me recorde, é um caso absolutamente inédito na longa história dos seqüestros, que já teve de tudo. Até um presidente já foi vítima desse tipo de ação. No caso, o da Bolívia, Hernán Siles Zuazo, mantido como refém, por quatro horas, numa residência de La Paz, por policiais rebelados.

Navio, aviões, palácios, parlamentos, todos esses locais já foram palcos de ações de extremistas. Até mesmo um ataque contra a Suprema Corte de um país registrou-se neste estranho e violento ano de 1985, com o episódio de 6 e 7 de novembro, em Bogotá, protagonizado pelo Movimento 19 de Abril da Colômbia.

Mas em todos estes casos, os motivos sempre foram essencialmente políticos. O de Nantes é o primeiro em que réus comuns prendem seus julgadores para não serem presos.

O significado disso, para a Justiça, pode ser terrível. Nós tivemos, no Espírito Santo, no final de 1984, um episódio mais ou menos parecido. Mas na oportunidade, apenas o juiz ficou como refém. E o incidente teve curta duração, se comparado com este, que polarizou as atenções mundiais por 35 horas.

É o terror fazendo escola e passando seus ensinamentos para criminosos comuns. É a violência ganhando dimensões maiores e contestando o princípio da autoridade. É a anarquia obtendo espaços insuspeitados, sem que a sociedade tenha grandes meios de impedir o seu avanço.

Casos como o ocorrido anteontem, em Nantes, têm que ser punidos com a máxima severidade possível, para que não formem entre os que vivem à margem das leis a certeza da impunidade. Isso poderia incentivar ações de igual natureza cada vez mais ousadas, mais freqüentes e finalmente mais brutais. Com o correr do tempo, pode levar os criminosos a se sofisticarem e concorrerem com os vários grupos extremistas existentes, no mercado de armamentos mais modernos.

De uns tempos a esta parte, em nível mundial, observa-se um fenômeno estranho, inquietador e altamente negativo. As pessoas de bem, que cumprem seus deveres de cidadania, contribuem com o seu trabalho para o bem estar geral e têm mentalidade construtiva, são, virtualmente, as prisioneiras.

Transformam os seus lares em autênticas fortalezas para dotarem suas famílias de proteção. Ou seja, se auto-enclausuram, enquanto que os que precisariam ser segregados do convívio social, por patológicos desvios de conduta, permanecem à solta, em plena liberdade, dando vazão a suas taras e instintos bestiais.

Decididamente, algo está muito errado. Na política, que gera ilhas (às vezes continentes) de carências; na economia, que privilegia grupos e cria castas e nas leis, severas em questões menores e absurdamente brandas nos assuntos em que deveriam ser rigorosas.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 21 de dezembro de 1985).


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