Hospitalidade penalizada
Pedro J.
Bondaczuk
Os acampamentos palestinos de Beirute, especialmente os de
Sabra e Chatila, estão próximos de reviver o drama e o horror do massacre
acontecido em 1982, perpetrado por milicianos cristãos do Sul do Líbano, após a
saída israelense da capital libanesa.
Só que desta vez, eles não estão
indefesos. Ao contrário, vêm resistindo, com armas nas mãos, ao assédio, que já
dura três dias, dos xiitas da milícia Amal. E os atacantes, embora tenham
conquistado pontos estratégicos desses dois campos de refugiados, e de um
terceiro, o de Bourj Barajne, perderam mais homens do que os que estão
virtualmente sitiados.
Um dia, quando a paz for
restabelecida no Líbano (e isso, esse povo sofrido haverá, ainda, de
conquistar) e for contada a história dessa devastadora guerra civil, certamente
o mundo irá conhecer, em toda a sua plenitude, o imenso mal que os palestinos
causaram a um país outrora exemplar.
Afinal, foram eles que deram
início ao conflito, em 1975, após um incidente até trivial, transformado,
posteriormente, numa grande questão. Aliás, quase todas as grandes guerras
começam por questões de somenos importância.
Quando as tropas de Israel
entraram no Líbano, em junho de 1982, dando início à operação “Paz para a
Galiléia”, já era tal o espírito de animosidade contra os palestinos, que
muitos libaneses (inclusive muçulmanos), receberam os soldados invasores de
braços abertos, como autênticos “libertadores”.
A revista norte-americana Times,
de 28 de junho desse ano, constatou isso. O repórter destacado para cobrir o
fato escreveu, na oportunidade: “As tropas israelenses são saudadas como
libertadoras heróicas pelos libaneses cristãos, que fazem chover sobre elas
arroz, flores e doces”.
Quando os palestinos, depois de
expulsos da Jordânia, chegaram ao Líbano, foram recebidos pelos muçulmanos
daquele país de braços abertos, como irmãos. Mas esse namoro durou pouco. E
acabou no momento em que os libaneses perceberam que os refugiados que
abrigavam estavam exorbitando da hospitalidade recebida.
Aproveitando as facilidades
oferecidas pelos muçulmanos, procederam a uma virtual ocupação militar em
várias e importantes cidades do Líbano, inclusive algumas históricas, como Tiro
e Sidon, introduzindo armas pesadas e fortificando as áreas ocupadas, como se
estivessem se preparando para uma guerra.
Procuravam, pelo menos na
prática, estabelecer um Estado dentro de outro. E isso, libanês algum, quer
fosse cristão ou muçulmano, poderia tolerar. E nem está tolerando. O conflito
atual é mera continuação da batalha inacabada de 1975. A expulsão palestina,
pelos israelenses, de 1982, não foi mais do que uma retirada estratégica.
Agora que as tropas de Israel
começam a deixar o Líbano, sorrateiramente, os combatentes palestinos voltam a
se insinuar nos mesmos locais de onde foram expulsos, dispostos, segundo tudo
indica, a uma revanche. E isso, até por uma questão de estratégia defensiva, os
libaneses não estão dispostos a permitir. Daí o empenho da milícia Amal em
expulsar de vez o indesejável conviva de sua casa, antes que ele se aposse de
seus bens, de seus filhos e de sua mulher.
Mas desta vez deseja travar a sua
batalha sozinha, sem a ajuda israelense. Até por uma questão bastante
pragmática. Para obter um maior cacife no momento em que ocorrer a pacificação
do país e os xiitas reivindicarem uma participação maior na gestão do Estado.
Isto explica, pelo menos em parte, a ferocidade com que os combates estão se
desenvolvendo.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 23
de maio de 1985).
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