Prisioneiros em casa
Pedro J. Bondaczuk
A
cidade de Nantes, localizada às margens do Rio Loire, no Noroeste da França,
povoação de cerca de 300 mil habitantes, uma das principais do país, viveu,
anteontem e ontem, um insólito caso de seqüestro. O motivo, pelo que se
depreendeu das informações enviadas por agências, não se deveu a qualquer fato
político e o caso não pode ser atribuído a nenhum grupo guerrilheiro, dos
tantos que hoje atuam em todas as partes do mundo.
Quatro marginais comuns, que estavam sendo julgados
no tribunal de justiça dessa localidade por roubo e outros delitos menores,
contando com a ajuda de um marroquino, com ficha na polícia por ter sido
condenado por assalto a mão armada, seqüestraram todos os membros da corte,
indistintamente. Juiz, promotor, advogado, jurados e até os que assistiam o
julgamento, inclusive jornalistas, acabaram se tornando reféns.
Que eu me recorde, é um caso absolutamente inédito
na longa história dos seqüestros, que já teve de tudo. Até um presidente já foi
vítima desse tipo de ação. No caso, o da Bolívia, Hernán Siles Zuazo, mantido
como refém, por quatro horas, numa residência de La Paz, por policiais
rebelados.
Navio, aviões, palácios, parlamentos, todos esses
locais já foram palcos de ações de extremistas. Até mesmo um ataque contra a
Suprema Corte de um país registrou-se neste estranho e violento ano de 1985,
com o episódio de 6 e 7 de novembro, em Bogotá, protagonizado pelo Movimento 19
de Abril da Colômbia.
Mas em todos estes casos, os motivos sempre foram
essencialmente políticos. O de Nantes é o primeiro em que réus comuns prendem
seus julgadores para não serem presos.
O significado disso, para a Justiça, pode ser
terrível. Nós tivemos, no Espírito Santo, no final de 1984, um episódio mais ou
menos parecido. Mas na oportunidade, apenas o juiz ficou como refém. E o
incidente teve curta duração, se comparado com este, que polarizou as atenções
mundiais por 35 horas.
É o terror fazendo escola e passando seus
ensinamentos para criminosos comuns. É a violência ganhando dimensões maiores e
contestando o princípio da autoridade. É a anarquia obtendo espaços
insuspeitados, sem que a sociedade tenha grandes meios de impedir o seu avanço.
Casos como o ocorrido anteontem, em Nantes, têm que
ser punidos com a máxima severidade possível, para que não formem entre os que
vivem à margem das leis a certeza da impunidade. Isso poderia incentivar ações
de igual natureza cada vez mais ousadas, mais freqüentes e finalmente mais
brutais. Com o correr do tempo, pode levar os criminosos a se sofisticarem e
concorrerem com os vários grupos extremistas existentes, no mercado de
armamentos mais modernos.
De uns tempos a esta parte, em nível mundial,
observa-se um fenômeno estranho, inquietador e altamente negativo. As pessoas
de bem, que cumprem seus deveres de cidadania, contribuem com o seu trabalho
para o bem estar geral e têm mentalidade construtiva, são, virtualmente, as
prisioneiras.
Transformam os seus lares em autênticas fortalezas
para dotarem suas famílias de proteção. Ou seja, se auto-enclausuram, enquanto
que os que precisariam ser segregados do convívio social, por patológicos
desvios de conduta, permanecem à solta, em plena liberdade, dando vazão a suas
taras e instintos bestiais.
Decididamente, algo está muito errado. Na política,
que gera ilhas (às vezes continentes) de carências; na economia, que privilegia
grupos e cria castas e nas leis, severas em questões menores e absurdamente
brandas nos assuntos em que deveriam ser rigorosas.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do
Correio Popular, em 21 de dezembro de 1985).
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