Importância de Florença
nas artes e na cultura
Pedro
J. Bondaczuk
A pandemia de peste
bubônica que assolou a Europa em meados do século XIV (e, praticamente, todo o
mundo conhecido de então) dizimou a maior parte dos habitantes de praticamente
todas as cidades europeias. Muitas das pequenas localidades praticamente foram
riscadas mapa, por falta de moradores que, ou fugiram enquanto puderam delas ou
morreram todos, sem que restasse, sequer, quem sepultasse os mortos. Não se
sabe, frise-se, se a peste negra atingiu também as Américas, que ainda nem
haviam sido “descobertas”, mas que abrigavam prósperas civilizações. Alguns
estudiosos supõem que sim. Outros tantos apostam que não. Fico com esta
corrente. Se nenhum navegador europeu, ou asiático, aportou na região,
certamente seus navios não transportaram para ela ratos pretos, carregados de
pulgas, ambos infectados pelo agente patogênico causador da doença. Até prova
em contrário (caso exista), portanto, pode-se afirmar, com razoável certeza,
que as Américas foram poupadas da pandemia.
Duas das melhores
descrições desse letal flagelo têm como foco o que ocorreu na cidade italiana
de Florença. Foram feitas por dois autores de estilos e de formações diferentes
em quase tudo e que só tiveram, praticamente, em comum o primeiro nome e os
relatos da matança causada pela peste, embora divergissem quanto às cifras de
mortos. Refiro-me ao florentino Giovanni Villani (cuja obra comentei em texto
anterior), e a seu ilustre “xará”, Giovanni Boccaccio, natural da cidadezinha
de Certaldo, que, a exemplo de Florença, situa-se, também, na região da
Toscana, e que atualmente conta com população em torno de 16 mil habitantes. O
primeiro foi historiador, autor do livro “Nova Crônica” (que não concluiu por
ter morrido em conseqüência da peste, e que foi concluído por seu irmão Matteo
e seu sobrinho Filippo). Já a obra do segundo é considerada um clássico da
literatura de ficção, que foi, inclusive, popularizada pelo cinema, com um
filme muito conhecido. Refiro-me a “Decamerão” (que no Brasil recebeu o título
de “Príncipe Galleoto”, subtítulo da versão original no dialeto toscano).
Boccaccio é considerado, com razão, o verdadeiro “pai” do Realismo na
Literatura.
Destaco que, para
melhor entendimento dos terríveis efeitos dessa pandemia numa localidade
específica, deixando um pouco de lado sua abrangência mais ampla, ou seja, o
restante da Europa, se faz necessária uma análise em separado, mesmo que
superficial, de três “importâncias” distintas. Ou seja, explicar por que
Florença era (e certamente ainda é) tão importante, não só nesse contexto, mas,
sobretudo, nos aspectos tanto artísticos, quanto culturais. A seguir, é mister
que se faça o mesmo em relação a Giovanni Boccaccio. E, claro, ao fim e ao
cabo, tratar de sua obra-prima, o “Decamerão”. Hoje, meu foco será a capital e
maior cidade da região da Toscana. Florença é, diga-se de passagem, também o
nome da província italiana em que ela se situa.
Essa belíssima
metrópole da Itália, uma das principais atrações turísticas do país, conta,
atualmente, com uma população de mais de um milhão de habitantes em sua área
metropolitana. Os habitantes de sua zona urbana beiram os 400 mil. Entre tantas
outras coisas, é considerada o berço do Renascimento italiano. Nela nasceram,
entre tantas personalidades, figuras como o poeta Dante Alighieri (autor da
“Divina Comédia”) e Cimabue (o último grande pintor do país a seguir a tradição
bizantina, responsável, entre outras coisas, por revelar a genialidade de
Giotto). Conta com diversas e maravilhosas catedrais de época. É cenário de
obras dos mais célebres artistas do Renascimento, como Donatello, Botticcelli,
Rafael Sanzio e, principalmente, Leonardo da Vinci e Michelangelo. Ah, e sem
esquecer de Giotto.
Florença, que prima
pelo bom gosto e elegância, foi, durante muito tempo, considerada a capital
mundial da moda. Foi, também, como destaquei em texto anterior, a terra natal
de nada menos que seis papas. É natural, portanto, que quando atingida por uma
catastrófica epidemia, como a de peste bubônica, ocorrida em meados do século
XIV, haja curiosidade especial sobre como sua população reagiu à tragédia e
quantas pessoas o flagelo dizimou. As estimativas, feitas pelos dois
“Giovannis”, a esse respeito, são extremamente diferentes. O Villani,
historiador, foi moderado ao estimar o número de florentinos que morreram em decorrência
da doença. Citou 50 mil pessoas (cifra que, ainda assim, considerei exagerada).
Já o outro Giovanni, o Boccaccio, o ficcionista, não se fez de rogado. Dobrou o
número de mortos estimado por seu “xará”. Afirmou que estes foram cem mil.
Duvido que chegou a tanto!
Afinal, paciente
leitor, quem estava certo? Villani? Boccaccio? Ou nenhum dos dois? Como saber?
Não vejo como. O fato é que os florentinos tiveram garra e criatividade para,
debelada a epidemia na cidade, trabalharem e fazerem de Florença o que ela é
hoje. Ou seja, um dos lugares do mundo mais dignos de se visitar e, de fato,
mais visitados, entre os tantos pontos turísticos que há por aí. Por isso é
importante trazer à baila o que aconteceu ali, principalmente entre 1348 e
1352, nas visões, em especial, do historiador Giovanni Villani (como já fiz) e
do ficcionista Giovanni Boccacio (como me proponho a fazer na sequência).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment