Vocação pacificadora
Pedro J. Bondaczuk
O
primeiro-ministro indiano, Rajiv Gandhi, que há seis dias completou seu
primeiro ano de mandato, vem se revelando um emérito pacificador. Quando
assumiu o governo do segundo país mais populoso do Planeta, dividido num sem
número de etnias, com línguas, costumes e religiões os mais diversos, a Índia
estava em franca ebulição. Sua antecessora e mãe, Indira Gandhi, acabara de ser
assassinada por extremistas "sikhs" e os hinduistas promoviam cenas
pavorosas de violência por todas as partes. Apenas para que o leitor tenha uma
idéia, em três dias de baderna foram mortas três vezes mais pessoas do que as
vítimas dos conflitos raciais sul-africanos em todo um ano.
Rajiv,
entretanto, com menos de uma semana no poder, retomou o controle dos
acontecimentos. Indenizou os "sikhs" atingidos pelos atos de
vandalismo, puniu alguns responsáveis pelos crimes e iniciou um processo de
pacificação interna, que desembocou nas eleições do mês passado no problemático
e rico Estado do Punjab. Aliás, quando ele marcou esse pleito, foi acusado até
de irresponsável, pelos seus opositores internos e externos, como se democracia
pudesse ser um risco para quem quer que seja. O processo eleitoral em questão,
contudo, foi dos mais calmos e quem ganhou, levou. E foi o partido da oposição,
Akali Dahl.
Contornados
alguns dos mais cruciais problemas domésticos, Rajiv parte agora para uma
política de convivência pacífica com seus vizinhos. Alguns, poderosos, como a
China. Outros, briguentos, como o Paquistão, há muito desejoso de ir à forra da
derrota militar sofrida em 1971, oportunidade em que perdeu a parte oriental do
país, que hoje é a República independente de Bangladesh. O primeiro-ministro
indiano, que havia mantido contatos com o presidente paquistanês, general Zia
Ul-Haq, em Nova Delhi, quando do sepultamento de sua mãe, em novembro de 1984,
voltou a se reunir informalmente com ele no mês passado, em Nova York, quando
ambos compareceram às cerimônias dos 40 anos da ONU. E segundo observadores,
com acesso aos dois países, Índia e Paquistão estão muito próximos de resolver
suas principais pendências, existentes desde 1947, quando se separaram,
integrantes que eram de um só território colonial britânico, e conquistaram
suas respectivas independências.
Mas
o caso mais sério que os indianos possuem com os vizinhos é com a China. Em
1962, por causa de uma série de desavenças, chegaram até mesmo a pegar em armas
um contra o outro. Em 20 de outubro daquele ano tropas chinesas invadiram a
região de Ladak, do território contestado de Caxemira, além de ameaçarem o
estratégico Sikkim, uma pequena faixa de terra, autêntica cunha entre o Nepal e
o Butão, tão pequena que até é difícil de ser encontrada no mapa. O conflito,
na ocasião, só não foi mais sério graças à intervenção soviética. Mas a tensão
entre Pequim e Nova Delhi permaneceu.
O
tempo passou, muita coisa mudou pelos lados da Ásia, mas os dois países mais
populosos do Planeta, que sozinhos têm quase a metade de toda a população
mundial, continuaram se hostilizando. Ou, pelo menos, se ignorando solenemente.
A Índia, no período, trocou de governo seis vezes: Jawaharlal Nehru, Lal
Bahadur Shastri, Indira Gandhi, Morarji Desai, novamente Indira e Rajiv. A
China foi mais modesta. Mas perdeu dois dos baluartes do seu regime, Chu En Lai
e Mao Tse Tung e iniciou um período inédito de ocidentalização e até uma ousada
guinada para o capitalismo. E somente agora, 23 anos após aquela desastrada
troca de tiros de 1962, ambos conseguem sentar-se ao redor de uma mesma mesa e
discutir civilizadamente suas pendências territoriais.
Rajiv
Gandhi, portanto, ao que tudo leva a crer, passará para a história como o
governante de uma nova Índia. Não aquela famélica e necessitada, que aparecia
nos noticiários, até a década de 60, como exemplo de fome e de toda a sorte de
carências. Hoje o país é auto-suficiente em alimentos e até exporta cereais.
Mas de uma nação madura, consciente, vivida e que faz justiça ao título de
"a maior democracia do mundo". Ou seja, a Índia que um outro Gandhi,
o "Mahatma" tanto sonhou e pela qual morreu.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 6 de novembro de
1985)
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