Fuga da vida ou da
loucura?
Pedro
J. Bondaczuk
“Querido,
tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos
passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar
vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser
o melhor a se fazer.
Você
me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum
outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença
terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas,
pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei.
Você
vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a
você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém
poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me
salvar, este alguém seria você.
Tudo
se foi para mim, mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não
posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter
sido tão felizes quanto nós fomos.V”.
Este foi um dos últimos
textos que Virgínia Woolf escreveu. Outro, do mesmo teor (provavelmente o
derradeiro), foi escrito para sua irmã, Vanessa Bell. Era manhã de 28 de março
de 1941. A escritora acabara de ter outro colapso nervoso. Estes vinham sendo,
então, muito freqüentes. Ela interpretava esses desarranjos como sintomas de
loucura. Não sei se, tecnicamente, poderiam ser interpretados como tal. Os
especialistas se dividem, a propósito, até hoje, com base, contudo, apenas no
que leem. Alguns acham que Virgínia estava mesmo no limiar da completa
insanidade. Outros tantos entendem que não e que, com terapias adequadas,
poderia ter sido curada e viver ainda alguns anos, lúcida e produtiva. Não tomo
partido nessa celeuma. Afinal, não é minha especialidade.
A própria escritora,
dias antes (como o jornalista e historiador Euler França Belém ressalta, em seu
excelente e detalhado ensaio “Virginia Woolf tentou ‘curar’ sua loucura pelo
suicídio”, publicado na Revista Bula), “no início de 1941 Virgínia estava
desesperada, louca. Mesmo assim, tentou convencer a médica Octavia Wilberforce,
uma amiga, de que não estava doente mentalmente. Mas confessou partes de seus
medos. Medos de que o passado voltaria. De que nunca mais voltaria a escrever”.
Deduzo que seu desespero maior, o que a levou à autodestruição, nem era causado
pelo fato de ouvir vozes. Era por não conseguir (ela achava que não
conseguiria) fazer mais o que tanto gostava, para o que vinha dedicando toda a
vida. E isso, óbvio, era a Literatura. Era ESCREVER.
Recorro, de
novo, ao ensaio de Euler, que descreve, de forma magistral, os últimos e
dramáticos momentos da vida de Virgínia Woolf, como eu não conseguiria
descrever com a mesma perícia. O jornalista escreve:“É triste e pungente
como Quentin Bell fala do fim de sua tia escritora: Na manhã de sexta-feira, 28
de março, um dia claro, luminoso e frio, Virginia foi como de costume ao seu
estúdio no jardim. Lá, escreveu duas cartas, uma para Leonard e outra para
Vanessa — as duas pessoas que mais amava. Nas duas cartas explicava que vinha
ouvindo vozes e acreditava que nunca mais ficaria boa; não podia continuar
estragando a vida de Leonard”.
E Euler prossegue em
seu relato, com base nas informações de Quentin Bell, sobrinho e biógrafo da
escritora: “Ela colocou o bilhete sobre a lareira da sala de estar, e cerca de
11h30 esgueirou-se para fora, levando sua bengala de passeio; e atravessou os
prados até o rio. Leonard acreditava que ela já havia feito uma tentativa para
se afogar: assim, teria aprendido com o fracasso, e estava decidida a não
falhar de novo. Deixando a bengala na margem, ela esforçou-se para pôr uma
grande pedra no bolso do casaco. Depois, encaminhou-se para a morte, ‘a única
experiência’, dissera um dia a Vita, ‘que nunca descreverei’” E, por razões óbvias, não descreveu mesmo.
O rio, em que
Virgínia Woolf deu cabo da vida, foi o Ouse, que flui pelas cidades de York,
Selby e Goole, antes de desaguar no Humble. Seu corpo, já em avançado estado de
decomposição, foi localizado (e resgatado) somente três semanas após o
suicídio, ou seja, em 18 de abril. Está sepultado no “Non-Cemetery”, na
localidade de Sussex. Minha narrativa poderia encerrar-se aqui, mas seria muito
cômodo. Há muitas questões em torno do seu último ato que merecem, pelo menos,
comentários, mesmo que superficiais, o que me proponho a fazer na sequência.
Intriga-me, sobretudo, a maneira que Virgínia escolheu para se matar, ou seja,
na água. Seria uma tentativa subconsciente de se “purificar”? Se foi, “se
purificar” do quê? Achava sua conduta errada, como era acusada nos círculos
mais puritanos da Inglaterra de então? Quem sabe? Creio que ninguém. Apenas é
possível especular a propósito. Voltarei ao tema.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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