Thursday, October 30, 2014

Hospitalidade penalizada


Pedro J. Bondaczuk


Os acampamentos palestinos de Beirute, especialmente os de Sabra e Chatila, estão próximos de reviver o drama e o horror do massacre acontecido em 1982, perpetrado por milicianos cristãos do Sul do Líbano, após a saída israelense da capital libanesa.

Só que desta vez, eles não estão indefesos. Ao contrário, vêm resistindo, com armas nas mãos, ao assédio, que já dura três dias, dos xiitas da milícia Amal. E os atacantes, embora tenham conquistado pontos estratégicos desses dois campos de refugiados, e de um terceiro, o de Bourj Barajne, perderam mais homens do que os que estão virtualmente sitiados.

Um dia, quando a paz for restabelecida no Líbano (e isso, esse povo sofrido haverá, ainda, de conquistar) e for contada a história dessa devastadora guerra civil, certamente o mundo irá conhecer, em toda a sua plenitude, o imenso mal que os palestinos causaram a um país outrora exemplar.

Afinal, foram eles que deram início ao conflito, em 1975, após um incidente até trivial, transformado, posteriormente, numa grande questão. Aliás, quase todas as grandes guerras começam por questões de somenos importância.

Quando as tropas de Israel entraram no Líbano, em junho de 1982, dando início à operação “Paz para a Galiléia”, já era tal o espírito de animosidade contra os palestinos, que muitos libaneses (inclusive muçulmanos), receberam os soldados invasores de braços abertos, como autênticos “libertadores”.

A revista norte-americana Times, de 28 de junho desse ano, constatou isso. O repórter destacado para cobrir o fato escreveu, na oportunidade: “As tropas israelenses são saudadas como libertadoras heróicas pelos libaneses cristãos, que fazem chover sobre elas arroz, flores e doces”.

Quando os palestinos, depois de expulsos da Jordânia, chegaram ao Líbano, foram recebidos pelos muçulmanos daquele país de braços abertos, como irmãos. Mas esse namoro durou pouco. E acabou no momento em que os libaneses perceberam que os refugiados que abrigavam estavam exorbitando da hospitalidade recebida.

Aproveitando as facilidades oferecidas pelos muçulmanos, procederam a uma virtual ocupação militar em várias e importantes cidades do Líbano, inclusive algumas históricas, como Tiro e Sidon, introduzindo armas pesadas e fortificando as áreas ocupadas, como se estivessem se preparando para uma guerra.

Procuravam, pelo menos na prática, estabelecer um Estado dentro de outro. E isso, libanês algum, quer fosse cristão ou muçulmano, poderia tolerar. E nem está tolerando. O conflito atual é mera continuação da batalha inacabada de 1975. A expulsão palestina, pelos israelenses, de 1982, não foi mais do que uma retirada estratégica.

Agora que as tropas de Israel começam a deixar o Líbano, sorrateiramente, os combatentes palestinos voltam a se insinuar nos mesmos locais de onde foram expulsos, dispostos, segundo tudo indica, a uma revanche. E isso, até por uma questão de estratégia defensiva, os libaneses não estão dispostos a permitir. Daí o empenho da milícia Amal em expulsar de vez o indesejável conviva de sua casa, antes que ele se aposse de seus bens, de seus filhos e de sua mulher.

Mas desta vez deseja travar a sua batalha sozinha, sem a ajuda israelense. Até por uma questão bastante pragmática. Para obter um maior cacife no momento em que ocorrer a pacificação do país e os xiitas reivindicarem uma participação maior na gestão do Estado. Isto explica, pelo menos em parte, a ferocidade com que os combates estão se desenvolvendo.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 23 de maio de 1985).


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